Joaquim Bravo

Exposição comemorativa dos 70 anos da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, que abordou a importância da intervenção desta instituição em edifícios referenciais da arquitetura portuguesa. Após itinerância por diversas cidades em Portugal, parte da mostra seguiu para Paris, onde foi apresentada no Centre Culturel Calouste Gulbenkian.
Solo retrospective exhibition on Joaquim Bravo (1935-1990), held in the year 2000, curated by Maria Helena de Freitas and Leonor Nazaré. The exhibition featured 186 of the artist’s works, arranged in three sections, with special focus on drawing.

Entre 15 de junho e 31 de agosto de 2000, dez anos depois da morte de Joaquim Bravo (1935-1990), o Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundação Calouste Gulbenkian dedicou-lhe uma exposição retrospetiva, respondendo assim a uma necessidade que se impunha, impulsionada sobretudo pela falta de um enquadramento institucional apropriado do artista, reclamada de forma acentuada pela massa crítica portuguesa – como refere Leonor Nazaré no seu texto de catálogo da exposição –, somada à sua produção incontornável de um pouco mais de três décadas e a uma personalidade marcante. Se existe a partir de um certo momento, no campo artístico, uma dificuldade na dissociação do artista e da sua arte, no caso de Bravo, as duas matérias estão intrinsecamente ligadas, uma vez que a sua pintura se constitui aquém e para além da «materialidade objetiva do quadro», tantas vezes enunciada como «indecifrável» ou «inefável». A pulsão artística define-se em Bravo como um «vício» (mais do que uma vocação), uma forma de estar e uma conduta contínua de «sobrelevação» perante uma sociedade acrítica, sendo a origem e um produto da «ironia» pungente do artista, uma síntese da sua inteligência estética (nunca a das ideias perpetuadas e «desdobradas em academismos» que desprezava) e do seu espírito combativo e rigoroso.

A obra funciona para Bravo como um «programa de resistência activa» (Joaquim Bravo, 2000, p. 29), como escreve José Miranda Justo no já mencionado catálogo, sem que isso passe por torná-la derradeira ou mesmo desprovida de um referencial reconhecível: «Somos mais importantes que a pintura» (Fallorca apud Joaquim Bravo, 2000, p. 200), «eu sou mais importante que a minha pintura […] a pintura não me merece» (Rodrigues apud Joaquim Bravo2000, p. 202), ou «a pintura para mim não é um fim, mas um meio» (Freitas, Expresso, 4 mar. 1989, p. 49-R), dirá Bravo. Sobre os frequentes desvios do artista às correntes artísticas nas quais se poderia facilmente enquadrar, dirá Helena de Freitas: «Joaquim Bravo é um impuro. Actuará sempre segundo uma lógica de desvio e transgressão em relação a qualquer escola ou dogma. São raros os desenhos “limpos” […]. Por vezes é apenas um apelo ao figurativo que desmancha uma suposta seriedade abstracta. […] É sempre um caminho de ironia que se percorre entre o abstracto e o figurativo, desvirtuando a importância dessas e doutras categorias artísticas.» (Joaquim Bravo, pp. 14 e 15) Não será alheia a esta constatação a atribuição de títulos, também eles transgressores, a diversas das suas obras: referentes reconhecíveis imediatos, os títulos recolocam ativamente a experiência visual abstrata noutro plano, sendo o seu reverso outra face da mesma provocação – «nenhuma linguagem conhecida servia a Bravo […]. E o que sobra, nesse intervalo de linguagens? “Quase nada” […] “um quase nada carregado de cintilação”.» (Miranda Justo apud Joaquim Bravo, 2000, p. 219)

Bravo não estuda artes plásticas (frequentando antes o curso de Filologia Germânica na Faculdade de Letras de Lisboa), não pinta para vender, não faz da arte a sua profissão, não deseja «agradar» ou reclamar uma pertença no campo académico da historiografia da arte. Incansável e inquieto, Bravo mede-se por e com Duchamp, Paul Klee e Picabia, com os «grandes mitos da arte contemporânea, de Malevitch a Pollock» (Oliveira, Público, 16 jun. 2000, p. 22). Como escreve Helena de Freitas no seu texto sobre o artista no Roteiro da Colecção do CAMJAP: «O seu trabalho desenvolve-se como um acto mental, que pretende a renovação de uma poética abstracta.» (Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão. Roteiro da Colecção2004, p. 118)

Estes mesmos caminhos foram experimentados, de diferentes modos, pelos seus amigos Álvaro Lapa, António Charrua, António Palolo – seus conhecidos de Évora – e António Areal, que Bravo virá a encontrar mais tarde, já em Lisboa. Charrua e Areal serão determinantes para este grupo na influência da mencionada «renovação da poética abstracta» (Ibid.). As relações visuais entre estes artistas são, aliás, explanadas por Leonor Nazaré, anos mais tarde, em 2015, no seu texto de catálogo que acompanha a retrospetiva de António Charrua.

