A convite de António Pinto Ribeiro, programador-geral do Programa Gulbenkian «Próximo Futuro», o artista plástico brasileiro José Bechara (1957) integrou o grupo de artistas selecionados para o ciclo «Arte Pública», uma iniciativa destinada a «proporcionar o confronto dos visitantes habituais e ocasionais dos espaços públicos da Fundação com estas e outras instalações, contribuindo para o debate sobre a intervenção das obras de arte no espaço público» (Próximo Futuro [blogue], 17, jun. 2010).

Criado em 2009, «Próximo Futuro» foi um programa temporário coordenado por António Pinto Ribeiro, inicialmente para ter uma duração de três anos, mas que viria a prolongar-se até 2015. O programa estava maioritariamente dedicado à investigação e criação artística em África, América Latina e Caraíbas, e apostava na transversalidade, compreendendo conferências, exposições e espetáculos. Tal como o nome indica, «Próximo Futuro» tinha o futuro como horizonte e centrava-se numa visão multicultural, que configurava, segundo o seu programador, «um exemplo concreto da mobilidade artística e cultural e do enriquecimento cultural e social que ela permite no espaço europeu», preconizando o «direito dos artistas e dos trabalhadores da cultura dos países terceiros a aprender, estudar e apresentar as suas propostas culturais e artísticas aos cidadãos europeus e às suas organizações» («Próximo Futuro traz África e América Latina à Gulbenkian», Diário de Notícias, 19 mai. 2010).

A participação de José Bechara concretizou-se com a montagem da sua obra A Casa no Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian, junto à zona de acesso ao Museu, entre junho e setembro de 2009. José Bechara tinha criado uma primeira versão desta instalação em 2002, durante a frequência de uma residência artística realizada em Faxinal do Céu, no estado do Paraná (Brasil), na sequência de um processo de apropriação do ateliê que o acolheu e de um projeto criativo desenvolvido em torno do conceito de abrigo e apropriação subjetiva do espaço.

Posteriormente, a ideia foi explorada em obras como A Casa (2004), apresentada nesse ano no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – uma solução muito próxima da que viria a ser mostrada em 2009 em Lisboa –, ou nas duas séries Paisagem Doméstica/Domestic Landscape (2006) e Open House (2006), expostas em 2006, repetivamente nas galerias Lurixs: Arte Contemporânea (Rio de Janeiro) e Diana Lowenstein Fine Arts Gallery (Miami).

Estas obras consubstanciam sucessivas reformulações da sua ideia inicial, reduzindo a casa/habitação ao seu princípio essencial, através da criação de uma caixa com aberturas a partir das quais saem diversas peças de mobiliário: umas, entaladas nas portas e janelas; outras, acumuladas na área envolvente. A composição desafia a curiosidade do visitante, levando-o a questionar tanto a apropriação subjetiva do espaço vivencial, como a pertinência dos limites entre a esfera pública e privada.

«A casa protege, a casa garante o indivíduo física e psicologicamente, de um modo geral, a casa guarda as memórias do indivíduo e da sua família – a casa guarda determinados tesouros e ela é preciosa nesse sentido», explicava o artista a propósito desta sua intervenção em Lisboa. Mas a casa da exposição «inverte tudo isso. Ela desaloja, ela desampara, ela desprotege», sublinhou Bechara na mesma ocasião. («“A Casa”, do brasileiro José Bechara, expulsa mobília pelas janelas na Gulbenkian», RTP Notícias, 20 jun. 2009).

Ana Lúcia Luz, 2019