José de Guimarães, 1962 – 1992

Exposição itinerante e individual antológica de José de Guimarães (1939), organizada em parceria pelo Centro de Arte Moderna e pela Fundação de Serralves. A mostra percorreu algumas das fases centrais do trabalho do artista entre 1962 e 1992, expondo peças provenientes de emprestadores privados portugueses e estrangeiros.
Travelling retrospective exhibition on José de Guimarães (1939) organised in a partnership between the Modern Art Centre and the Serralves Foundation. The show covered some of the key periods of the artist’s work between 1962 and 1992, exhibiting works on loan from Portuguese as well as foreign private collections.

A exposição «José de Guimarães, 1962-1992» percorreu várias das principais etapas do volumoso corpo de trabalho do artista português à data desta mostra. A iniciativa firmou mais uma parceria entre o Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) e a Fundação de Serralves. Esteve patente primeiro em Lisboa, na Galeria de Exposições Temporárias da Sede da FCG (piso 0), entre 18 de março e 3 de maio de 1992. Daí seguiu para a cidade do Porto, onde esteve exposta de 16 de julho a 30 de agosto desse mesmo ano, na Casa de Serralves.

O catálogo lista 102 obras provenientes de um vasto leque de emprestadores portugueses e estrangeiros, confirmando a implantação internacional da obra de José de Guimarães à entrada para a década de 1990. É justamente desse período que data a maioria das peças apresentadas e que constituíam então parte da produção mais recente do autor. Todavia, o caráter antológico da mostra fazia-a recuar até ao início da sua maturação autoral, com a primeira peça catalogada a datar de 1962. Trata-se de Fotógrafo de Feira, e situa-se ainda na antecâmara do que seria apelidado como «período africano» – estruturante para as fases posteriores da obra de Guimarães. Plasmado nesse óleo, está um contacto telúrico com as festas do seu Minho natal, talvez o arranque das «osmoses culturais» que perseguiria em toda a sua obra futura.

É em 1961, não muito antes de realizar esta pintura, que José Maria Fernandes Marques (1939) adota como apelido artístico o nome da cidade onde nascera. Para ele, Guimarães é, de facto, «cidade-berço», cultural e biologicamente, além de acoplar os evidentes símbolos das quimeras de portugalidade que a sua obra abordará no futuro.

Neste início dos anos 60, o artista já tinha estado em Paris e visitado Itália, absorvendo estímulos importantes. Mas a primeira grande consolidação do seu percurso autoral seria catapultada em Luanda, onde chega em 1967 como engenheiro do Exército Português na Guerra Colonial. Familiarizado com as linguagens pop, cedo as começa a contaminar com os sistemas de crenças e expressões artísticas de que se apercebe no contacto com comunidades locais.

A instalação no Museu de Angola, em 1968, é um dos testemunhos do neodadaísmo que então o motivava. Desse mesmo ano, o catálogo desta mostra na FCG lista um autorretrato em madeira recortada, em que o artista recorre ao stencil para grafar números, letras, um ponto de interrogação (apenas alguns dos imensos sinais que povoariam, enigmaticamente, toda a sua obra futura).

Outras oito peças das muitas produzidas em Angola seriam incluídas nesta antológica de 1992. Situam-se na orla das importantes séries das Máscaras e dos Fetiches, e vão da pintura sobre tela a uma das curiosas esculturas em madeira policromada – tudo peças produzidas no seu regresso a África, em 1970, após um breve retorno de um ano a Portugal. É nesta segunda fase que nasce o Alfabeto Africano (1970-74), extenso álbum de signos imbuído no espírito da tradição oral e das crenças animistas das várias regiões que visita. Encubado nessa intensificação do seu interesse pela antropologia e etnologia, esse conjunto de desenhos revela-se matricial para os sucedâneos da sua obra.

A evidente dimensão «lexical» do trabalho de Guimarães cambia com as geografias por onde a sua carreira vai transitando. Essas absorções da alteridade cultural têm no confronto com a história da arte ocidental, de matriz europeísta, o seu pano de fundo mais pertinente e problemático. Se isso irrompe com clareza no «período africano», raiz de todas as derivações, ganha depois outras incidências, no final dos anos 70, com as abordagens temáticas de vultos históricos europeus. Entre os exemplos desta fase presentes nesta mostra de 1992, encontra-se a pintura Passeio de Rubens e Hélène Fourment (Inv. 80P590), de 1978. Foi adquirida nesse mesmo ano pela FCG, na sequência da exposição «Rubens e José de Guimarães» (Arquivos Gulbenkian, SEM 00121), na Sede da Fundação – mostra surgida pouco depois de uma bolsa Gulbenkian para investigações em serigrafia e fotografia, concedida ao autor em 1976 (José de Guimarães, 1962-1992, 1992).

