Max Ernst. Livros e Obra Gráfica

Primeira exposição individual do artista alemão Max Ernst (1891-1976) em Portugal, que proporcionou um momento de reflexão sobre o Dadaísmo e o Surrealismo a partir de um dos seus maiores vultos. O catálogo elenca 68 peças, que incluem desde edições bibliográficas a provas isoladas em gravura, até intervenções em obras de outros autores.
First solo exhibition in Portugal of the work of German artist Max Ernst (1891-1976), in a display which contemplated the Dada and Surrealist movements from the perspective of one of its most prominent figures. The exhibition catalogue featured 68 works, from book editions and single printing proofs to interventions in the work of other artists.

«Max Ernst. Livros e Obra Gráfica» foi um extenso projeto itinerante que partiu da iniciativa do Institut für Auslandsbeziehungen (Instituto para as Relações Culturais com o Estrangeiro – Estugarda). Foi lançado em 1977, cerca de dez anos antes desta sua chegada a Portugal. Data também desse ano a primeira publicação do catálogo da exposição, cuja tradução e edição portuguesas foram asseguradas pela Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), por ocasião desta sua apresentação em 1987. Inauguraria a 3 de fevereiro em Lisboa, onde chegava vinda de Madrid, com o apoio das delegações internacionais do Goethe-Institut (Carta de H. A. Oehler para José Sommer Ribeiro, 15 dez. 1986, Arquivos Gulbenkian, SEM 00355).

O catálogo elenca 68 peças, que incluem edições bibliográficas, livros de artista, séries e provas isoladas em gravura, contemplando obras integralmente da autoria de Ernst, bem como intervenções suas em edições da obra de outros autores. Entre as suas paredes e vitrinas, a mostra terá contado com um total de mais de 200 espécimes, compreendendo um arco cronológico que ia desde uma primeira litografia pertencente ao portfólio Fiat modes pereat ars (1919) (ainda do período dadaísta), até uma outra litografia, de 1974 (dois anos antes da morte do artista), pertencente a uma série que integrou o livro Max Ernst: Maximilian, organizado pelo realizador alemão Peter Schamoni (1934-2011) (Max Ernst. Livros e Obra Gráfica, 1987).

Dedicada à pintora norte-americana Dorothea Tanning (1910-2010), última esposa de Ernst, esta edição de Schamoni surge na sequência de um filme que produzira em 1967, com a participação de Ernst, sobre o livro de artista 65 Maximiliana ou l'exercice illégal de l'astronomie (1964), cujo exemplar n.º 32/65 esteve presente nesta exposição (Ibid.).

Dos livros da autoria de Max Ernst destacam-se os álbuns de imagens como Historie Naturelle: Le Start du chataignier (1926) ou Une semaine de bonté ou Les Sept élements capitaux (1934). O primeiro conta com um prefácio de Jean (Hans) Arp (1886-1966) e apresenta 34 reproduções tipográficas de frottages, representando animais e plantas. O segundo desdobra-se em cinco cadernos com 245 colagens passadas a fotogravura – uma delas adotada para o cartaz desta exposição. Também marcavam presença algumas edições que articulam o trabalho gráfico e o texto escrito do autor, revelando um Ernst mais literário, que nem sempre recebe tanta notoriedade, mas que é igualmente notável. É o caso de Rêve d'une petite fille qui voulut entrer au Carmel (1930), com enigmáticas legendas a acompanhar as reproduções de colagens. Igualmente com escritos de Ernst, sobressai o livro At Eye Level: Poems and Comments (1949), realizado no âmbito de uma retrospetiva, já nos EUA, e que inclui oito reproduções tipográficas de colagens «Paramyths». Ainda na vertente das intercalações entre imagem gráfica e texto escrito do autor, é fundamental o já citado 65 Maximiliana ou l'exercice illégal de l'astronomie, onde Ernst constrói uma mancha de alfabetos hieroglíficos que faz acompanhar por «textos e águas-fortes […] a comentar […] os conceitos de […] Tempel» (Ibid., p. 129).

Por sua vez, as intervenções de Ernst em obras literárias de outros autores constituíam a maior parte das peças expostas. Saliente-se as edições produzidas com o poeta Paul Éluard (1895-1952): Répétition (1922), Les Malheurs des immortels (1922), À l’intérieur de la vue: 8 poèmes visibles (1947). Merece também destaque o contributo para as edições de Manifeste du surréalisme. Poisson soluble (1929) e Les Vases communicants (1932), de André Breton, para as quais Ernst terá concebido, respetivamente, frontispício e capa – elementos que também concebera para a primeira edição francesa de Un divertissement (1938), de Franz Kafka (Ibid.).

