Exposição de pintura e fotografia dos artistas portugueses Ana Marchand (1947) e Albano da Silva Pereira (1950), que cruza experiências de viagem e descoberta.

Na Galeria do piso 01 do Centro de Arte Moderna foram reunidas duas séries de trabalhos de Marchand, realizados aquando da sua viagem à Índia em 1989, e uma série fotográfica de Silva Pereira, resultante de uma visita a Moçambique, num momento trágico para o país.

Em março de 1989, Ana Marchand embarca numa viagem para a Índia, seguindo a rota marítima dos diários de navegação de Viagens do Reino para a Índia e da Índia para o Reino (1608-1612), compilados no século XVII por D. António de Ataíde.

A descoberta de tais escritos parece ter sido obra do acaso, como relata João de Pina Cabral no texto para o catálogo: «Vasculhando por entre livros que os antigos proprietários tinham abandonado na sua casa de Sintra, Ana Marchand encontrou uma edição dos diários de navegação do Reino para a Índia e da Índia para o Reino.» (Viagem do Reino para a Índia. Ana Marchand, Albano da Silva, 1990)

Marchand regista a sua viagem numa espécie de diário de bordo, não através da escrita, como os pilotos da nau Santo António e da nau Nossa Senhora da Penha de França, entre outras, mas em pinturas a óleo sobre papel. O resultado são duas séries de trabalhos Do Reino para o Cabo / O / Atlântico (1989) e Do Cabo para a Índia / O / Índico (1989). Como o título indica, Marchand dividiu o registo da sua viagem em dois grandes momentos: o percurso até ao cabo da Boa Esperança, e daí até à Índia. Dois oceanos distintos, que a artista fez corresponder a duas cores diferentes: a série dedicada ao Atlântico, a azul; a dedicada ao Índico, a amarelo.

Esta foi uma experiência marcada pelo mar, pelo céu, pelo silêncio da noite, pela calmaria e pela tempestade, e por alguns vislumbres da costa. A natureza reina. A presença humana é muito diminuta, tendo registado algumas pequenas e rudimentares embarcações junto à costa oriental de África. Aí, faz uma paragem na ilha de Moçambique, por constituir uma das escalas históricas, e onde dezassete anos antes estivera Albano da Silva Pereira, em circunstâncias muito distintas, tendo registado a sua experiência. É essa série fotográfica, intitulada Ilha de Moçambique (1972), que é trazida para a mostra, de certo modo como contraponto.

Silva Pereira, à data a combater na Guerra Colonial, visita Moçambique, e fica fascinado pela vida e cultura autóctones. A sua objetiva capta o quotidiano daqueles povos, a sua relação com a natureza, a aparente harmonia num território cheio de diferenças: capelas e mesquitas lado a lado, muçulmanos que leem o Alcorão tendo a arquitetura colonial portuguesa como pano de fundo. Esta mescla de culturas não se vê a partir do mar, onde os homens são todos iguais, onde reina a natureza.

A reunião dos trabalhos de Ana Marchand e Albano da Silva Pereira sobre as suas experiências de descoberta vai muito para além da cronologia dos factos, apresentando dois olhares sobre a Carreira da Índia, que correspondem a uma reflexão sobre os dois lados da História: um focado nos navegadores e suas tormentas, o outro na colonização dos territórios e suas consequências para as povoações autóctones.

Mariana Roquette Teixeira, 2018