Alexandre Estrela. Métal Hurlant

Primeira mostra do artista na capital francesa. Através de um conjunto de seis videoinstalações, quatro das quais inéditas, Alexandre Estrela apresentou um projeto experimental que partiu do metal – enquanto tema, matéria e símbolo –, para explorar a relação entre imagem e som, perceção e realidade.
The artist’s first exhibition in the French capital. Through a series of six video installations, four of which had never been shown before, Alexandre Estrela presented an experimental project that uses metal - as a subject, material and symbol – to explore the relationship between sound, perception and reality.

Entre março e junho de 2019, a Fondation Calouste Gulbenkian – Délégation en France, situada no n.º 39 do Boulevard de La Tour-Maubourg, acolheu aquela que seria a primeira exposição de Alexandre Estrela (1971) em França, e a última exposição naquelas instalações.

De acordo com Miguel Magalhães, então diretor da Délégation en France, fechava-se «com um dos artistas portugueses mais internacionais do momento um ciclo ao longo do qual a Fundação procurou apresentar ao público parisiense alguns dos atores mais singulares da cena artística portuguesa» (Alexandre Estrela. Métal Hurlant, 2019). Ao longo deste ciclo, muitas vezes em diálogo com artistas internacionais mais ou menos contemporâneos entre si, foram expostos, entre outros: Rui Chafes (1966), Ângelo de Sousa (1938-2011), Graça Morais (1948), José de Almada Negreiros (1893-1970), Filipa César (1975), Catarina Botelho (1981), José Pedro Cortes (1976), Gérard Castello-Lopes (1925-2011) e Edgar Martins (1977).

No mesmo texto, intitulado «Index of Metals» (homónimo de uma das peças apresentadas por Estrela), Miguel Magalhães refere que Métal Hurlant foi uma revista de banda desenhada de ficção científica muito influente entre as gerações de artistas, designers gráficos e curiosos da imagem ativos entre os anos 70 do século XX e o início do novo milénio (Ibid.). Desenvolvida em França entre 1975 e 2006, a revista serviu de meio para pensar o futuro, desencadeando um debate poético, imaginativo e especulativo sobre a tecnologia dos tempos vindouros (Ibid.).

Para o curador da exposição, o professor e investigador Sérgio Mah, a obra de Alexandre Estrela destaca-se pela singularidade e mestria com que usa os equipamentos, a música, a história do cinema experimental e a videoarte, cruzando-a com a cultura popular, a ficção científica, as artes plásticas, a história da ciência e a perceção visual, ou os avanços e debates científicos mais recentes (Fundação Calouste Gulbenkian \ Alexandre Estrela em Paris, 2019). Trata-se de uma prática que o aproxima do legado das artes experimentais e conceptuais, essenciais na «formação de um campo heterodoxo, indefinível e inclassificável entre as artes visuais e o filme experimental, dando expressão a uma vasta e incisiva averiguação sobre a natureza e o alcance da imagem» (Ibid.).

Neste sentido, se o título da revista Métal Hurlant serviu de pretexto ao artista para «prosseguir o seu trabalho exploratório no campo alargado das ciências da perceção, do cinema experimental e das capacidades – e dos limites – dos media utilizados», a exposição na Fondation Calouste Gulbenkian – Délégation en France veio propor um reposicionamento do artista em relação à imagem da matéria, e à forma como a máquina – e os avanços tecnológicos – poderão gerir essa mesma matéria (Alexandre Estrela. Metal Hurlant, 2019).

De facto, como indicia o título Métal Hurlant (que se poderá traduzir como «metal gritante»), para esta exposição em particular o tema eleito foi o metal. Um material que foi adotado não só como tema, mas também como característica de alguns dos ecrãs de projeção, em cobre ou alumínio, intervencionados com pintura, perfuração ou cortes. Imiscuindo-se como matéria-prima, na condição física e espacial de determinadas obras, ou adquirindo um valor «cinestésico», o metal tornou-se «o fio condutor, o arqueológo do som e o centro de uma reflexão sobre a natureza das imagens na tela metálica», permitindo destacar os aspetos mais escultóricos e arquitetónicos do trabalho de Alexandre Estrela (RFI – Rádio França Internacional \ «Paris expõe metais estridentes de Alexandre Estrela» [áudio], 12 mar. 2019).

