Livros de Horas na Coleção Gulbenkian

O que é um livro de horas? Qual a sua função? Que conteúdos guarda nas suas páginas? Descubra as respostas a estas questões no texto da conservadora Ana Maria Campino.
Ana Maria Campino 31 jul 2024 3 min
Do pergaminho ao papel

No contexto da sua coleção de 35 manuscritos iluminados, Calouste Gulbenkian adquiriu cerca de 16 livros de horas, entre códices e folhas soltas, com destaque para o Livro de Horas de Margarida de Cleves (fig. 1) e o Livro de Horas de Isabel da Bretanha (fig. 2), pela sua importância histórica e artística.

A maior produção – e consequente maior disponibilidade no mercado – de manuscritos nos séculos XV e XVI, à medida que os centros de criação se deslocam dos mosteiros mais rurais para as cidades – onde aumenta o número de encomendadores –, aliada à preferência de Gulbenkian por livros ampla e luxuosamente ilustrados, perante exemplares mais modestos em termos decorativos, poderão estar na origem deste interesse particular.

Tipologia criada na Europa a partir da segunda metade do século XIII, o livro de horas contém orações destinadas à devoção privada, sobretudo por leigos, numa época em que a vida social se deslocava progressivamente dos feudos rurais para as cidades, onde, além da nobreza abastada, a burguesia começava a afirmar-se.

O facto de ser encomendado por patronos abastados, para seu uso pessoal ou para oferta (por exemplo, por ocasião de casamentos), e não ser utilizado em cerimónias de culto, justifica o seu pequeno formato, por vezes miniatural (fig. 3), que facilitava a sua portabilidade. Além disso, estes livros seguem uma estrutura aparentemente estável, que se foi convencionando ao longo do tempo, embora possam apresentar especificidades segundo o período, o local de produção ou o próprio encomendador.

No início do livro, encontra-se, em regra, o calendário, que geralmente inclui iluminuras para os diferentes meses do ano e para os signos do zodíaco (fig. 4). Por vezes, esta secção é acompanhada por instrumentos (tábuas ou círculos) que permitiam calcular datas e festividades litúrgicas, como a Páscoa (fig. 5).

A representação do destinatário do livro, habitualmente ajoelhado em oração diante de figuras devocionais, como a Virgem e o Menino (fig. 6, 7 e 8), pode anteceder, nalguns casos, os Ofícios ou Horas, conjuntos de orações dedicadas à Virgem, ao Espírito Santo, à Cruz, a variados santos e santas, aos defuntos, entre outros. Estes grupos podem conter até oito orações, de acordo com o momento do dia e com diferentes graus de importância: Matinas (madrugada), Laudes (manhã), Prima, Terça, Sexta, Noa (breves orações entre a manhã e a tarde), Vésperas (tarde) e Completas (noite).

No caso do Ofício da Virgem, é frequente, mas nem sempre respeitada integralmente, a inclusão de iluminuras extraídas do ciclo narrativo da Infância de Cristo (Anunciação, Visitação, Natividade, Anúncio aos Pastores, Adoração dos Magos, Apresentação de Jesus no Templo, Fuga para o Egito, Coroação da Virgem) como introdução a cada oração (fig. 9 e 10). O Ofício dos Mortos é, habitualmente, ilustrado com iconografia relacionada com a representação de defuntos, como a Ressurreição (fig. 11) ou o Juízo Final, entre outros.

Série

Do pergaminho ao papel

Expostos por períodos mais curtos devido à fragilidade dos seus materiais, os livros e documentos gráficos europeus da coleção são menos conhecidos do público. Nesta série, a conservadora Ana Campino propõe novos olhares sobre estas obras que constituíam um dos conjuntos artísticos prediletos de Calouste Gulbenkian.

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