Natureza encenada: Zoo de Zoos
Um passeio através do passado, do presente e do futuro do Jardim Zoológico de Lisboa
O turista que visita Portugal não debe limitar o seu interesse à capital, ainda que nela possa encontrar, como foi demonstrado, muitas e muitas coisas para recordar, tanto no sentdo artístico como nohistórico. […] O nosso automóvel deixa o Rossio, sobe a Avenida da Liberdade … até chegar ao Jardim Zoológico, um dos sítios mais agradáveis mesmo à saída de Lisboa e muito procurado pela população quando está de folga. Este jardim ocupa uma área de 92.540 meros quadrados e tem animais de quase todas as partes do mundo.
“Lisboa: o que o turista deve ver” – Fernando Pessoa, 1925/29
No seu guia turístico de Lisboa, publicado em 1929, Fernando Pessoa definia o Jardim Zoológico da capital como um dos locais mais aprazíveis para ser visitado fora da cidade. Um século após a sua fundação, o Jardim Zoológico é parte integrante do tecido urbano de Lisboa.
O Jardim Zoológico foi projetado pelo célebre arquiteto Raul Lino, que teve um papel importante no panorama da arquitectura e do pensamento arquitetónico nacional. Mas, nos tempos acuais, qual é o papel do jardim zoológico? E como será no futuro?
“Natureza encenada: Zoo de zoos” é uma exposição virtual que procura refletir sobre o papel dos jardins zoológicos nas cidades contemporâneas, com um foco especial para o Jardim Zoológico de Lisboa.
MANIFESTO CURATORIAL (PDF 129 KB)
Passado
Em foco: Quem é Raul Lino?
Raul Lino (1879-1974) é um famoso arquiteto, designer, teórico e escritor da arquitectura, que viveu e exerceu a sua atividade ao longo do século XX.
Nasceu em Lisboa e teve oportunidade de estudar em Inglaterra e na Alemanha, onde trabalhou no ateliê do arquiteto alemão Albrecht Haupt. Regressado a Portugal, Raul Lino dedicou uma parte importante dos seus estudos à arquitectura tradicional portuguesa e à cidade. As suas pesquisas refletem-se nos livros que escreveu, entre os quais: A Nossa Casa (1918), A Casa Portuguesa (1929, 1933) e L'Evolution de l'Architecture Domestique au Portugal (1937). Entre 1902 e 1974 foi autor de cerca de 700 projetos.
Raul Lino foi um arquiteto que escreveu e publicou abundantemente e que ficou conhecido pela campanha da Casa Portuguesa, que gerou polémica e atingiu o seu auge na exposição retrospetiva que teve lugar na Fundação Calouste Gulbenkian em 1970. É menos conhecido pela qualidade da sua transversal síntese entre urbanismo, arquitetura, artes decorativas.
Paulo Manta Pereira na entrevista para Natureza Encenada, 2020
O Pavilhão das Zebras é um dos primeiros com que os visitantes se deparam, situado à esquerda, logo após a entrada principal. Originalmente projetado como duas construções autónomas ligadas por uma estrutura de madeira, a aparência final é de um único edifício caracterizado por listas horizontais na fachada. Este elemento distintivo remete diretamente para o aspeto físico dos animais que acolhe.
A Casa das Girafas foi edificada em 1946 e mantém até hoje a sua função. O desenho do edifício inspirou-se na principal característica dos animais que alberga: a altura. O projeto original contemplava uma torre num dos alçados laterais, que acentuava a sua elegância. Por constrangimentos orçamentais, a sua construção nunca veio a realizar-se.
O Solar dos Leões é uma das atrações principais do Jardim Zoológico de Lisboa. Construído em 1931 e restaurado em 1955, este pavilhão assemelha-se a um grande castelo com um amplo pátio e um fosso. Na memória descritiva, Raul Lino escreveu que desejava dar "ao recinto uma sugestão de circo ou coliseu". Curiosamente, o mesmo tipo de edifício, mas numa escala mais reduzida, foi construído no Jardim dos Pequeninos: o Solar dos Leõezinhos, que atualmente acolhe cachorrinhos, para a segurança e proteção do público infantil.
