Marlene Dumas. Fantasma. Desenhos/Drawings

Exposição da artista sul-africana Marlene Dumas (1953). A mostra reuniu desenhos realizados em dois momentos distintos da produção da artista: de 1984 a 1986 e de 1994 a 1997. Na qualidade de comissário, Jorge Molder organizou a exposição.
Exhibition of work by South African artist Marlene Dumas (1953). The show brought together drawings created during two separate periods in the artist’s career: from 1984 to 1986 and from 1994 to 1997. The exhibition was organised by the curator, Jorge Molder.

A exposição de desenhos da artista sul-africana Marlene Dumas (1953) realizou-se em Lisboa, por iniciativa do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (CAMJAP). O comissário-geral e responsável pela organização da mostra foi Jorge Molder, então diretor do CAMJAP. Esta foi primeira vez que a obra de Marlene Dumas foi exposta em Portugal.

Nascida numa África do Sul dominada pelo apartheid, Marlene Dumas frequentou, entre 1972 e 1975, a Universidade de Cape Town, onde estudou Artes Visuais. Completou posteriormente os seus estudos em Haarlem, na Holanda, país onde se veio a naturalizar e onde goza de amplo reconhecimento. Desde 1976, Marlene Dumas vive e trabalha em Amesterdão, tendo representado a Holanda na Bienal de Veneza de 1995 (Horlock, «Marlene Dumas», 1997).

Ao longo da sua atividade artística, Dumas trabalhou em pintura, colagem, desenho, gravura e instalação. Atualmente, dedica-se maioritariamente à pintura sobre tela e sobre papel. Segundo Mary Horlock, no texto que assina sobre a artista, os temas centrais dos seus trabalhos incluem «raça e sexualidade, culpa e inocência, violência e ternura» (Ibid.).

«Fantasma» – título atribuído pela própria artista à exposição – visou reunir trabalhos realizados em duas épocas de produção: a primeira incluiu trabalhos dos anos de 1984 a 1986, como Thrills for the Low Budget Class, Mirror Games, Always True e The Bubble Bath; a segunda, abrangendo os anos de 1994 a 1997, compreendeu os demais desenhos e séries.

Jorge Molder deslocou-se ao ateliê da artista em Amesterdão para selecionar com ela os desenhos a apresentar. Marlene Dumas e a sua studio manager, Julie van Leeuwen, colaboraram estreitamente com a equipa do CAMJAP na conceção e produção da mostra. As obras que figuraram na exposição foram cedidas pela artista, pelo colecionador alemão Thomas Olbricht, pelo Museum van Hedendaagse Kunst Antwerpen (na Bélgica) e pela coleção do Südwestdeutsche Landesbank (na Alemanha).

No texto que assina no catálogo, Jorge Molder escreve sobre a artista e obras apresentadas, referindo a sensação que retém daqueles desenhos: «Sempre os observei como se estivesse a fazer um exercício da memória e procurasse neles algo que já conhecia de antes. Não como alguma coisa da história da arte ou de qualquer outro género de exercício cultural ou social, mas como uma coisa apenas familiar.» (Molder, Marlene Dumas, 1998, p. 5)

Acerca dos temas abordados por Dumas, Molder salienta algumas características dos seus desenhos, fazendo notar que estes, apesar de representarem sempre pessoas, constituem retratos que «não contêm sinais expressivos de qualidades humanas singulares e não se mantêm num contexto determinado que nos permita encontrar nexos de ligação àquilo a que comummente chamamos vida» (Ibid.). Acresce que «as figuras que entram nos trabalhos de Marlene Dumas têm cores e tamanhos que […] as afastam duma ligação evidente aos seus modelos» (Ibid., p. 6).

Jorge Molder estabelece ainda uma analogia entre a obra de Marlene Dumas e as de Michelangelo Pistoletto e Francis Bacon, dois artistas que, tal como Dumas, partem de modelos reais para trabalhar o retrato, embora evoluam em sentidos diversos. Citando o autor: «Também Michelangelo Pistoletto partiu de seres isolados do mundo numa superfície negra e inaplicáveis ao nosso afã mimético para rapidamente alcançar uma precisão [oposta à de Marlene Dumas] através das suas imagens-espelho.» (Ibid.)

