Marcel Broodthaers. Textos e Fotografias

Primeira exposição individual do artista belga Marcel Broodthaers (1924-1976) em Portugal. Chega a Lisboa após realização na Stiftung Kultur, de Colónia, que produziu o projeto. Aliou artes visuais e poesia, fotografia e comentário, repensando a modernidade através de um percurso da toada de crítica institucional das décadas de 1960 e 1970.
First solo exhibition in Portugal of work by Belgian artist Marcel Broodthaers (1924-1976). Held in Lisbon after being staged at Stiftung Kultur, Cologne, where the project originated, the show included visual arts and poetry, photography and commentary, rethinking modernity through a precursor of the institutional critique of the 1960s and 1970s.

Entre 4 de julho e 14 de setembro de 2003, a Photographische Sammlung do Stiftung Kultur (PS-SK) apresentou no seu espaço de Colónia uma seleção muito substancial do espólio fotográfico, textual e documental de Marcel Broodthaers (1924-1976). Recebendo o título «Texte et Photos» – diretamente apropriado de escritos do autor –, essa exposição afirmou a centralidade da relação entre texto (ensaístico, ficcional e poético) e a imagem fotográfica na obra deste autor seminal da neovanguarda europeia (Comunicado de imprensa, Arquivos Gulbenkian, CAM 00537). O projeto desenvolveu-se maioritariamente em torno do arquivo à guarda da fotógrafa Maria Glissen, viúva do artista e representante da Fondation Marcel Broodthaers, que cocomissariou a iniciativa em conjunto com Susanne Lange e Claudia Schubert, respetivamente diretora e curadora da PS-SK. O acervo exposto foi complementado com obras provenientes da própria coleção do SK e de outras coleções institucionais e privadas.

Em junho de 2004, Susanne Lange propõe ao Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (CAMJAP) a organização de uma edição da exposição em Lisboa. Jorge Molder, então diretor do CAMJAP, transmite-lhe recetividade em relação à ideia de acolher o projeto na programação de 2005. Dava-se assim início à produção da primeira individual de Broodthaers em Portugal, patente entre 2 de junho e 25 de setembro de 2005, no Hall e na Galeria do piso 1 do CAMJAP.

As cerca de 300 peças expostas em Lisboa permitiram perceber a multiplicidade de formatos e materiais explorados na obra de Broodthaers, mas sempre com destaque para a forma como a palavra e a imagem fotográfica se aliaram um pouco por todo o seu eclético percurso artístico. No que ao exercício da fotografia diz respeito, ele pode inclusivamente ser assumido como um dos principais responsáveis para que, nos anos 50, Broodthaers tenha passado de uma maior radicação na poesia escrita para o hibridismo que viria a caracterizar a sua obra das décadas de 60 e 70. É sujeita ao impacto de um envolvimento mais aceso com as artes visuais que a dimensão escrita, textual e discursiva continuaria a povoar intensamente as edições, objetos intervencionados, assemblagens, instalações e happenings que tanto notabilizaram a obra deste artista.

A exposição centrou-se a fundo no «conluio» entre texto e imagem, lembrando como ele começou por incursões em tom de reportagem, como aquela que desenvolve acerca da montagem do Atomium, uma atração da Exposição Mundial de 1958, em Bruxelas. As fotografias que capta do erguer desse espetáculo científico, combinadas com o seu artigo «O outro mundo», ironizam subtilmente os típicos embandeiramentos desses eventos oficiais, na época da Guerra Fria (Marcel Broodthaers. Texto e Fotografias, pp. 18-21). Trata-se de Broodthaers a lançar-se para algo que muito caracterizará o seu percurso artístico: um proeminente jogo entre o documental e o ficcional. A progressiva complexificação dessa fronteira – rumando até à sua dissolução – parece estar entre o que mais alimenta a atitude crítica do autor face à cultura do segundo pós-guerra, as suas idealizações civilizacionais, e as revisões políticas e institucionais que esse período implicou.