A Casa dos Elefantes é tão grande quanto os seus inquilinos. Construído no final da década de 1930 e alargado na década seguinte, este pavilhão sugere a arquitectura tradicional da África Ocidental, território de origem dos animais. O estilo mourisco das janelas, dos arcos e da pequena cúpula é o traço distintivo desta construção, combinando a dimensão dos elefantes com as suas raízes africanas. No desenho original não existe muro entre os animais e os visitantes, mas apenas um largo fosso que os separa.
Nos desenhos arquitetónicos do projeto do Jardim Zoológico, este pavilhão surge em duas versões, uma para os hipopótamos e uma outra para os tigres. O único elemento que os diferencia é uma grade metálica externa. O pavilhão está desenhado com dois andares. O primeiro distingue-se por um espaço vazio de grande dimensão, acedido por dois arcos. O segundo andar, construído para os felinos na década de 1940, é apenas acessível pelo exterior e caracteriza-se pelos bancos, revestidos por azulejos, que permitem aos visitantes observar os animais.
O Castelo das Águias e a instalação dos ursos foram projetadas como espaços contínuos, numa área mais afastada do jardim. O estilo romântico utilizado neste pavilhão é único. A parte reservada às águias foi desenhada como um castelo em ruínas, rodeado por uma rede de metal para que as aves não fugissem. Internamente, o espaço apenas continha alguns nichos que funcionavam como abrigos. No espaço contíguo, com três pequenas torres e um pequeno lago, foram instalados os ursos.
Estrategicamente localizado no centro do jardim, perto do pórtico central, esta gaiola é dedicado às aves que estão associados à simbologia de Lisboa: os corvos negros. Não obstante a sua pequena dimensão, esta construção combina diversos elementos característicos da arquitectura de Raul Lino, como os pináculos e as telhas verdes da cobertura. A atenção do arquiteto aos detalhes é aqui particularmente evidente, como o baixo-relevo alusivo ao estatuto de Lisboa como cidade capital.
A Aldeia dos Macacos é um dos primeiros desenhos de Raul Lino para o Jardim Zoológico, datando de 1927. Pela sua localização, esta instalação representa o núcleo central do parque, sendo evidente o seu papel lúdico. O recinto foi concebido como uma aldeia tradicional, não recriando o habitat natural dos animais, mas sim colocando-os num contexto humanizado. O espaço está organizado em redor de uma praça, com duas vias principais e um conjunto de edifícios: o Hotel da Barafunda, a Adega do Simão, a Casa do Macaco, uma torre, um lago e um poço.
Presente
Cinema, televisão e o Jardim zoológico de Lisboa: uma questão da memória coletiva
Caminhando pelo Jardim Zoológico atual: um roteiro arquitetónico para descobrir o universo de Raul Lino
O pequeno roteiro arquitetónico “Um passeio à descoberta dos pavilhões de Raul Lino” está organizado em torno de 8 estações principais, localizadas em frente aos pavilhões mais importantes. Vários outros pontos estão incluídos no caminho “Experiência completa”, um passeio que visa mostrar diferentes aspetos do projeto e da filosofia do desenho do arquiteto.
Os oito pavilhões principais - assinalados com pontos de cor negra - foram selecionados pelos traços arquitetónicos que os distinguem. Na verdade, essas construções mostram a grande atenção dispensada por Raul Lino ao comportamento de cada animal na fase do desenho. Após décadas, a maioria dos pavilhões preservou as características originais e hospeda as mesmas espécies para as quais foram desenhados, com poucas exceções. Outros elementos, como os bancos, instalações para serviços e quatro pavilhões demolidos entretanto, são assinalados com pontos brancos para os visitantes que pretendam mergulhar fundo no universo arquitetónico de Raul Lino.
O primeiro pavilhão deste passeio arquitetónico é o peculiar edifício com listas horizontais, inicialmente projetado para as zebras e que hoje abriga os rinocerontes indianos. Situa-se do lado esquerdo da entrada principal, junto ao acesso do teleférico, permitindo que os visitantes o possam desfrutar de cima. O recinto conta com um pequeno lago e várias estruturas de madeira para criar sombra.
