A programação expositiva da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) para o ano de 1993 abre com um nome incontornável da história da arte moderna. «Max Ernst. Obra Gráfica e Livros» fazia regressar à Fundação os múltiplos e edições de uma das figuras axiais do dadaísmo e do surrealismo internacional. Seria a segunda individual da obra de Max Ernst (1891-1976) em Portugal, novamente na Gulbenkian e igualmente centrada sobre esta ramificação importantíssima da sua obra. A primeira tinha decorrido na Galeria de Exposições Temporárias da Sede da FCG (piso 01), em 1987, concretizando uma coprodução com o Institut für Auslandsbeziehungen – Stuttgart (Instituto para as Relações Culturais com o Estrangeiro – Estugarda), que então promovia uma longa itinerância internacional. Seria agora a vez da companhia aérea Lufthansa colocar em trânsito o seu vasto acervo de edições do artista.

A exposição estava em curso desde 1991, ano do centenário do nascimento de Ernst. Foi estreada em Estugarda como adenda à grande retrospetiva que vinha da Tate Gallery, em Londres. Seriam novamente apresentadas em conjunto em Düsseldorf, de onde a Coleção Lufthansa partiria para uma itinerância autónoma programada para durar oito anos («Max Ernst: The gentle earthquake», Arquivos Gulbenkian, CAM 00284). Antes de ser acolhida no Centro de Arte Moderna (CAM) da FCG, a mostra passaria pelo Museum Sankt Ingbert, ainda na Alemanha, e pelo Museu Picasso de Barcelona, de onde viajaria para Lisboa, com a intermediação do departamento cultural da Embaixada da Alemanha em Portugal.

O catálogo, editado pela própria Lufthansa, mereceu tradução portuguesa em articulação com a Fundação, acrescentando mais um idioma às suas várias versões. Elenca 362 peças, datadas de 1919 a 1976, e que vão das gravuras em diversos media (muitas delas compiladas em álbuns específicos) aos livros da autoria de Ernst ou obras literárias de outros autores em cujas edições ele intervém graficamente.

Exemplares de muitas destas obras já tinham podido ser vistas na exposição de 1987, surgindo agora enquadrados num conjunto ainda mais alargado. O historiador e crítico de arte Werner Spies seria outro dos elos a unir estas duas individuais da obra de Ernst na FCG. Consultor da Coleção Lufthansa, volta a ser dele a introdução no catálogo desta exposição. Spies pôde ainda proferir uma conferência no dia da inauguração da mostra, a 20 de janeiro de 1993. Fotografias guardadas nos Arquivos Gulbenkian mostram-no em visita à exposição durante o evento inaugural, na companhia de José Sommer Ribeiro (diretor do CAM), António de Arruda Ferrer Correia (presidente do Conselho de Administração da FCG) e do presidente da República Portuguesa, Mário Soares.

A mostra ficaria patente até 28 de março desse mesmo ano na Galeria de Exposições Temporárias do Centro de Arte Moderna da FCG (piso 01). Claudia Linke, conservadora do núcleo dedicado a Max Ernst da Coleção Lufthansa, assina a curadoria e é ela que oficializa os trâmites da parceria com a Gulbenkian delineados após reunião com Sommer Ribeiro a 24 de setembro de 1992 (Carta de Claudia Linke para José Sommer Ribeiro, 30 set. 1992, Arquivos Gulbenkian, CAM 00285).

Os Arquivos Gulbenkian guardam uma planta do espaço expositivo com anotações para a distribuição das secções pelas salas (Arquivos Gulbenkian, CAM00284). A planta revela a estratégia adotada para delinear um percurso pelos diversos núcleos, culminando na exibição do filme Maximiliana oder die widerrechtliche Ausübung der Astronomie (1966), de Peter Schamoni (1934-2011). Tratou-se provavelmente da versão espanhola, e em formato vídeo, reproduzida em permanência no espaço expositivo (Arquivos Gulbenkian, CAM 00285). Uma outra cópia, em película de 16 mm, chegaria por via da Embaixada da Alemanha em Portugal (Carta de Betina Kern para José Sommer Ribeiro, 23 dez. 1992, Arquivos Gulbenkian, CAM 00285). Deverá ter sido a versão inglesa a ser exibida na Sala Polivalente do CAM, na sessão dupla de 8 de fevereiro de 1993, programada como atividade paralela à mostra pelo Serviço de Animação, Criação Artística e Educação pela Arte da FCG (ACARTE) (Programação ACARTE, 20 jan. 1993, Arquivos Gulbenkian, ACARTE 00501).

A Coleção Lufthansa enviou ainda ao CAM vários textos para uso museológico, que, além de uma introdução sumária à vida e obra de Ernst, permitiram acompanhar as técnicas usadas pelo artista, subjacentes às obras expostas.

Com a sua evidente musculatura corporativa, a Lufthansa não se coibiu de promover a mostra junto da comunicação social e agentes culturais. Saem anúncios de página inteira nos jornais e é preparado um dossiê informativo com vários materiais gráficos e monográficos para distribuir junto da imprensa.

A afluência de espectadores terá sido bastante positiva, tendo em conta os pouco mais de dois meses em que a exposição esteve aberta ao público. Uma informação de Ana Gomes da Silva (assistente de direção do CAM) dirigida à curadora da mostra, indica o número de 18 300 visitantes e a venda, até à data desta epistolografia, de 197 catálogos e 56 cartazes (Carta de Ana Gomes da Silva para Claudia Linke, 16 abr. 1993, Arquivos Gulbenkian, CAM 00284).

Após o fecho em Lisboa, a exposição continuou a sua digressão internacional. Uma das instituições a recebê-la, já em 1996, foi a Peggy Guggenheim Collection, no seu espaço expositivo de Veneza («Mostra della Collezione Lufthansa…»).

Daniel Peres, 2019