Miguel Ângelo Rocha. Antes e Depois

Exposição individual e temporária de Miguel Ângelo Rocha (1964), comissariada por Nuno Crespo. Foi apresentada uma obra desafiadora das noções de espaço e tempo, constituída por um objeto escultórico que se articulava com a gravação de um trecho musical e que teve a duração de três meses.
Solo temporary exhibition of work by Miguel Ângelo Rocha (1964), which was curated by Nuno Crespo. The three-month show, part sculptural piece and part musical performance, challenged notions of space and time.

De 14 de novembro a 31 de maio de 2015, esteve patente, na Sala de Exposições Temporárias e na Sala Polivalente do Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), a exposição «Miguel Ângelo Rocha. Antes e Depois».

Segundo Teresa Gouveia, administradora da FCG, a iniciativa do CAM deu a há muito merecida visibilidade ao trabalho de Miguel Ângelo Rocha (1964), contribuindo para um maior contacto entre o público e a sua produção escultórica e indo «ao encontro de uma das vocações do CAM: a de ser um lugar de criação e de risco» (Miguel Ângelo Rocha. Antes e Depois, 2015, p. 7).

Organizada pelo CAM e comissariada por Nuno Crespo, investigador e crítico de arte, a exposição apresentava uma instalação site-specific e uma peça sonora, também expressamente composta para esta iniciativa por Pedro Moreira (1969), José Luís Ferreira (1973-2018) e André Fernandes (1976). Segundo o comissário, a obra apresentada integrava-se numa prática artística que se desenvolve à volta da conversão do corpo em espaço, do tempo em espaço e do espaço em objeto, concretizando-o. Ou seja, os elementos do trabalho «desenham os contornos do espaço e tornam-no consciente, perceptível, existente, real» (Miguel Ângelo Rocha. Antes e Depois, 2015, p. 11).

O tempo na obra é, aliás, percebido como não obedecendo a uma linearidade cronológica. É um tempo contínuo, ou, como classifica o comissário, «gerúndio», que «se expande do pensar ao fazer, ao experimentar, e um tempo que permanentemente se renova sem cessar». Esta forma de compreender o tempo na arte conduz a um entendimento da obra enquanto acontecimento e não enquanto objeto encerrado em si mesmo, pois, apesar de não estar incompleta – no sentido em que está material e conceptualmente concluída –, «a sua completude só é possível» quando vista e experimentada pelo espectador (Ibid., pp. 12-13).

Obras como a escultura Antes e Depois, que deu nome à exposição, surgem na continuidade de um processo que parte do vazio para a perceção do espaço. O intuito da forma não passava pelo preenchimento ou ocupação desse espaço, mas pela sua utilização como «elemento estruturante das volumetrias que os seus trabalhos sugerem» (Ibid., p. 14). As noções de espaço e vazio tornam-se tão fulcrais para a conceção e para o entendimento da obra de Miguel Ângelo Rocha como os próprios materiais usados pelo artista. O diálogo estabelecido com estes conceitos acaba também por ser estabelecido com o espectador, que, ao movimentar-se para percecionar a forma escultórica, se compromete numa performance, entendida pelo artista como «requisito necessário e insubstituível para a materialização da obra» (Ibid., p. 36).

Independentemente do meio expressivo em que Miguel Ângelo Rocha trabalha, a sua obra situa-se, segundo o curador Nuno Crespo, «numa zona de cruzamento e debate entre arte conceptual, minimalismo e abstraccionismo […] porque, por um lado, a sua prática artística é possibilitada e é herdeira de uma concepção de arte “desmaterializada”, seguindo a intuição fundamental de Lucy Lippard, e, por outro lado, todo o seu trabalho se decide, se resolve e se encontra nos próprios objectos: é no confronto com a matéria, o gesto e o pensamento tornado coisa que se pode entender a ambição da sua obra», entender a sua singularidade (Ibid., p. 11).