Refira-se ainda a série de oito calcografias, a preto e a cor, para uma edição de 1949 de L’Antitête. Monsieur Aa l'antiphilosophe (1933), de Tristan Tzara, ou a colaboração em Dame Oval (1939), da inglesa Leonora Carrington – figura mais oculta do Surrealismo, com quem Ernst mantivera uma relação amorosa e que alegadamente reencontrara em Lisboa, no refúgio da Segunda Guerra Mundial, antes de partir para os EUA na companhia de Peggy Guggenheim, com quem viria a casar (Ferreira, Público, 18 ago. 2017).

Do período pós-Segunda Guerra Mundial, releve-se a conceção da capa e das onze águas-fortes destacáveis de Galapagos: Les îles du bout du monde, com textos de Antonin Artaud, editado em 1955 (Ibid.).

Fechando a cronologia da mostra e da fase mais tardia do percurso do artista, destaquem-se as quatro águas-fortes que acompanharam uma edição de poemas de Hölderlin em 1960; uma litografia de 1966 para um cartaz do Jewish Museum de Nova Iorque; as 36 litografias de Lewis Carrolls Wunderhorn (1970) – livro que contém textos do autor de Alice no País das Maravilhas (1865) selecionados por Ernst e Werner Spies, um estudioso da obra do artista que assina a introdução para o catálogo desta exposição. Spies via também serem incluídas nesta exposição duas litografias originais de Ernst que acompanham a edição de dois dos seus livros sobre o artista (Ibid.).

Não foram encontrados registos de que a obra de Max Ernst tivesse sido objeto de uma exposição individual em Portugal antes desta mostra na FCG. Este aspeto, por si só, traria sempre alguma envergadura histórica à ocorrência deste projeto itinerante no panorama artístico português. Mas é talvez a especificidade do corpo de trabalho apresentado o que mais contribui para o alcance deste evento cultural. Os livros e obra gráfica, no trajeto prolífero deste autor, revelam um dos seus mais curiosos territórios de experimentação, no qual a ortodoxia dos materiais e formatos trabalhados ombreia com as pulsões dadaístas e surrealistas subjacentes ao próprio trabalho. Por vezes, Ernst parece mesmo manobrar as mais estáveis convenções das artes gráficas para, num aparente respeito minucioso por técnicas e formatos da tradição da tipografia e da estampa, introduzir as suas finas sementes subversivas. Para tal, o frequente recurso à apropriação de resíduos clássicos do património gráfico, bibliográfico e editorial (desde diagramas técnicos à ilustração impressa em clichés tipográficos) é crucial e estratégico.

Incidindo particularmente sobre a relação entre as artes visuais e a literatura, a exposição «Max Ernst. Livros e Obra Gráfica» terá potenciado a reflexão acerca do livro de artista e acerca do livro-objeto na arte do século XX. Nessa área, as propostas das vanguardas históricas para as interações entre imagem gráfica e texto escrito – terreno primordial, explorado desde o próprio advento da escrita – ofereceram novas possibilidades para a prática artística moderna e contemporânea.

Como esta exposição atestava, e como a obra de Ernst particularmente salienta, esses novos rumos tiveram no Surrealismo um dos seus berços mais fecundos, pois foram capazes de tocar o caráter transfronteiriço do movimento, cujas pretensões holísticas eram gizadas por Breton logo no primeiro Manifesto de 1924 (do qual Ernst foi um dos signatários).

Desde aí, o livro-objeto, o livro de artista e os formatos de ephemera têm percorrido o seu caminho de transformações, colhendo hoje uma atenção reforçada enquanto campo de pesquisa artística e objeto de investigação. Encontramos manifestações desse interesse acentuado na programação mais recente de diversas instituições museológicas. No caso da FCG, destacam-se a exposição «Tarefas Infinitas. Quando a Arte e o Livro se Ilimitam» (2012) ou o próprio ciclo «LivrObjecto», atualmente em curso no âmbito da programação da Biblioteca de Arte da FCG, que, em 2015, já tinha inaugurado a sua colaboração na programação expositiva com a retrospetiva «Lourdes Castro. Todos os Livros».

