Exposição temporária de trabalhos de Hélène de Beauvoir (1910-2001) e de Alexandra Vassilikian (1946), organizada pelo Centre Culturel Calouste Gulbenkian (CCCG), em Paris. A iniciativa foi apoiada pela Universidade de Aveiro, detentora das pinturas de Hélène de Beauvoir, e pela Fundação João Jacinto de Magalhães.

«Regards sur le Portugal» foi constituída por dois núcleos expositivos tendo a paisagem portuguesa como fonte de inspiração e reflexão.: «Regards sur l'Algarve», composto por 25 pinturas a óleo de Hélène de Beauvoir, e «Regards sur l'Alentejo», composto por seis pinturas a óleo e um conjunto de desenhos a pastel de Alexandra Vassilikian. Além dos desenhos, foram expostos exemplares de revistas e fotografias e gravuras da autoria de Hélène de Beauvoir, dispostos em vitrinas ao longo da sala.

A curadoria foi da responsabilidade conjunta de Maria de Lourdes Belchior (diretora do CCCG) e Alexandra Vassilikian, de quem também partiu a iniciativa da mostra e, que na sequência da visita ao número 51 da Avenue d'Iéna, propôs o grande hall do rés-do-chão para a disposição dos trabalhos, por se tratar do espaço mais neutro do edifício: «Aussi, mes toiles [...] représentent de grands espaces; par nécessité implicite [elles] sont de grande dimension et, fatalement, ont besoin d'un accrochage qui leur permette de respirer. Leur technique picturale, ainsi que la manière dont elles sont présentées (des polyptyques, sans cadres, les clous qui fixent la toile aux châssis, à vue), demandent un accrochage dépouillé, blanc, moderne, le plus neutre possible.» (Carta de Alexandra Vassilikian para Maria de Lourdes Belchior, 20 fev. 1996, Arquivos Gulbenkian, PRS 05306)

Em grande contraste, o espaço da Sala de Conferências, onde foi apresentado o núcleo «Regards sur l'Algarve», era íntimo e caloroso, ambiente que Vassilikian considerou ser mais apropriado aos trabalhos de Hélène de Beauvoir, que beneficiariam de «une superficie de cimaise adaptée à l'importance de son oeuvre, comme d'une ambiance plus appropriée au style qui lui est particulier» (Ibid.).

Foram publicados dois desdobráveis, um para cada núcleo, com textos de Jean-Paul Sartre e Jean-Philippe Domecq.

Os óleos de Alexandra Vassilikian foram pintados a partir de desenhos e fotografias que registavam pequenos momentos de uma vila piscatória do Baixo Alentejo. Jean-Philippe Domecq referiu-se-lhes no folheto da exposição como «subtils et rudes comme la nature, bruts et raffinés comme le ciel, ont l'air de vues ouvertes sur le cosmos crânien. Curieux à dire mais l'effet est immanquable» (Alexandra Vassilikis. Regards sur l'Alentejo, 1996). O autor publicou, posteriormente, na revista Politis um artigo em torno de uma ideia de Baudrillard, no qual aludiu à exposição e, em especial, ao trabalho de Alexandra Vassilikian, caracterizando-o como objeto onde delicadeza e violência coexistem. A obra de Vassilikian foi qualificada pelo mesmo ensaísta francês, no folheto que acompanhou a exposição, como algo superior à mera representação de uma paisagem, como uma janela para o interior de quem a observava ou um espelho de duas faces que, além de refletir a psique do observador, refletia o mundo exterior.

O texto de Jean-Paul Sartre, que integra o desdobrável do núcleo expositivo «Regards sur l'Algarve», data de 1981 e foi originalmente publicado numa edição especial da revista Obliques, sob o título «Sartre et les Arts». Jean-Paul Sartre caracterizou o trabalho de Hélène de Beauvoir como o culminar de um longo processo de pesquisa artística que, por oposição ao simulacro, punha em prática uma representação da natureza que partia da análise e reprodução de elementos como florestas, jardins, lagoas, plantas, animais e o corpo humano. Formalmente, e ainda segundo Sartre, o resultado são pinturas a óleo que se situam entre a figuração e a abstração, nas quais a paisagem é representada de forma naïve e plana, embora sendo mantido o seu referente real. Invenção e evocação interligam-se na obra de Hélène de Beauvoir, através de um jogo de cores e formas exuberantes, em que as figuras sem contornos se dissolvem no fundo e nos restantes elementos (Hélène de Beauvoir. Regards sur l'Algarve, 1996).

Carolina Gouveia Matias, 2019