No caso de Bravo, esta cadeia de influências foi ativamente continuada, sempre sediada no vínculo da amizade. A sua marca artística será uma referência importante para a geração seguinte dos seus amigos artistas: os então emergentes Pedro Cabrita Reis, Xana ou João Paulo Feliciano.

Talvez seja também por isso que esta primeira grande mostra da obra do artista, comissariada por Maria Helena de Freitas e Leonor Nazaré, segue de certo modo este caminho, que é o de firmar a obra e o homem, reunindo 186 obras de Joaquim Bravo, entre elas pintura, escultura e bastante desenho, apresentadas «de forma a criar genealogias de formas, conceitos, de ideias» (Oliveira, Público, 16 jun. 2000, p. 22), mas também um conjunto de trabalhos dos seus amigos António Gancho (desenho), António Palolo e Xana (um filme em Super 8 e quatro vídeos, respetivamente), um documentário de Jorge Silva Melo e o ambiente sonoro de uma entrevista de Bravo concedida a Helena de Freitas.

Disposta ao longo do primeiro piso da galeria do CAM, em diferentes salas construídas para o efeito, a exposição ocupou ainda a larga entrada do piso 0 e uma parte do piso inferior do espaço expositivo. Sobre as três secções espaciais da exposição, diz José Luís Porfírio que cada uma «tem o seu ritmo maioritário» (Porfírio, Expresso, 19 ago. 2000, p. 14), descrevendo as sensações dos diferentes percursos através das noções de «trânsito» e «tensão», proporcionadas ao longo da exposição, que classifica «mais como uma deriva do que como uma evolução» (Ibid.).

Na entrada do espaço expositivo do CAM estavam instalados horizontal e verticalmente, em largas molduras, conjuntos de desenhos de natureza serial. O desenho, que Bravo produzia em abundância, é para o artista o momento de ensaio do pensamento, das formas e da cor, o explanar derrogatório que muitas vezes não chega a transpor-se para a tela. Além disso, Bravo é «alguém cuja escultura é desenho materializado, cuja pintura é ela mesma desenho e cujo pensamento tem a precisão ou o risco experimental dos traços dos desenhos» (Pinharanda, Público, 16 jun. 2000, p. 23). Diz-nos José Luís Porfírio sobre esta zona da exposição: «[O] olhar desliza sobre grandes molduras que abrigam desenhos seriados, lugar para sentir o trânsito e a tensão que se acumula não a cada desenho mas na sua densidade e, sobretudo, na passagem de um a outro. […] Aliás, estas duas noções são mediatamente captáveis na instalação-prólogo; sublinho a palavra instalação porque muito deliberadamente não se trata apenas de mostrar desenhos, ou mesmo séries de desenhos, e tampouco é de um efeito de acumulação que se trata, mas sim do começo de uma viagem que segue exposição fora.» (Porfírio, Expresso, 19 ago. 2000, p. 14)

No primeiro piso da exposição, esta estrutura de produção é continuamente refletida, existindo algumas vezes o confronto entre o desenho e a sua depuração na tela (ou pontualmente no objeto escultórico), como no caso da série de desenhos (estudos) para a pintura subintitulada A Fonte, de 1987, expostos em proximidade da mesma. Embora a organização da mostra seja tendencialmente cronológica, existem necessariamente desvios ao critério temporal, porque o artista «regressa incessantemente a formas que, a certo ponto, destaca na sua obra […]. Há, por isso, leituras que são possíveis a partir destes reconhecimentos; e o visitante que identifique a forma de um barco, um pato ou de uma montanha poderá olhar para trás e ver, numa sala de que já saiu, o esboço da mesma forma.» (Oliveira, Público, 16 jun. 2000, p. 22) Exemplo disso será o caso dos desenhos de sapatos, expostos junto da pintura The Hunting of the Snark, de 1963 – a proximidade visual dos desenhos com a tela é clara, embora os mesmos sejam datados dos anos 70. A forma do sapato adivinha-se, aliás, em várias composições seriais sem que o referente seja evidente. Em casos de maior literalidade, Bravo atira-nos para outras esferas, nomeadamente para o eixo literário, como no caso do subtítulo Jean-Arthur Rimbaud. Noutros casos, bastará fazer-nos imaginar e estancar perante a sua gramática sem território. José Luís Porfírio dirá sobre este piso da exposição que «não é só o olhar mas o corpo que desliza e, por conseguinte, transporta o olhar; é ele próprio quem vê, as séries, as obras individuais, os contrastes, os objectos, os projectos» (Porfírio, Expresso, 19 ago. 2000, p. 14).

