Como é que os andorinhões conseguem dormir a voar?

Um naturalista no Jardim Gulbenkian

Estas aves incríveis chegaram a Portugal em Março, vindas de África. Ricardo Brandão e Daniela Costa, do CERVAS, explicam como é que fazem quase tudo a voar, incluindo dormir.
Wilder 16 jun 2020 4 min
Um naturalista no Jardim Gulbenkian

As espécies mais comuns de andorinhões são o andorinhão-preto (Apus apus) e o andorinhão-pálido (Apus pallidus), “aves com um modo de vida peculiar e surpreendente”. Muitas vezes confundidos com as andorinhas, “vivem literalmente por cima das nossas cabeças, nas nossas cidades e aldeias, dentro dos telhados das nossas casas”, descrevem Ricardo Brandão, veterinário e coordenador do Centro de Ecologia, Recuperação e Vigilância de Animais Selvagens (CERVAS) e Daniela Costa, enfermeira-veterinária.

É por estes dias que podemos ver e ouvir estas pequenas aves, pois “os seus ‘gritos’ em perseguições estridentes fazem parte das nossas paisagens sonoras urbanas dos meses mais quentes”, lembram os dois responsáveis do centro situado em Gouveia, no Parque Natural da Serra da Estrela.

O que muitas pessoas desconhecem é que os andorinhões passam quase toda a vida a voar, incluindo dormir. E conseguem fazê-lo sem acidentes porque “não dormem de forma contínua”.

À noite, “sobem a altitudes que podem chegar aos 2000 metros, aproveitando massas de ar quente”, e dessa forma ficam a salvo de chocar contra telhados, fachadas de prédios e outras estruturas. “Fazem movimentos de batimentos de asas de quatro segundos aos quais se seguem períodos de repouso de três segundos, que funcionam como um período de descanso intermitente”.

Tudo isto acontece enquanto continuam a voar a cerca de 20 km/h, sempre embalados pelas correntes de ar. E como descansam à noite em altitudes elevadas, os predadores – como corujas e falcões – têm dificuldade em caçá-los.

A verdade é que o corpo destas aves insectívoras está especialmente adaptado para o voo. “Toda a silhueta parece um arco com uma flecha. A cabeça fica bem escondida entre os ombros, as asas têm forma de foice e o corpo parece um torpedo.” É assim que atingem velocidades de 100 km/h, sendo considerados as aves mais rápidas do mundo em voo contínuo.

© Keta/Wiki Commons

E é em pleno voo que caçam, normalmente a velocidades mais moderadas para escolherem os alimentos preferidos. “Com a sua enorme boca conseguem caçar mais de quinhentas espécies diferentes de insectos de diversos tamanhos e formas, e até aranhas em teias suspensas no ar.”

É também assim que recolhem materiais para os ninhos, aproveitando tudo o que apanham, como ervas secas e penas, que depois misturam com saliva. E é no ar que muitas vezes acasalam e realizam todas as outras tarefas, como a limpeza das penas ou beber água – o que fazem “em voos rasantes a rios e lagoas.”

Pousam apenas para se abrigarem de chuvas fortes e tempestades prolongadas, abrigando-se nos ninhos ou noutros abrigos, mas só aguentam sem comer um máximo de três a quatro dias. Outra pausa no voo acontece quando cuidam das crias que já nasceram. Nos primeiros 10 a 15 dias de vida daquelas, “um dos adultos, ou até os dois, ficam no ninho durante a noite.”

Os pequenos andorinhões vão permanecer abrigados quase um mês e meio. Depois, logo na primeira vez que levantam voo, “ficam de imediato independentes dos pais e nunca irão regressar ao ninho, começando a migração para África quase de imediato.” Durante pelo menos dois anos, vão continuar a voar, fazendo um total de 50.000 km sem pausas.

“Se considerarmos que a esperança de vida de um andorinhão pode chegar aos 21 anos – normalmente vivem apenas quatro a seis anos – percorrem distâncias que dariam para ir e vir à Lua várias vezes.”

Se nos próximos meses encontrar um juvenil de andorinhão caído no chão, o melhor será colocá-lo numa caixa de cartão perfurado e contactar imediatamente o centro de recuperação de fauna selvagem mais próximo, para aí ser entregue. Não alimente nem dê água à pequena ave, avisam Ricardo Brandão e Daniela Costa.

Leia mais sobre o andorinhão-preto, ave que é possível observarmos nos céus acima do Jardim Gulbenkian.

Série

Um naturalista no Jardim Gulbenkian

Uma vez por mês, ao longo de um ano, a revista Wilder revelou algo a não perder no Jardim Gulbenkian e lançou-lhe um desafio: descobrir e fotografar ou desenhar cada descoberta. No ano seguinte, a partir da biodiversidade do jardim, e com a ajuda de especialistas, respondemos a vários “como e porquê” de aves, insetos, mamíferos, anfíbios e plantas.

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