A exposição reuniu sete obras de produção recente, quatro das quais inéditas, nomeadamente as videoinstalações Metálica (2018) e An Index of Metals (2019), distribuídas ao longo das cinco salas que constituíam a galeria da Foundation Calouste Gulbenkian em Paris. Para explorar a natureza e as propriedades do metal, além da sua «relação com o som e a forma como este se articula com a visão», o artista partiu da imagem, e do seu caráter artificial e paradoxal, para abrir o leque de possibilidades, relações e transmutações entre imagem, media e perceção (Alexandre Estrela. Metal Hurlant, 2019). Às qualidades técnicas da imagem, aliou a instrumentalização dos «dispositivos de captação, edição e exibição de imagens, designadamente nos domínios do vídeo», e a devida exploração das suas «potencialidades intrínsecas» (Ibid.). O vídeo permitia-lhe trabalhar a realidade de forma efetiva, como se de um laboratório de experiências se tratasse (RFI – Rádio França Internacional \ «Paris expõe metais estridentes de Alexandre Estrela» [áudio], 12 mar. 2019).

Diluindo as fronteiras entre a figuração e a abstração, a imagem fixa e a imagem em movimento, a bidimensionalidade e a tridimensionalidade, o projeto para a exposição «Métal Hurlant» propunha-se apresentar a imagem e o som como um só. A ideia era usar a imagem como energia e aliá-la à música concreta, ou à música ambiente, jogando com o intervalo entre aquilo que o campo da visão e o campo da audição teriam a oferecer (Ibid.)

Além da associação destes géneros musicais aos movimentos da vanguarda artística do início do século passado, designadamente aos manifestos dadaístas e futuristas, interessava ao artista o impacto que poderiam ter sobre o visitante, sobretudo quando conjugados com a imagem (Ibid.) Objetivamente, usando o metal como tema, meio e símbolo, tornava-se possível atuar diretamente no sistema sensorial do visitante.

Aconselhado a ouvir dois dos seus pioneiros – Brian Eno (1948) e Brian Fripp (1946) – ou, mais especificamente, uma longa peça em Evening Star, álbum de 1975, na qual trabalharam juntos, Estrela descobre um gatilho. Simbolicamente intitulada An Index of Metals, a peça apresenta solos de guitarra em loop, como se fossem paisagens, e o artista descobre que, através de um processo chamado microscopia eletrónica ou varrimento, seria possível ampliar a faixa e extrair a informação visual disponível. Como uma linha sinuosa no horizonte, essa informação criava verdadeiras paisagens sonoras, nas quais o ruído e o «lixo» adquiriam uma importância primordial.

Se a música concreta permite ao ouvinte projetar-se num espaço infinito ou anteriormente inexistente, por parecer desdobrar-se ad aeternum, An Index of Metals (2019) parte desse princípio para desenvolver uma teia de imagens e texturas que, de forma intermitente, se parecem sobrepor em todas as direções. Como refere Sara Castelo Branco, associando as fotografias feitas com o microscópio eletrónico a imagens das ranhuras no disco de Evening Star, acompanhadas pelos sons da peça, a obra estabelece uma «relação de (des)consonância entre a imagem e o som» (Castelo Branco, Contemporânea, ed. 06-07, 2019).

Capacitar as obras de uma dimensão sonora própria, por vezes quase animista – veja-se Metálica (2019) –, foi possível recorrendo à colocação de colunas de som perto de cada ecrã, o que resultava frequentemente na mimetização em imagem das qualidades vitais que o som tinha a oferecer. Em Metálica, por exemplo, a qualidade das batidas gravadas pelo percussionista Gabriel Ferrandini (1986), incidindo diretamente sobre a imagem originava um «desfasamento perceptivo entre o que se percepciona e o que é verídico, entre o que se vê e o que se ouve» (Ibid.). Refletindo a luz e brilho do metal, o ecrã em Metálica parecia revelar a imagem gravada de um close-up de um dos pratos de percussão de Ferrandini, que lançava batidas calmas, mas firmes, demasiado presentes para não estarem a acontecer naquele preciso momento no espaço da galeria. Esse ecrã, simultaneamente «janela ilusionista» e «objecto material», afirmava-se como superfície para o estudo de «novas relações» entre a matéria e o objeto, capaz de agir sobre as imagens e transformá-las, reconfigurando-as (Ibid.).

Apesar de concluir e fechar o circuito expositivo, apresentando-se em último lugar, Metálica foi o eixo central do projeto; obra a partir da qual toda a exposição se desenvolveu. Paradigmática da dinâmica entre aquilo que o olho, o ouvido e a mente experimentam, destacou-se pela sua afirmação estridente do som e pela nova citação do mundo da música, através da imagem apresentada no ecrã: Metálica, uma referência irónica à banda americana com o mesmo nome (Ibid.).

