«Mário Dionísio. 50 Anos de Vida Literária e Artística» chega à Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) por iniciativa da Comissão Instaladora do Museu do Neo-Realismo em Vila Franca de Xira (MNRVFC). Data de 26 de fevereiro de 1991 uma primeira carta remetida a José Sommer Ribeiro com a proposta de acolhimento do projeto em Lisboa, no seguimento de iniciativas análogas que já estavam a ser programadas para Vila Franca de Xira (Ofício da Comissão Instaladora do MNRVFC a José Sommer Ribeiro, 26 fev. 1991, Arquivos Gulbenkian, CAM 00234). O então diretor do Serviço de Exposições e Museografia manifestou prontamente a adesão do Centro de Arte Moderna (CAM), tendo cabido ao Serviço de Animação, Criação Artística e Educação pela Arte (ACARTE) a organização de um evento associado, conforme também era sugerido na carta.

A exposição inauguraria na Sala de Exposições Temporárias do CAM a 14 de novembro de 1991. Cobriu sinopticamente as várias fases da pintura do autor, desde o período do Neorrealismo – do qual foi um dos introdutores em Portugal – às renovações que sempre empreendeu na sua prática artística. Raramente mostrados até à individual de 1989 (Galeria Nasoni) e até estas retrospetivas de 1991, esses avanços da sua pintura foram em muito motivados pela persistente reflexão nos campos da estética, da crítica da arte e da sociologia. Esse campo mais teórico e literário da sua intervenção ficou patente nos vários textos publicados nos anos de 1940 e 1950, especialmente em periódicos, que contrabalançariam a política cultural fechada do regime do Estado Novo. A poesia e o romance completam a faceta literária do autor de A Paleta e o Mundo (1962), um dos obstinados pensadores sobre a sociedade do seu tempo a revelar uma musculatura política incansável na oposição ao fascismo.

No mesmo dia da inauguração da mostra, o ACARTE apresentaria na Sala Polivalente do CAM uma «leitura encenada de textos de Mário Dionísio intitulada Mais verde mais azul mais branco mais vermelho, por: Clara Joana, José Manuel Mendes, Luís Lima Barreto, Luís Lucas, Luis Miguel Cintra e Maria Emília Correia». No dia seguinte, 15 de novembro 1991, decorreria um «encontro sobre “Aspectos da obra de Mário Dionísio”», em que participaram Rui Mário Gonçalves, tratando da pintura, Fernando J. B. Martinho, para a poesia, Vítor Viçoso, abordando a teorização neorrealista, e Cristina Almeida Ribeiro, comentando a ficção (Convite, Arquivos Gulbenkian, CAM 00234).

O catálogo da exposição contou com um breve estudo de Sílvia Chicó sobre o lugar do artista no panorama alargado das artes plásticas e com um texto inédito de José Cardoso Pires, intitulado «A Intervenção Criativa» (Mário Dionísio. 50 Anos…, 1991), testemunho aberto e reconhecido sobre a obra de Dionísio, escrito por um dos pares literários da sua geração. Os arquivos Gulbenkian guardam um datiloscrito autografado desse texto (Arquivos Gulbenkian, CAM 00234).

Homenageando o longo alcance e a pluralidade da vida e obra de Dionísio, esta retrospetiva e os eventos que lhe estiveram associados seriam mais um dos vários momentos a ligar a Gulbenkian à história deste autor de referência da cultura portuguesa do século XX. Consagrava assim, também, uma relação que, como lembra Sommer Ribeiro no catálogo, remonta ao início da Fundação, «quando da I Exposição de Artes Plásticas da FCG [1957]», em que Dionísio «proferiu […] "Conflito e Unidade na Arte Contemporânea"» (Mário Dionísio. 50 Anos…, 1991). Os Arquivos Gulbenkian conservam um resumo dessa conferência, datilografado e anotado pelo próprio (Arquivos Gulbenkian, SBA 18385-00002).

Em 2008, seria fundada em Lisboa a Casa da Achada – Centro Mário Dionísio, organismo dinamizador do espólio do autor, com biblioteca especializada e uma programação ativa em várias áreas de ação cultural.

Daniel Peres, 2018