A consulta da imprensa da época sugere que, como seria expectável, «Max Ernst. Livros e Obra Gráfica» terá alcançado um sucesso bastante significativo no contexto da oferta cultural de Lisboa nesse ano. Estando prevista inicialmente até 27 de fevereiro de 1987 (Carneiro, Diário Popular, 23 fev. 1987), a exposição terá sido prolongada até «meados de Março de 1987» (Gonçalves, O Jornal, 20 fev. 1987).

Seis anos depois, em 1993, a FCG apresentaria uma outra exposição de âmbito similar, desta feita intitulada «Max Ernst. Livros e Obra Gráfica (Colecção Lufthansa)», um sucedâneo direto da mostra de 1987, que reapresentou grande parte das mesmas gravuras e livros. Lembrando palavras de Eurico Gonçalves aquando da exposição de 1987, devolvia-se assim ao público a oportunidade de um confronto direto com a «“beleza convulsiva” das más imagens» (Ibid.).

Daniel Peres, 2018

Max Ernst: livros e obra gráfica was an extensive travelling project that was launched by the Institut für Auslandsbeziehungen Stuttgart [Institute for Foreign Cultural Relations Stuttgart]. It was launched in 1977, roughly 10 years before it arrived in Portugal. This was also the date of the first edition of the exhibition catalogue, translated and published by the Calouste Gulbenkian Foundation (FCG) when the exhibition opened in 1987. It opened on 3 February in Lisbon, having come from Madrid, with the support of the Goethe Institut's international delegations (Letter from H. A. Oehler to Sommer Ribeiro, 15 Dec. 1986, Gulbenkian Archives, SEM 00355).
The catalogue listed 68 pieces, which included bibliographic publications, artist's books, printmaking series and single proofs, including works entirely by Ernst but also some of his interventions in work by other artists. Between the walls and the display cases, the exhibition had a total of more than 200 specimens, including a timeline that stretched from a first lithography belonging to the portfolio Fiat modes pereat ars (1919) (during his Dadaist period), up to another lithography from 1975 (two years before the artist's death) that belonged to a series included in the book Max Ernst: Maximilian, organised by German director Peter Schamoni (1934-2011) (Max Ernst: Livros e obra gráfica, 1987).
Dedicated to US painter Dorothea Tanning (1910-2010), Ernst's last wife, Schamoni's publication arose following a film he had produced in 1967 with Ernst's participation on the artist's book (65) Maximiliana or The Illegal Practice of Astronomy (1964), and edition number 32/65 was present at the exhibition (ibid.).
Max Ernst's books include albums of images like Natural History (1926) or A Week of Kindness or the Seven Deadly Elements (1934). The first included a preface by Jean (Hans) Arp (1886-1966) and presents 34 typographic reproductions of frottages depicting animals and plants. The second was distributed over five notebooks with 245 collages transferred to photoengraving one of which was used for the exhibition poster. Some publications were also present that connected the artist's graphic work and texts, revealing a more literary Ernst, one that did not always receive as much visibility but is similarly noteworthy. This is the case of A Little Girl Dreams of Taking the Veil (1930) with enigmatic labels to go with the reproduced collages. Along with Ernst's writings, the book At Eye Level: Poems and Comments (1949), made as part of a retrospective in the USA also stands out, and includes eight typographic reproductions of the Paramyths collages. In the interstitial spaces between the artist's graphic and written work, (65) Maximiliana or The Illegal Practice of Astronomy (1964) is fundamental. Ernst builds hieroglyphic alphabets that he accompanies with Texts and etchings (...) commenting (...) the concepts of (...) Tempel... (ibid., p.129).
Ernst's interventions in literary works by other authors composed most of the other pieces exhibited. These included publications by poet Paul Éluard (1895-1952): Repetitions (1922), Misfortunes of the Immortals (1922) and The Interior of Seeing: Eight Visible Poems (1947). It is also worth noting his contribution to editions of Manifesto of Surrealism Soluble Fish (1929) and Communicating Vessels (1932) by André Breton, for which Ernst designed the frontispiece and the cover respectively. He had designed the same features of the first French edition of Franz Kafka's Un Divertissement (1938) (ibid.).
The series of eight chalcographies, in black and in colour, for a 1949 edition of Vol. 1 Mr. Aa the Anti-Philosopher (1923) by Tristan Tzara (1896-1963) or his collaboration in Oval Lady (1939) by English artist Leonora Carrington (1917-2011). Carrington was a more obscure figure of surrealism, with whom Ernst had had a romantic relationship and whom he had allegedly met again in Lisbon, sheltering from the Second World War, in the company of the woman he would eventually marry, Peggy Guggenheim (Ferreira, Público, 18 Aug. 2017).
The post-Second World War period included designs for the cover and 11 noteworthy etchings for Galapagos: Les Iles du bout du monde with texts by Antonin Artaud, published in 1955 (ibid.).