Em vários aspetos, Antes e Depois reiterou algumas questões já introduzidas anteriormente na obra Unless the Room is Empty (2007), nomeadamente no que toca à interrupção da continuidade física e material da escultura no espaço e à consequente impossibilidade da sua observação integral de um único ponto de vista, obrigando à deslocação do espectador. As duas obras partilham ainda, por um lado, uma dependência do espaço físico e das circunstâncias expositivas; por outro lado, uma independência que as faz transcender esse mesmo espaço físico, ao evocarem uma imaterialidade herdeira do desenho enquanto projeção mental.

O som é também uma ferramenta recorrentemente trabalhada por Miguel Ângelo Rocha, usado como forma de construir o espaço ou de conduzir uma pesquisa sobre ele. Todos estes elementos se reuniam em Antes e Depois para convocar memórias mais antigas e recentes, as quais criavam diferentes significados na obra exposta. Nas palavras de Nuno Crespo: «Antes e Depois é essa experiência do espaço, do tempo, do som, esse lançar-se sobre um vazio e a partir desse campo negativo, que escapa a todas as formulações, abrindo um espaço de sensibilidade e pensamento. A magia desta obra é ela ser, sobretudo, um dispositivo gerador de imagens, sensações, percepções, não destinadas a perceber um qualquer conteúdo, mas um dispositivo com a vocação de ascender a uma região espacial habitualmente inatendível.» (Miguel Ângelo Rocha. Antes e Depois, 2015, p. 23)

A composição musical que acompanhou a exposição, uma gravação de treze momentos de saxofone e guitarra com arranjo eletrónico, foi concebida para ter a mesma duração que a abertura da mostra ao público (três meses), nunca se repetindo. Assim, se o público visitasse a exposição várias vezes, nunca ouviria o mesmo momento musical. Manuela Synek sublinha a importância desta peça musical considerando tratar-se «de dois momentos da mesma instalação: uma física e outra sonora […] numa espécie de concerto visual» (Synek, Umbigo, 25 mai. 2015). O projeto sonoro, da autoria do músico Pedro Moreira, era descrito na proposta apresentada à FCG como: «[…] uma peça que funcione como um organismo vivo, com uma materialidade própria, mas onde o silêncio tem o seu lugar. O processo de transformação consiste na programação de um algoritmo que permite a metamorfose sonora ao longo do tempo total da exposição, num fluxo contínuo sem princípio nem fim.» (Projeto Miguel Ângelo Rocha/Centro de Arte Moderna. Proposta, 14 out. 2014, Arquivos Gulbenkian, CAM 00702)

O título da exposição, inicialmente maior e mais explicativo, foi acordado entre o artista e Isabel Carlos, diretora do CAM, de modo a sugerir uma referência temporal. A necessidade de rasurar as três palavras do título da escultura (Antes e Depois) reforça, segundo Miguel Ângelo Rocha, a sua convicção de que a obra «contém a negação do seu próprio sentido, acentuando a duração e assumindo o tempo da escultura como nunca completo e acabado, em permanente movimento de aproximação a si mesmo» (Comunicado de imprensa, 2 fev. 2015, Arquivos Gulbenkian, ID: 26070).

No relatório de avaliação do público, foram distinguidas a «qualidade da informação prestada» e a «acessibilidade e facilidade de circulação», sendo a visita à exposição considerada uma experiência enriquecedora, pelo que a maioria dos entrevistados admitiu que a recomendaria (97% das 36 pessoas entrevistadas). As críticas mais negativas partiram de comentários como: «As exposições são pobres – nível artístico baixo no geral, com 1 ou 2 excepções», ou, «Recomendo porque está inserida num grupo, isoladamente não [a recomendaria]». Por outro lado, a exposição, pela sua faceta surpreendente, assim como os museus da FCG, globalmente entendidos e a pretexto desta exposição, receberam elogios (Relatório, 3 jun. 2015, Arquivos Gulbenkian, ID: 267789).

