Paula Rego. O Crime do Padre Amaro. Untitled

Dia Internacional dos Museus

Exposição individual da artista Paula Rego (1935) de duas séries fundamentais: O Crime do Padre Amaro (1997-98), em torno do livro homónimo de Eça de Queirós, e Untitled (1998-99), sobre a pesada realidade do aborto. A mostra foi a primeira apresentação da artista em Portugal.
Solo exhibition of two fundamentally important series by artist Paula Rego (1935): The Crime of Father Amaro (1997-98), based on the book of the same name by Eça de Queiroz, and Untitled (1998-99), on the stark reality of abortion. The show was Rego’s first in Portugal.

A 18 de maio de 1999, a programação da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) para o Dia Internacional dos Museus do ICOM (International Council of Museums) ficou marcada pela inauguração de uma dupla exposição individual da pintora luso-britânica Paula Rego (1935). Patente até 29 de agosto de 1999, apresentou pela primeira vez em Portugal duas séries fundamentais do trabalho desenvolvido pela artista no final dos anos 90: O Crime do Padre Amaro (1997-98), em torno do romance homónimo de Eça de Queirós, e Untitled (1998-99), inquietante trabalho sobre o aborto.

À data, estas duas séries compunham parte da produção mais recente da autora. Ocuparam a totalidade do piso 1 da Galeria de Exposições Temporárias do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (CAMJAP), dividindo-o em duas partes, comunicantes mas demarcadas (Plano de montagem, 1999, Arquivos Gulbenkian, CAM 00427). As fotografias disponíveis nos Arquivos Gulbenkian revelam que apenas um tríptico da série Untitled foi exposto no Hall do CAMJAP, em jeito de introito – peça essa que, após o fecho da mostra em Lisboa, terá viajado para a coletiva «Figuration», itinerante pela Áustria, Itália e Alemanha (Carta de Susanna Greimel para Rita Lopes Ferreira, 8 set. 1999, Arquivos Gulbenkian, CAM 00427).

Com efeito, O Crime do Padre Amaro e Untitled são duas linhas de trabalho bastante dialogantes, mas que reivindicam claras compartimentações. Considerou-se, por isso, que «esta exposição são duas» (Paula Rego…, 1999), como explicita Jorge Molder (então diretor do CAMJAP) na abertura do catálogo da exposição. O próprio catálogo obedeceu a essa lógica binária, tendo sido editado em dois volumes, um para cada série exposta. Em ambas, Portugal voltava a ser convocado – enquanto entidade biográfica, cultural e social – para os papéis tensos que tantas vezes lhe reserva a obra da artista.

Em O Crime do Padre Amaro, Paula Rego partiu uma vez mais da literatura portuguesa para amplificar facetas do drama humano, no modo subjetivista a que o seu trabalho nos habituou. Sublinhava uma vez mais como o campo de ação do seu trabalho transita entre as esferas mais íntimas e quase confessionais e uma muito pessoal crítica dos costumes – pulsão essa que, neste caso, atualiza, na enorme peculiaridade de Paula Rego, o próprio espírito observador e satírico de Eça de Queirós. Terão sido expostas 16 peças a pastel sobre papel, todas elas reproduzidas no volume do catálogo consignado a esta série, e que as faz acompanhar, uma a uma, de comentários da pintora. O catálogo inclui também 18 desenhos preparatórios que complementaram as pinturas, igualmente reproduzidos na íntegra, em conformidade com sugestões da artista (Carta de Paula Rego para Jorge Molder, 24 mar. 1999, Arquivos Gulbenkian, CAM 00427).

Por sua vez, Untitled abdica de um título narrativo, para exclamar mais alto a gravidade do seu assunto. É de dor silenciada que se reveste a realidade atroz do aborto, e é muitas vezes emudecida a mulher que lhe dá corpo e expressão. Como acontece com a substância dos dilemas de O Crime do Padre Amaro, trata-se aqui de um tema demasiado global, mas que, nesta circunstância, era inundado por uma dimensão contextual portuguesa. Pois, a 28 de junho de 1998, ano do qual datam os primeiros trabalhos desta série, Portugal tinha referendado, pela primeira vez, a despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Menos de um ano após a escassa maioria aí alcançada pelo «não» (50,9%) (numa votação com uma taxa de abstenção de 68,11%), esta mostra reavivava numa sociedade dividida um debate ainda bem aceso. Essa crispação continuaria, mesmo depois do segundo referendo de 11 de fevereiro 2007, em que seria o «sim» a vingar com uma maioria mais expressiva (59,25%) e numa votação mais participada, embora mantendo níveis altíssimos de abstenção (56,43%).