Closing the timeline of the exhibition and the later stages of the artist's career were four etchings that accompanied a book of poems by Hölderlin published in 1960; a 1966 lithography for a poster for the Jewish Museum of New York; 36 lithographies for Lewis Caroll's Wunderhorn (1970) a book containing texts by the Alice in Wonderland (1865) author selected by Ernst and Werner Spies (1937), a scholar of the artist's work who wrote the introduction to the catalogue of this exhibition. Spies also had two original lithographies by Ernst included in the exhibition that went with the publication of two of his books about the artist (ibid.).
No records were found that Max Ernst's work had been featured in an individual exhibition in Portugal before this one at the FCG. This alone would add a historic element to holding this travelling project in the Portuguese artistic field. But it is also perhaps the specific nature of the body of work exhibited that contributes the most to the reach of this cultural event. The books and graphic work produced during the artist's prolific career demonstrate some of his most curious areas of experimentation, in which the orthodoxy of materials and formats worked on appear alongside Dadaist and surrealist impulses underlying the work itself. At times, Ernst appears to even shake the steadiest conventions of graphic art to, with apparently meticulous respect for techniques and formats from typography and printing traditions, introduce tiny seeds of subversion. His frequent appropriation of the classical remnants of graphic work, books and publications (from technical diagrams to printed illustration in typography clichés) is crucial and strategic in this process.
Dealing with the relationship between visual arts and literature in particular, the exhibition Max Ernst: Livros e obra gráfica would have encouraged a reflection on the artist's book and the book-object in 20th-century art. The proposals of the historical avant-garde for interactions between graphic images and written texts a primordial area explored since the very advent of writing offered new opportunities to modern and contemporary artistic practices.
As this exhibition showed, and as Ernst's work in particular underlines, these new paths found in surrealism one of their most fertile breeding grounds, since they were able to touch on the cross-border character of the movement, the holistic intentions of which were sketched out by Breton in the first Manifesto of 1924 (which Ernst also signed).
Since then, the book-object, the artist's book and the format of ephemera have followed their paths of transformations, and today receive extra attention as fields of artistic exploration and objects of research. We find signs of that interest highlighted in the most recent programmes of many different museums. In the FCG's case, this has included the exhibition Tarefas Infinitas: Quando a arte e o livro se ilimitam [Infinite tasks. When art and book unbind each other] (2012) and the series LivrObjecto (Book-Object) which is currently underway at the FCG Art Library; in 2015, it began to help with exhibitions programmed with the retrospective Lourdes Castro: Todos os livros [Lourdes Castro: All the books].
A look at the press at the time suggests that, as expected, Max Ernst: Livros e obra gráfica was quite successful in the context of the cultural events on offer in Lisbon that year. It was planned to run until 27 February 1987 (Carneiro, Diário Popular, 23 Feb. 1987), but was extended until ...the middle of March 1987 (Gonçalves, O Jornal, 20 Feb. 1987).
Six years later, in 1993, the FCG opened a different, similar exhibition, this time called Max Ernst: Livros e obra gráfica (Colecção Lufthansa) [Max Ernst: Books and graphic work (Lufthansa Collection)], a direct successor to the 1987 event that presented a large number of the same prints and books. Remembering the words of Eurico Gonçalves at the time of the 1987 exhibition, this would give the public another chance to directly observe the 'convulsive beauty' of the bad images (ibid.).

Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Publicações


Material Gráfico


Fotografias

José Sommer Ribeiro (à esq.), Werner Spies e Mário Soares, presidente da República Portuguesa (ao centro), António Ferrer Correia (à dir.)

Documentação


Periódicos


Páginas Web


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Exposições e Museografia), Lisboa / SEM 00355

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém epistolografia, maquete do convite para a inauguração e recortes de imprensa. 1986 – 1987

Biblioteca de Arte Gulbenkian, Lisboa / Dossiê BA/FCG

Coleção de dossiês com recortes de imprensa de eventos realizados nas décadas de 80 e 90 do século XX, organizados de forma temática e cronológica. 1984 – 1997

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Exposições e Museografia), Lisboa / SEM-S007-P0214-D00654

Coleção fotográfica, p.b., cor: aspetos (FCG, Lisboa) 1987


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