Outro relatório avalia ainda o impacto da exposição na imprensa portuguesa, descrevendo a sua «larga repercussão e um excelente acolhimento na comunicação social, obtendo a pontuação máxima na avaliação de vários críticos» e a constante seleção como «escolha da semana da revista Time Out» (Relatório final de exposição temporária, 14 jul. 2015, Arquivos Gulbenkian, CAM 00702).

Também o Relatório e Contas FCG. 2015 refere a boa receção da exposição pela crítica especializada, como se pode verificar em artigos como o de Luísa Soares de Oliveira para o jornal Público, que classificou «Antes e Depois» com cinco estrelas. Neste artigo, Soares de Oliveira evidencia a forma dinâmica como a obra, «um emaranhado de finas linhas em contraplacado pintadas de branco», ocupa a Sala Polivalente e a Sala de Exposições Temporárias do CAM: «Vemo-la assim ocupar o espaço […] sobre o anfiteatro de cadeiras e o vazio sobre o palco, continuar como se atravessasse paredes para as salas contíguas, e enovelar-se no espaço, numa aparente contradição da sua materialidade física, mal tocando no chão.» (Oliveira, Público, 20 fev. 2015). 

No âmbito da exposição, foi realizado um concerto na Sala Polivalente, a 16 de abril de 2015, por Pedro Moreira, José Luís Ferreira e André Fernandes, e um programa de visitas guiadas que incluiu uma visita orientada por Miguel Ângelo Rocha e Nuno Crespo, favorável a um maior contacto entre artista, comissário e público.

Carolina Gouveia Matias, 2019


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Eventos Paralelos

Concerto

[Miguel Ângelo Rocha. Antes e Depois]

16 abr 2015
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna – Sala Polivalente
Lisboa, Portugal
Visita(s) guiada(s)

Em Contacto! Artistas e Curadores

fev 2015
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna
Lisboa, Portugal
Visita(s) guiada(s)

À Descoberta do CAM. Visitas de Domingo

fev 2015 – abr 2015
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna
Lisboa, Portugal

Publicações


Material Gráfico


Fotografias

José Luís Ferreira (guitarra), Pedro Moreira (saxofone), André Fernandes (pc) e Isabel Carlos ( à dir.)
José Luís Ferreira e Isabel Carlos
José Luís Ferreira
José Luís Ferreira
José Luís Ferreira
José Luís Ferreira (guitarra), Pedro Moreira (saxofone) e André Fernandes (pc)
José Luís Ferreira (guitarra), Pedro Moreira (saxofone) e André Fernandes (pc)
Pedro Moreira
José Luís Ferreira
José Luís Ferreira (à esq.), Pedro Moreira (ao centro), André Fernandes (à dir.)
Artur Santos Silva e Miguel Ângelo Rocha
Artur Santos Silva (à esq.), Miguel Ângelo Rocha (ao centro) e Cristina Sena da Fonseca (à dir.)
Miguel Ângelo Rocha (à esq.) e Artur Santos Silva (à dir.)
António Pinto Ribeiro (à esq.), Cristina Sena da Fonseca (ao centro) e Miguel Ângelo Rocha (à dir.)
António Pinto Ribeiro (à esq.), Cristina Sena da Fonseca (ao centro), Artur Santos Silva (à dir.)
Miguel Ângelo Rocha e Artur Santos Silva (à dir.)
Miguel Ângelo Rocha (à esq.) e Artur Santos Silva (à dir.)
António Pinto Ribeiro

Multimédia


Documentação


Periódicos


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00702

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém relatórios finais, orçamentos, correspondência interna e externa, textos e imagens para o catálogo e Caderno CAM. 2014 – 2015

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 149197

Coleção fotográfica, cor: concerto (FCG-CAM, Lisboa) 2015

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 3607

Coleção fotográfica, cor: inauguração (FCG-CAM, Lisboa) 2015

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 3619

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG-CAM, Lisboa) 2015


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