A Casa das girafas preserva a função e a forma originais desde a sua construção. Com efeito, as girafas têm sido sempre as personagens deste palco, composto por um pavilhão rodeado por um pátio com pouca vegetação excepto algumas palmeiras. Considerado um dos pavilhões mais importantes, mantém os detalhes iniciais bem conservados, como as telhas, os pequenos pináculos da entrada secundária e as ameias, que o tornam tão original.
O Solar dos Leões é o pavilhão mais teatral do Jardim Zoológico. Trata-se de um edifício monumental em semi-arco, que serve de cenário para uma das espécies animais mais atraentes do Jardim. Preservado como no projeto original, o pavilhão oferece dois pontos de vista para a observação dos leões: um de baixo no mesmo nível dos animais e um de cima.
A Casa dos Elefantes é tão grande como os seus habitantes. Com o passar dos anos foi ampliada várias vezes para dar o espaço certo aos animais. Hoje, este pavilhão possui dois pátios principais, um na parte posterior e outro na parte frontal do edifício. Visível de três lados, oferece a oportunidade de observar os elefantes de diferentes perspetivas.
O romântico Castelo das Águias é hoje o recinto dos ursos. O projeto original localizava os dois edifícios, para as duas espécies diferentes, próximos um do outro. Com o passar dos anos foram unidos, a grade de metal eliminada e foi criado um espaço único dedicado apenas aos mamíferos. Um canal de água e uma barreira transparente garantem que não exista nenhum contacto entre os visitantes e os animais.
Este pavilhão, que foi originalmente projetado para os hipopótamos e posteriormente alterado para tigres, hospeda hoje os babuínos. Esta construção de dois andares reúne muitos traços distintos da arquitetura de Raul Lino. O primeiro andar é emoldurado por uma grade metálica, enriquecida com detalhes decorativos, como girassóis. O segundo andar, acessível apenas pelas traseiras, está atualmente encerrado.
A Gaiola dos Corvos é hoje ocupada por pequenos pássaros. Localizada no centro do Jardim Zoológico, possui um valor simbólico pelo facto dos corvos negros fazerem parte da iconografia de Lisboa. Apesar das suas pequenas dimensões, o pavilhão preserva muitos elementos distintivos, como as telhas verdes e o escudo da cidade.
A Aldeia dos Macacos constitui o centro das atrações do Jardim Zoológico e é a obra-prima de Raul Lino. Este pavilhão está preservado como no projeto original, embora os sinais do tempo sejam evidentes. A diferença de nível na construção permite aos visitantes observar os animais de cima.
Future
Postais de Lisboa
Postais de Belgrado
No âmbito das atividades da plataforma Future Architecture (FA), as equipas de pais(vi)agem e Mies.TV participaram numa conversa virtual organizada pela BINA – Semana Internacional de Arquitetura de Belgrado 2020, em setembro passado. Durante a discussão com os outros oradores convidados (Vuk Marić – Arhinaut VMR / RS, Milja Vuković – Wild in Belgrade, Dalia Dukanac e Hristina Stojanović – Modern Belgrade), surgiram inúmeras reflexões interessantes. Algumas delas resultaram na colaboração “rápida e furiosa” da equipa de Modern Belgrade no projeto Natureza Encenada, contribuindo com dois postais do futuro Jardim Zoológico de Belgrado.
A equipa curatorial gostaria de agradecer às seguintes pessoas envolvidas neste projeto:
João Vieira, Ana Barata, Francisco Cipriano, Maria João Santos, Nuno Parreira e a toda a equipa da Fundação Calouste Gulbenkian, que nos confiou esta exposição, e por todo o apoio prestado durante a sua preparação; Matevž Čelik, Milan Dinevsky, Saša Štefe e toda a equipa da plataforma Future Architecture pelo seu excelente trabalho na criação desta espantosa plataforma; Paula André, Pedro Beja, Eduardo Brito Henriques, Lucinda Fonseca Correia, Paulo Manta Perreira, Martinho Pimentel e Filipa Saldanha pelo tempo, pela partilha de conhecimentos, perícia e visão crítica; Hugo Moura pela contribuição fundamental durante a visita de campo; Hristina Stojanović and Dalia Dukanac (Modern in Belgrade) por se juntarem ao projeto, com energia e entusiasmo.
PATROCÍNIO
BOLSEIROS
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