Na arte do século XX, Broodthaers ocupa um lugar singular no diálogo com muitos dos seus contemporâneos, desde o Situacionismo, primeiro, ao movimento Fluxus, mais tarde, passando pelos conceptualismos europeus e norte-americanos. Como eles, este artista interroga as convulsões históricas em «tempo real», à medida que novas práticas e conceções culturais se vão instituindo. O seu trabalho tanto assume a postura de um observatório criativo da atualidade mediática, como penetra em esferas de maior intimidade (universo pessoal esse, que ele sabia revestido de política). Desse lado mais privado da sua produção, a exposição incluiu um portfólio composto de 16 retratos de personalidades do meio artístico europeu, e um autorretrato. Entre os representados, encontra-se René Magritte (1898-1967), compatriota com quem Broodthaers manteve relações de partilha artística e intelectual.

Para a versão da exposição em Lisboa, o CAMJAP publicou uma pequena edição (Marcel Broodthaers. Textos e Fotografias, 2005) com a tradução portuguesa de conteúdos do catálogo lançado em Colónia. Entre eles, encontram-se os textos de Maria Glissen, Susanne Lange e Claudia Schubert, além de alguns do próprio Broodthaers. Para integrar o dispositivo museológico, foram também traduzidos textos museológicos que tinham entrado na exposição na Alemanha, bem como citações e textos do artista, apresentados ora na parede, ora nas vitrinas organizadas com manuscritos, publicações, imagens.

A imprensa portuguesa mostrou-se atenta a esta primeira exposição alargada do trabalho de Broodthaers no panorama nacional. É salutar pensar que, afora o estatuto internacional do belga, essa atenção tenha sido motivada pelo facto de a obra deste artista cativar sempre uma autorreflexão acerca dos sistemas de legitimação crítica e museológica. Com efeito, esse foi um dos principais focos de indagação do artista, especialmente a partir de 1968, com a criação do célebre Musée d'Art Moderne, Département des Aigles – ficção museológica que manteve até 1972. Sobre esse projeto, pronunciou-se assim o autor, em 1972: «This Museum is a fictitious museum. It plays the role of, on the one hand, a political parody of art shows, and on the other hand an artistic parody of political events. Which is in fact what official museums and institutions like documenta do. With the difference, however, that a work of fiction allows you to capture reality and at the same time what it conceals.» [«Este Museu é um museu fictício. Numa mão, desempenha o papel de ser uma paródia política dos certames artísticos e, noutra mão, uma paródia artística dos eventos políticos. Isso é, de facto, o que museus e instituições oficiais como a Documenta fazem. Todavia, com a diferença de que uma obra de ficção nos permite capturar a realidade e, ao mesmo tempo, o que ela esconde.»] (Moure, Marcel Broodthaers: Collected Writings, p. 354 [Disponível em: http://moussemagazine.it/taac5-a/)

Daniel Peres, 2019


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Eventos Paralelos

Visita(s) guiada(s)

[Marcel Broodthaers. Textos e Fotografias]

jun 2005 – set 2005
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna
Lisboa, Portugal

Publicações


Material Gráfico


Fotografias

Emílio Rui Vilar (à esq.), Maria Glissen (ao centro) e Jorge Molder (à dir.)
Isabel Alçada (à esq.), Maria Glissen (ao centro) e Margarida Veiga (à dir.)
João Castel-Branco Pereira (à dir.)
Ion Grigorescu
Cristina Sena da Fonseca, Manuel Costa Cabral e Dalila Rodrigues (da esq. para a dir.)
Rui Vilar, Isabel Alçada, Isabel Mota (da esq. para a dir.) e Alexandre Melo e António Pinto Ribeiro (atrás)

Documentação


Periódicos


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00537

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém correspondência interna e externa; cópia de textos do catálogo e de folhas de sala (em versão francesa); impressões de fotografias de aspetos da exposição, em Colónia, e provas fotográficas das obras expostas nessa ocasião. 2004 – 2016

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CDVD 1514; CDVD 1515; CDVD 1516

Pasta referente à produção da exposição. Contém três CD-R com diversos documentos enviados pela Photographische Sammlung do Stiftung Kultur para a produção da mostra «Marcel Broodthaers. Textos e Fotografias». Entre os conteúdos, destaca-se os textos para paredes, vitrinas e catálogo, para traduzir e republicar em versão portuguesa. 2005 – 2005

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 118992

Coleção fotográfica, cor: inauguração (FCG-CAMJAP, Lisboa) 2005

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 112861

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG-CAMJAP, Lisboa) 2005


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