Exposição de desenhos e pinturas de Graça Morais (1948), organizada pelo Centre Culturel Calouste Gulbenkian (CCCG), em Paris, e patente entre 13 de março e 4 de maio de 2001. Foram reunidas as pinturas mais recentes, à data, de Graça Morais, bem como um conjunto de desenhos e estudos preparatórios.

Segundo Francisco Bethencourt, diretor do CCCG, para compreender a reflexão visual de Graça Morais era essencial dar a ver os vários níveis de construção da sua pintura, cujo processo de trabalho parte de uma recolha e registo naturalista de formas, como o rosto de uma idosa ou a pose de um agricultor. O quotidiano da pintora constitui-se assim como banco de imagens, no qual as igrejas de Trás-os-Montes representam núcleos importantes, em que o imaginário e o real se misturam.

O conjunto de trabalhos selecionados mostrava a evolução da sua pintura figurativa, povoada de pessoas, animais, objetos, símbolos religiosos, elementos da paisagem, cenas de trabalho ou de lazer, festas e cerimónias. Todos estes elementos evocam as origens rurais da artista, apesar de não converterem a pintura num tema etnográfico. As telas relatam episódios de um quotidiano vivido e transmitido oralmente, que se traduz na representação de cenas como a colheita, o casamento, a caça, a preparação de refeições, e no modo como as personagens são representadas.

Os temas da pintura de Graça Morais abordam frequentemente as relações entre os homens e entre estes e a natureza. As suas personagens convocam uma dimensão simbólica de que emergem figuras como a do homem-gafanhoto, os anões, as cabeças de animais e os santos. Mas também as mulheres-gafanhoto são pintadas por Graça Morais, que vê na figura da mulher idosa um símbolo do sistema matriarcal que sustenta a sociedade de Trás-os-Montes. A mulher idosa nunca é associada a uma ideia de degradação (pela passagem do tempo); ao invés disso, ela é representada como indulgente e carinhosa.

Uma das características da pintura de Graça Morais consiste na originalidade da sua composição, conseguida através da sobreposição de imagens retiradas do seu contexto de origem. Também as dimensões dos elementos são dramaticamente alteradas, o que resulta numa relação desproporcional entre objetos e figuras, fórmula que se repete na obra da artista transmontana. As diferenças de escala nunca são, no entanto, aleatórias, como se pode observar numa das telas da série Terra Quente (2000), onde se observa, em primeiro plano, uma figura feminina reclinada, de mãos atadas, ligada a uma mão que colhe. Aqui, o contraste é conseguido através da composição cromática e do grande tamanho da mão masculina, símbolo de vigor, em contraste com a vulnerabilidade da figura feminina.

A perspetiva é também um dos elementos que contribuem para o ambiente surreal e expressionista das pinturas de Graça Morais, mesmo que se faça notar pela sua ausência. Quando presente, a perspetiva é apenas introduzida de forma simbólica, para reforçar o sentido de uma história, e não com o propósito de conferir realismo.

A representação dos animais é feita de forma simbólica, como se eles fossem palavras de uma linguagem criada pela pintora a partir de sentidos mais ou menos universais: a ovelha é símbolo da mansidão e da indulgência; o cão é símbolo da fidelidade; o cordeiro, símbolo da inocência; o gafanhoto, da praga.

Como se lê no comunicado de imprensa emitido pelo CCCG, o desenvolvimento destes temas por Graça Morais não era mais que o retorno a uma prática começada nos anos 80 e que a artista nunca realmente abandonara, de exploração de um imaginário pertencente à cultura de um povo, fruto da mistura entre sagrado e pagão (Comunicado de imprensa, 2001, Arquivos Gulbenkian, PRS 05608).

Segundo Sílvia Chicó, esta evocação dos mitos rurais é também uma forma de divulgar as suas raízes e o seu país, desconhecido dentro e fora, nomeadamente as personagens e as imagens de Trás-os-Montes – sem nunca esquecer os problemas que o assolam, como a desertificação e o despovoamento do interior (Chicó, Graça Morais. Terra Quente. Peinture et Dessin, 2001).

No dia da inauguração da exposição, Sílvia Chicó e Jacques Leenhardt conduziram um debate sobre a pintura de Graça Morais no Centre Culturel Calouste Gulbenkian.

Carolina Gouveia Matias, 2019