No piso inferior da exposição, privilegiam-se os mesmos critérios. O compromisso de traçar um caminho adquire, contudo, nesta zona um caráter mais convencional, segundo José Luís Porfírio: «[…] apesar de uma longa série desenhada, o corpo e o olhar podem prender-se, mais do que noutros espaços; o confronto mais tradicional peça a peça, objecto a objecto, situação, diga-se, que é sempre possível em qualquer outro lugar, exigindo apenas alguma concentração suplementar do espectador.» (Ibid.)

O catálogo, o outro grande produto da diligente investigação conduzida pelas duas comissárias, vem trazer, mais do que uma reflexão sobre a exposição em si, o traçado de um perfil artístico ativo, «sempre desviado das rotas estabelecidas» (Joaquim Bravo, 2000, p. 13). O texto de Helena de Freitas, «Não mais de 5 adjectivos…», vem oferecer uma contextualização do artista e da sua obra, conferindo-lhe um lugar preciso, todavia sem o sujeitar a uma rotulação que o próprio rejeitaria. Leonor Nazaré vem fazer a síntese e a análise da receção mediática da obra de Bravo, com o seu texto «A escolha do crítico não tem qualidade», assente numa análise da própria condição da crítica de arte. São convidados a escrever para o catálogo os amigos de Bravo, José Miranda Justo e Álvaro Lapa, que oferecem inspirados registos. O catálogo contém ainda um conjunto de fotografias de Luís Campos, uma antologia de textos e entrevistas e uma biografia de Bravo. 

Como foi sendo assinalado, a exposição mereceu um tratamento mediático considerável e extremamente positivo. José Luís Porfírio, Luísa Soares de Oliveira, João Pinharanda e Celso Martins escrevem artigos sobre a exposição. João Pinharanda sintetiza com eloquência a essência da mostra: «Em última análise, as suas pinturas (de cores lisas, gestos delineados, planos definidos) são como que os desenhos definitivos de Bravo: correntes de pensamento plástico que podemos seguir desde longínquas nascentes, cursos cruzados, meandros entrelaçados, quedas rápidas e campos alagados até à clarificação cristalina das soluções construtivas finais. É essa a tese da exposição do CAM.» (Pinharanda, Público, 7 jul. 2000, p. 26)

Será importante ainda mencionar três outros momentos expositivos relativos a Joaquim Bravo, subjacentes à essência desta mostra retrospetiva, por motivos diversos. O primeiro realizou-se dois anos antes da sua morte, em 1988, no CAM: «Trinta e Cinco Desenhos de Joaquim Bravo» foi uma mostra comissariada por Helena de Freitas, que o próprio reconhece ter sido importante, por evidenciar o papel do desenho na sua obra, suporte que virá a ser destacado na exposição retrospetiva aqui tratada. Outro momento relevante dar-se-á em 1992, numa «tripla intervenção» (Nazaré, Expresso, 11 abr. 1992) que tem lugar nas galerias Valentim de Carvalho, Monumental e Alda Cortez. As três mostras, autónomas, apresentam no seu conjunto o «núcleo criativo» – de Bravo, no caso da Galeria Valentim de Carvalho – «a partir do qual os outros se justificam e prolongam» (Ibid.), como será visível nas mostras apresentadas nas galerias Monumental e Alda Cortez, nas quais um conjunto de artistas seus amigos reúne referências biográficas e trabalhos criados com o propósito de uma homenagem prestada ao amigo desaparecido em 1990: Luís Campos, João Paulo Feliciano, José Miranda Justo e João Vieira são algumas destas figuras.

O terceiro momento expositivo a assinalar dá-se em 2000, no mesmo ano da retrospetiva do CAM, na Cesar Galeria, que apresenta 68 desenhos do artista, pela mão de José Miranda Justo, continuando um caminho que, embora distinto daquele traçado nas exposições do CAM («Trinta e Cinco Desenhos de Joaquim Bravo» e a retrospetiva), acentua a «luminosa presença de Joaquim Bravo em Lisboa» (Pinharanda, Público, 7 jul. 2000, p. 26) e evidencia, uma vez mais, a extensão dos vínculos artísticos e de amizade que estabeleceu ao longo da sua vida.