O volume do catálogo dedicado à série Untitled apresenta 11 obras a pastel sobre papel, vários desenhos preparatórios e cinco imagens de uma tiragem de gravura da qual a artista doou sete provas à FCG (Carta de Pedro Tamen para Paula Rego, 27 set. 1999, Arquivos Gulbenkian, CAM 00427). Essas calcografias encontram-se incorporadas no vasto núcleo dedicado à autora na coleção do Centro de Arte Moderna (Invs. GP1804 a GP1810). Também no âmbito desta mostra, a FCG adquiriu a emblemática pintura A Cela (1998) (da série O Crime do Padre Amaro), para ser oferecida à Fundação de Serralves a propósito da abertura do seu museu de arte contemporânea, inaugurado a 6 de junho de 1999.

A documentação consultada indica que terão sido realizadas várias visitas orientadas a esta dupla exposição de Paula Rego no CAMJAP. Quatro delas terão sido conduzidas por Susana Neves, nomeadamente a 5 e 20 de junho, 11 de julho e 22 de agosto (Fax enviado por Susana Neves a Leonor Nazaré, 14 jun. 1999, Arquivos Gulbenkian CAM 00427). A jornalista Lucinda Canelas terá assistido a uma delas, preparando um artigo sobre mediação cultural que inclui alguns depoimentos da monitora (Canelas, Público, 1 ago. 1999, pp. 30-31).

O artigo de Lucinda Canelas foi apenas um dos imensos momentos que compuseram a receção e comentário a esta dupla exposição na comunicação social portuguesa. Diversificada, essa repercussão mediática foi desde a cobertura da inauguração (com o então presidente da República Portuguesa Jorge Sampaio entre os fotografados) (Semanário, 28 mai. 1999, pp. 22-25), às expectáveis levas de comentários aos dividendos éticos, políticos e ideológicos da exposição, na orla da despenalização do aborto.

Na cobertura televisiva, refira-se a série de reportagens Portugalmente, em que pormenores das pinturas da série Untitled foram utilizadas num episódio dedicado ao aborto clandestino.

Do lado da crítica de arte, é de salientar o modo como as temáticas fraturantes foram relacionadas com o tópico da revalorização da figuração na pintura das décadas de 80 e 90 (que tem na obra de Paula Rego um dos casos preponderantes do panorama internacional). Multiplicam-se os artigos nos principais periódicos de referência, abordando não apenas a mostra na Gulbenkian, mas também a da Galeria 111 (em Lisboa e no Porto), que lhe foi simultânea.

Na imprensa internacional, conta-se uma breve recensão de Alexandre Melo para a revista Artforum (Melo, Artforum, vol. 38, n.º 3, nov. 1999, p. 149).

A dupla exposição «O Crime do Padre Amaro. Untitled» contribuiu para cimentar o crescente interesse demonstrado pela obra de Paula Rego no final dos anos 90. A pouco menos de um mês do encerramento da mostra, o semanário Expresso adiantava que mais de 20 mil pessoas já tinham visitado a mostra (Martins, Expresso. Cartaz, 31 jul. 1999, p. 18). No caminho para essa consagração, já prenunciada pela retrospetiva apresentada na Tate Liverpool e no Centro Cultural de Belém, em 1997, destaque-se, na programação da FCG, o acolhimento da exposição «Paula Rego. Histórias da National Gallery», em 1992, e, claro, da primeira grande retrospetiva da sua obra, em 1988.