Noutra videoinstalação, intitulada Balastro (2016), o ecrã revelava imagens intermitentes do que pareciam ser múltiplas tentativas de arranque de uma lâmpada fluorescente, que «irrompe, desaparece e explode num potencial energético», concorrendo para o efeito hipnótico que se nos depara quando uma lâmpada em falência marca a sua presença (Ibid.). A incapacidade de estabilização da imagem, e da sua fixação, são alguns dos tópicos abordados nesta obra, cujo título remete para esse mesmo dispositivo: um balastro ou reator elétrico que tem «a dupla função de proporcionar uma alta tensão necessária ao arranque da lâmpada e, ao mesmo tempo, limitar a intensidade da sua corrente» (Ibid.).

Enquanto algumas destas obras permitiram colocar questões quanto à materialidade do som e à imaterialidade da imagem, outras focaram-se em estabelecer ligações ao passado, através das referências à fotografia, à corrente elétrica e ao funcionamento das lâmpadas fluorescentes, por exemplo. Numa reportagem realizada pela RFI, Sérgio Mah sublinha a importância do espectador perante os desafios lançados por Alexandre Estrela, e o seu papel primordial na desconstrução da relação que, enquanto fruidor, tem com as imagens. Para o curador, o que vemos na imagem, ou os elementos materiais, técnicos, retinianos e mentais que participam nessa ideia de entendimento que temos em relação ao que estamos a ver, são alguns dos exercícios propostos pelo artista (RFI – Rádio França Internacional \ «Paris expõe metais estridentes de Alexandre Estrela» [áudio], 12 mar. 2019).

Entre os eventos paralelos, registou-se o lançamento editorial do catálogo da exposição «Alexandre Estrela. Métal Hurlant», publicado pela Paraguay Press, com uma versão em francês e outra em inglês. A publicação contou com a coordenação de Sérgio Mah e de François Piron, codiretor da Paraguay, e com os belíssimos contributos de ambos, aos quais se juntaram os de Marco Bene, músico e figura incontornável do jazz e do rock experimental, Joël Vacheron, escritor e investigador em estudos de Cultura Visual e Media, e Sophie Cavoulacos, curadora assistente no Departamento de Cinema e Vídeo do MoMA. O design gráfico esteve a cargo de Ana Baliza. O evento teve lugar nas instalações da Fondation Calouste Gulbenkian – Délégation en France, no dia 25 de maio às 16 horas, e contou com a participação do curador Sérgio Mah e de Filipa Ramos.

A exposição teve uma repercussão relativamente pobre nos meios de comunicação social, essencialmente reduzida a artigos online. Destaque para os artigos de Sara Castelo Branco na revista Contemporânea (ed. 06/07, 2019), e de Carina Branco na RFI – Rádio França Internacional (12 mar. 2019), que incluía uma entrevista ao artista e ao curador Sérgio Mah, disponibilizada no formato de clip de áudio. Registaram-se várias referências nas plataformas online do Diário de Notícias (20 nov. 2018), do Luso Jornal (15 dez. 2018), da Visão (12 mar. 2019) e do Mundo Português (25 nov. 2018; 24 abr. 2019), bem como no Porto Canal e na RTP. Na imprensa internacional, as menções a partir do take da Lusa estenderam-se à World Art Foundations, à e-flux (12 mar. 2019) e à The Tretyakov Gallery Magazine, por exemplo, e ainda às plataformas francesas das revistas Arts Hebdo Médias e Arts in the City.

Madalena Dornellas Galvão, 2022


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Eventos Paralelos

Lançamento editorial

Alexandre Estrela. Métal Hurlant

25 mai 2019
Fundação Calouste Gulbenkian / Delegação em França – Fondation Calouste Gulbenkian – Délégation en France
Lisboa, Portugal

Publicações


Material Gráfico


Fotografias

Sérgio Mah
Sérgio Mah
Helena de Freitas
Alexandre Estrela (à dir.)
Alexandre Estrela (atrás)
Alexandre Estrela (esq.); Miguel Magalhães (dir.)
Miguel Magalhães (esq.)
Alexandre Estrela (dir.)
Isabel Mota (centro); Miguel Magalhães (dir.)
Alexandre Estrela
Sérgio Mah (dir.)

Multimédia


Documentação


Periódicos


Páginas Web


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Museu Calouste Gulbenkian), Lisboa / MCG 04822

Pasta com documentação referente à programação das atividades da FCG para os anos de 2017 a 2019. Contém correspondência interna e externa. 2016 – 2017

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa

Conjunto de documentos referentes à exposição. Contém newsletters e pressbook. 2019 – 2019


Exposições Relacionadas

Definição de Cookies

Definição de Cookies

Este website usa cookies para melhorar a sua experiência de navegação, a segurança e o desempenho do website. Podendo também utilizar cookies para partilha de informação em redes sociais e para apresentar mensagens e anúncios publicitários, à medida dos seus interesses, tanto na nossa página como noutras.