Por seu lado, Francis Bacon trabalhou «seres mais ou menos isolados e afastados […] dos seus modelos originais». Molder aponta que, se no caso de Pistoletto «a singularidade final do modelo e do seu espectador conferem à situação o carácter paradigmático de um encontro ao mesmo tempo possível e impossível, porque envolve reinos de titularidade diferente», com Francis Bacon, «o retrato configura-se como uma entidade teatral, um lugar onde o artista provoca (em todos os sentidos) o ocorrer de um drama» (Ibid., pp. 5-6).

Constatando que a relação mantida com imagens preexistentes é fundamental nas obras dos três artistas, Molder conclui: «Ficam-nos assim estes fantasmas […]. Ao vê-los, vemos algo quase familiar. Alguma coisa que, não sendo necessariamente nossa, conserva ligações com o nosso mundo» (Ibid., p. 7).

O catálogo da exposição, de edição bilingue, foi publicado pelo CAMJAP, e inclui uma nota introdutória dos seus diretores, o texto assinado por Molder, a reprodução das obras apresentadas e a biografia da artista.

Aquando da sua estada em Lisboa, Marlene Dumas concedeu ainda uma entrevista à revista Arte Ibérica, conduzida pelo crítico de arte Delfim Sardo. Nesta entrevista, quando questionada sobre o possível caráter autobiográfico dos seus desenhos, Dumas dirá: «São uma mistura. […] Há alguns que são absolutamente autobiográficos […]. Mas outros não. Há um carácter projectivo, mas mantenho sempre alguma distância. […] Se não, é uma obsessão, uma compulsão. Eu não trabalho assim, embora por vezes pareça. Há sempre uma mistura, uma razão, por vezes autobiográfica, mas é outra coisa.» (Sardo, Arte Ibérica, 1998, p. 15)

Delfim Sardo questiona a artista acerca do cunho político da sua obra, sugerindo que essa condição se deverá à experiência vivida na África do Sul. Dumas confirmaria a suposição («Sim, claro»), acrescentando: «O tempo na África do Sul foi miserável. Sentíamo-nos pessimamente. Havia uma consciência política, mas essa consciência não se concretizava em admiração por nenhum artista plástico. A nossa admiração era por dramaturgos ou músicos, não por artistas sul-africanos, que não havia.» (Ibid.)

Recordando o período em que viveu na África do Sul, a artista alude ao seu interesse pelo expressionismo abstrato e ao desejo de usar o seu trabalho ao serviço da intervenção política, mas confessará: «Não sabíamos como, não tínhamos referências.» Todavia, para Dumas «em arte, não podemos ter só assuntos políticos e teorias. Também é preciso ter uma relação especial com o material que usamos. Não se trata de fazer um discurso, mas de criar respeito por um processo qualquer». A artista acrescenta ainda: «Eu não quero ser uma artista política, porque quero que o meu trabalho tenha níveis muito diferentes de interpretação.» (Ibid., p. 16)

Por fim, interrogada acerca dos motivos que a levam a pintar, Marlene Dumas responde: «Amores, relações entre pessoas, política um-para-um […]. Gosto mesmo de coisas muito primitivas, de metáforas fortes, amor, desejo. No meio disso tudo está sempre a figura humana, e essa relação com a figura, com as pessoas, é um passaporte importante para a relação com o público.» (Ibid., p. 16)

À semelhança de outras iniciativas da FCG, os eventos paralelos associados à exposição incluíram várias visitas guiadas.

Joana Brito, 2019


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Publicações


Fotografias


Periódicos


Fontes Arquivísticas

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 109429

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG-CAMJAP, Lisboa) 1998

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Comunicação), Lisboa / COM E01-00439

Coleção fotográfica, cor: slides de livros e catálogos (FCG, Lisboa) 1998


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