Desde a década de 1960 que a obra de Rego se encontra representada nas coleções da FCG. Desde então, a Fundação tem testemunhado alguns dos mais importantes desenvolvimentos do seu percurso. Entre os que se encontram cronologicamente próximos desta exposição de 1999, refira-se, no final desse mesmo ano, o acolhimento da mostra «Secrets Dévoilés. Dessins et gravures de Paula Rego» no Centre Culturel Calouste Gulbenkian, em Paris, e, mais lateralmente à atividade expositiva, o bailado Pra Lá e Pra Cá, coreografado por Stijn Celis a partir de gravuras da artista sobre histórias infantis inglesas. A própria artista assina os figurinos dessa peça, estreada pelo Ballet Gulbenkian em 1998.

Em 2006, a FCG encomendou a Paula Rego uma obra no âmbito das celebrações dos cinquenta anos da Fundação Calouste Gulbenkian. A artista respondeu com o tríptico Vanitas (Inv. 06P1372).

Daniel Peres, 2019


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

S/ Título n.º 1

Paula Rego (Lisboa, Portugal, 1935 – Londres, Inglaterra, 2022)

S/ Título n.º 1, Inv. GP1810

S/ Título n.º 4

Paula Rego (Lisboa, Portugal, 1935 – Londres, Inglaterra, 2022)

S/ Título n.º 4, Inv. GP1807

Sem título n.º 2

Paula Rego (Lisboa, Portugal, 1935 – Londres, Inglaterra, 2022)

Sem título n.º 2, Inv. GP1806

Sem título n.º 3

Paula Rego (Lisboa, Portugal, 1935 – Londres, Inglaterra, 2022)

Sem título n.º 3, Inv. GP1808

Sem título n.º 5

Paula Rego (Lisboa, Portugal, 1935 – Londres, Inglaterra, 2022)

Sem título n.º 5, Inv. GP1805

Sem título n.º 6

Paula Rego (Lisboa, Portugal, 1935 – Londres, Inglaterra, 2022)

Sem título n.º 6, Inv. GP1809

Sem título n.º 7

Paula Rego (Lisboa, Portugal, 1935 – Londres, Inglaterra, 2022)

Sem título n.º 7, Inv. GP1804

S/ Título n.º 1

Paula Rego (Lisboa, Portugal, 1935 – Londres, Inglaterra, 2022)

S/ Título n.º 1, Inv. GP1810

S/ Título n.º 4

Paula Rego (Lisboa, Portugal, 1935 – Londres, Inglaterra, 2022)

S/ Título n.º 4, Inv. GP1807

Sem título n.º 2

Paula Rego (Lisboa, Portugal, 1935 – Londres, Inglaterra, 2022)

Sem título n.º 2, Inv. GP1806

Sem título n.º 3

Paula Rego (Lisboa, Portugal, 1935 – Londres, Inglaterra, 2022)

Sem título n.º 3, Inv. GP1808

Sem título n.º 5

Paula Rego (Lisboa, Portugal, 1935 – Londres, Inglaterra, 2022)

Sem título n.º 5, Inv. GP1805

Sem título n.º 6

Paula Rego (Lisboa, Portugal, 1935 – Londres, Inglaterra, 2022)

Sem título n.º 6, Inv. GP1809

Sem título n.º 7

Paula Rego (Lisboa, Portugal, 1935 – Londres, Inglaterra, 2022)

Sem título n.º 7, Inv. GP1804


Eventos Paralelos

Visita(s) guiada(s)

[Paula Rego. O Crime do Padre Amaro. Untitled]

5 jun 1999 – 22 ago 1999
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna – Galeria Piso 1
Lisboa, Portugal

Publicações


Material Gráfico


Fotografias


Multimédia


Documentação


Periódicos


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00426

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém convite; correspondência interna e externa (com emprestadores e agentes culturais); listas de obras; informações relativas a transportes, seguros e jantar oferecido pela FCG por ocasião da inauguração; comunicado de imprensa. 1999 – 1999

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00427

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém correspondência interna e externa, plano de montagem da exposição, recortes de imprensa. 1999 – 1999

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 110276

Coleção provagráfia, cor: aspetos (FCG-CAMJAP, Lisboa) 1999


Exposições Relacionadas

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