Pouco depois, o início dos anos 80 fica marcado pelo Ciclo Camões – 23 guaches e seis desenhos, cujo depósito o artista confia à FCG aquando da abertura do CAM, em 1983 (Arquivos Gulbenkian, Dossiê de Artista n.º 135). Apesar de apenas duas dessas peças estarem catalogadas nesta mostra da FCG, a omnipresença dessa série afirmou-se noutras obras expostas. Especialmente as da primeira metade da década de 80, crucial para a consagração internacional do autor e quando, curiosamente, o seu trabalho mais se aproxima de temas da História de Portugal e das suas «heráldicas». É esse o tempo das exuberantes esculturas em pasta de papel policromada. Entre as incluídas nesta mostra estiveram as que abordam D. Pedro I, Inês de Castro, o próprio Camões ou D. Sebastião (Inv. 95E348). Esta última, de 1984, já pertencia ao acervo da FCG quando foi exposta nesta ocasião.

O final dos anos 80 e início da década de 90 fechavam a cronologia desta antológica, deixando adivinhar de que modo a frequente analogia dos caminhos da obra de Guimarães com os Descobrimentos Portugueses incorporaria referências que o artista colhe no Japão. Mais tarde, seriam o México, o Brasil ou a China a contribuir para a o seu caldeirão de sincretismos, que, metaforicamente, aparece quase como uma espécie de expansionismo às avessas, uma voluntária e problemática colonização cultural do histórico colonizador europeu.

Paralelamente à sua obra artística, as importantes coleções de arte africana, pré-colombiana e chinesa de José de Guimarães distendem a importância que o seu trabalho confere à etnologia. Encontram-se atualmente em diálogo permanente com a arte contemporânea no Centro Internacional das Artes José de Guimarães, em Guimarães.

Concomitantemente com esta antológica de 1992, uma retrospetiva da obra gráfica do autor esteve patente no Palácio Galveias, em Lisboa («José de Guimarães. Obra Gráfica: 1962-1991», 1992). Sublinhou como a gravura e outros processos de transferência mecânica da imagem são campos que o artista nunca cessou de explorar. Revelam-se mesmo determinantes no início do seu percurso criativo, contribuindo para situá-lo como um curioso exemplo de linguagem pop no contexto português. Merecem menção as serigrafias abordando o 1.º de Maio, distribuídas oficialmente no primeiro convénio em Portugal da Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA), em 1978.

Os acervos FCG guardam exemplares dessa edição limitada entre as 76 provas da obra gravada do autor atualmente inventariadas na Coleção Moderna. Cinquenta e seis delas provieram de uma doação do artista, aquando da já citada abertura do CAM, em 1983 (Arquivos Gulbenkian, Dossiê de Artista n.º 135). Nesse mesmo ano, seriam adquiridas mais cinco peças do total de 89 obras do autor atualmente inventariadas na Coleção Moderna. Seis dessas obras – datadas dos anos 60 e 70 – foram recentemente incorporadas na sequência da exposição «Pós-Pop. Fora do Lugar-Comum» (FCG, 2018). Duas delas são desenhos, de 1966: La vache qui rit (Inv. 18P1854), doado pelo autor, e O rei mandou que o soltassem (Inv. 18P1852), adquirida pela Fundação. A última tinha sido exposta na «Pós-Pop», tal como uma escultura S/Título em madeira policromada, de 1971, igualmente comprada (Inv. 18E1853). Três desenhos da série Espiões (1966), doados pelo artista, completam este lote, em que se sente a importância do cartaz publicitário, do slogan e da banda desenhada, muitas vezes através do decalque, da colagem, do carimbo. É essa matriz pop que conflui com as diversas latitudes que a obra de Guimarães tem transportado até hoje, sem temer o humor, o grotesco e o kitsch.

A exposição antológica «José de Guimarães, 1962-1992» foi salientada na atribuição do prémio anual da Secretaria de Estado da Cultura e AICA (Secção Portuguesa) ao artista, em 1993 (Colóquio/Artes, n.º 97, jun. 1993, p. 61).

Daniel Peres, 2018


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

Passeio de Rubens e Helène Fourment

José de Guimarães (1939-)

Passeio de Rubens e Helène Fourment, Inv. 80P590

Rei D. Sebastião

José de Guimarães (1939-)

Rei D. Sebastião, Inv. 95E348

Passeio de Rubens e Helène Fourment

José de Guimarães (1939-)

Passeio de Rubens e Helène Fourment, Inv. 80P590

Rei D. Sebastião

José de Guimarães (1939-)

Rei D. Sebastião, Inv. 95E348


Publicações


Material Gráfico


Fotografias


Documentação


Periódicos


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Exposições e Museografia), Lisboa / SEM 00699

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém corespondência com o artista, emprestadores e seguradoras e recortes de imprensa. 1992 – 1992

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00304

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém minuta de contrato entre as entidades organizadoras (Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação de Serralves e José de Guimarães); correspondência com os emprestadores portugueses e estrangeiros, seguradora e transportadoras; convites; recortes de imprensa. 1991 – 1993

Espólio do CAM, Lisboa / Dossiê de Artista n.º 135

Dossiê dedicado aos processos de aquisição, doação e depósito de obras do artista José de Guimarães. Inclui correspondência com o artista, fichas de obras, um recorte de imprensa, memórias descritivas de projetos e reproduções fotográficas. 1978 – 1989


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