Na sequência da exposição retrospetiva, foram incorporados na coleção do CAM 19 desenhos do artista.

Vera Barreto, 2019


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

Arrepio ou A Escolha do Crítico

Joaquim Bravo (1935-1990)

Arrepio ou A Escolha do Crítico, 1989 / Inv. 89P182

Morro

Joaquim Bravo (1935-1990)

Morro, 1982 / Inv. 00DP1775

O Pato

Joaquim Bravo (1935-1990)

O Pato, 1967-69 / Inv. 00E1042

S/Título

Joaquim Bravo (1935-1990)

S/Título, (1972) / Inv. 00DP1786

S/Título

Joaquim Bravo (1935-1990)

S/Título, 1972 / Inv. 00DP1791

S/Título (Estudo para pintura "Sul")

Joaquim Bravo (1935-1990)

S/Título (Estudo para pintura "Sul"), (1974) / Inv. 00DP1790

Sem título

Joaquim Bravo (1935-1990)

Sem título, (1982) / Inv. 00DP1776

sem título

Joaquim Bravo (1935-1990)

sem título, (1972) / Inv. 00DP1795

Chevalier bleu

Joaquim Bravo (1935-1990)

Chevalier bleu, (1972) / Inv. 00DP1794

Morro

Joaquim Bravo (1935-1990)

Morro, 1982 / Inv. 00DP1775

O Pato

Joaquim Bravo (1935-1990)

O Pato, 1967-69 / Inv. 00E1042

S/Título

Joaquim Bravo (1935-1990)

S/Título, (1972) / Inv. 00DP1786

S/Título

Joaquim Bravo (1935-1990)

S/Título, (1972) / Inv. 00DP1787

S/Título

Joaquim Bravo (1935-1990)

S/Título, 1972 / Inv. 00DP1788

S/Título

Joaquim Bravo (1935-1990)

S/Título, 1972 / Inv. 00DP1791

S/Título

Joaquim Bravo (1935-1990)

S/Título, 1972 / Inv. 00DP1792

S/Título

Joaquim Bravo (1935-1990)

S/Título, 1980 / Inv. 00DP1796

S/Título

Joaquim Bravo (1935-1990)

S/Título, (1972) / Inv. 00DP1785

S/Título

Joaquim Bravo (1935-1990)

S/Título, (1972) / Inv. 00DP1789

S/Título

Joaquim Bravo (1935-1990)

S/Título, (1972) / Inv. 00DP1793

S/Título (Estudo para pintura "Sul")

Joaquim Bravo (1935-1990)

S/Título (Estudo para pintura "Sul"), (1974) / Inv. 00DP1790

Sem título

Joaquim Bravo (1935-1990)

Sem título, (1982) / Inv. 00DP1776

Sem título

Joaquim Bravo (1935-1990)

Sem título, 1982 / Inv. 00DP1777

Sem título

Joaquim Bravo (1935-1990)

Sem título, 1982 / Inv. 00DP1778

Sem título

Joaquim Bravo (1935-1990)

Sem título, 1980 / Inv. 00DP1782

Sem título

Joaquim Bravo (1935-1990)

Sem título, (1982) / Inv. 00DP1783

sem título

Joaquim Bravo (1935-1990)

sem título, (1972) / Inv. 00DP1795


Publicações


Material Gráfico


Fotografias

Helena de Freitas (dir.) e Leonor Nazaré (atrás)
Emílio Rui Vilar, Helena de Freitas, Raquel Henriques da Silva
Rui Mário Gonçalves (à frente), Jorge Molder, Manuel da Costa Cabral, Manuel Botelho (atrás, da esq. para dir.)

Multimédia


Periódicos


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00484

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém autos de entrega e pedidos de empréstimo. 1997 – 2000

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00485

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém autos de entrega, pedidos de empréstimo e apólices de seguro. 1999 – 2006

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 133727

Coleção fotográfica, cor: inauguração (FCG-CAMJAP, Lisboa) 2000

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 108893

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG-CAMJAP, Lisboa) 2000


Exposições Relacionadas

Definição de Cookies

Definição de Cookies

Este website usa cookies para melhorar a sua experiência de navegação, a segurança e o desempenho do website. Podendo também utilizar cookies para partilha de informação em redes sociais e para apresentar mensagens e anúncios publicitários, à medida dos seus interesses, tanto na nossa página como noutras.