Semana de Estudos sobre o Novo Cinema Português, 1967

Em 1967, a histórica Semana de Estudos sobre o Novo Cinema Português, organizada pelo Cineclube do Porto com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian e da Câmara Municipal do Porto, lança o debate sobre a produção cinematográfica em Portugal.
14 jun 2023 10 min
Dos Arquivos

Em setembro de 1967 o Clube Português de Cinematografia – Cineclube do Porto solicita ao Serviço de Belas Artes da Fundação Calouste Gulbenkian um subsídio para a organização da Semana de Estudos sobre o Novo Cinema Português, a realizar no Porto em dezembro desse ano.

 

Carta da Direção do Clube Português de Cinematografia - Cineclube do Porto solicitando a concessão de um subsídio

 

Carlos Wallenstein, responsável pelo setor do Teatro, propõe a Azeredo Perdigão o apoio à iniciativa, argumentando que “tomando parte neste certame número apreciável de pessoas ligadas ao cinema, as quais se reúnem para tratar de um problema perante o qual a Fundação também se encontra, este subsídio dará uma indicação acerca do interesse da Fundação pelo assunto àquelas pessoas e, inclusivamente, à imprensa, que criticam a Fundação por não prestar auxílio ao cinema”.

É acordada a atribuição de um subsídio no valor de 50.000$00 para a realização da iniciativa e decidido o envio de um observador.

Carlos Wallenstein sugere aos organizadores que se dedique “uma das sessões de colóquio, à qual esteja presente considerável representação de cineastas portugueses, à ponderação de como seria desejável, do ponto de vista do cinema e dos artistas que a ele se consagram, que a Fundação interviesse”.

Esta sugestão, que partira de Artur Nobre de Gusmão, diretor do Serviço de Belas Artes, é bem acolhida pela organização, que propõe a realização de uma mesa-redonda “O Cinema Português e a Fundação Calouste Gulbenkian – Futuras Possibilidades para o Cinema Português”, para a qual são convidados os cineastas portugueses “mais aptos e interessados”.

A Semana de Estudos sobre o Novo Cinema Português tem lugar entre os dias 2 e 10 de dezembro de 1967, com o apoio financeiro da Fundação Calouste Gulbenkian e da Câmara Municipal do Porto, para além dos fundos obtidos com a realização de um leilão de Arte Portuguesa Contemporânea.

 

Convite para o leilão de “Arte Portuguesa Contemporânea” na sede da “Árvore”

 

Com sessões de trabalho na sede do Cineclube do Porto e projeção de filmes no Cinema Batalha, à iniciativa acorrem personalidades do meio cultural português com ligação à atividade cinematográfica com o objetivo de contribuir, por via do debate e da troca de ideias, para a “resolução daquilo a que se tem chamado a crise do cinema português”.

Entre cineastas, cinéfilos, jornalistas e críticos de cinema, foram intervenientes António de Macedo, António-Pedro Vasconcelos, Artur Ramos, David Lopes, Ernesto de Sousa, Fernando Lopes, Gérard Castello-Lopes, Henrique Alves Costa, Jorge Peixinho, José Cardoso Pires, Lauro António, Luís de Pina, Luís Neves Real, Manoel de Oliveira, Manuel de Azevedo, Manuel Machado da Luz, Manuel Pina, Paulo Rocha, Roberto Nobre e Vítor Silva Tavares.

A Fundação envia como observador Carlos Wallenstein.

 

Programa da Semana de Estudos sobre o Novo Cinema Português (frente)
Programa da Semana de Estudos sobre o Novo Cinema Português (verso)

 

O ponto alto desta semana de estudos será a mesa-redonda do dia 9 de dezembro, em que participam Ernesto de Sousa, Manoel de Oliveira, Fernando Lopes, Paulo Rocha, António de Macedo, António-Pedro Vasconcelos, Alberto Seixas Santos, Alfredo Tropa, Manuel Costa e Silva, Fernando Matos Silva, José Fonseca e Costa, Manuel Ruas e Gérard Castello-Lopes.

A ordem de trabalhos centra-se na discussão sobre o que deveria ser a futura intervenção da Fundação no domínio do cinema.

 

Lista dos convidados da mesa-redonda “O Cinema Português e a Fundação Calouste Gulbenkian”

 

Desta mesa-redonda sai o documento – Ofício do Cinema em Portugal – subscrito pelos participantes e ainda pelos cineastas Artur Ramos e Manuel Faria de Almeida, e que expressa, em termos genéricos, de que forma se pretendia materializada a intervenção da Fundação no apoio ao novo cinema português.

Este primeiro documento, enviado à Fundação pelo escultor José Grade, da direção do Cineclube do Porto, é apresentado como o “produto dum diálogo só agora conseguido no nosso país entre os mais diretamente interessados e responsáveis (como autores) pela renovação e dignificação do Cinema Português”.

Nele se sugere que a “criação de um centro de cinema, dependente da Fundação Gulbenkian, seria a solução de conjunto mais adequada”, comprometendo-se os signatários a elaborar, no prazo de três meses, um estudo detalhado sobre a situação da produção, distribuição e exibição cinematográfica em Portugal que justificasse esse apoio da Fundação.

 

“Ofício do Cinema em Portugal”

 

A 30 de abril de 1968, esse estudo é entregue na Fundação por uma delegação composta pelos cineastas Manoel de Oliveira, António de Macedo, Paulo Rocha, Artur Ramos, Alfredo Tropa, Ernesto de Oliveira e António-Pedro Vasconcelos.

O documento apresentado – O Ofício do Cinema em Portugal. Relatório dirigido à Fundação Calouste Gulbenkian -, respeita o manifesto da primeira versão de 9 de dezembro. Nele se discorre sobre a crise do cinema e insiste na criação de um “Centro Gulbenkian de Cinema” na dependência da Fundação e por esta suportado financeiramente.

Esta proposta viria a ser recusada por José de Azeredo Perdigão que esclarece que “a Fundação desejava realmente auxiliar o Cinema, desde que o pudesse fazer com um organismo exterior à própria Fundação”.

Em alternativa sugere “a possibilidade de os cineastas entre si se organizarem, e criarem um organismo dotado de personalidade jurídica própria, com o qual a Fundação Calouste Gulbenkian pudesse tratar diretamente”.

Em carta dirigida ao presidente da Fundação a 24 de junho, aquele grupo de cineastas, ao qual se juntam Acácio de Almeida, Alberto Seixas Santos, António Escudeiro, Elso Roque, Ernesto de Sousa, Fernando Lopes, Fernando Matos Silva, Gérard Castello-Lopes, João Matos Silva, José Fonseca e Costa, Manuel Costa e Silva, Manuel Faria de Almeida e Manuel Ruas, propõe então a criação de uma sociedade cooperativa de cinema, submetendo ainda à apreciação da Fundação o projeto de estatutos.

A 19 de novembro a Fundação delibera apoiar financeiramente a cooperativa dos novos cineastas por um período experimental de três anos.

Azeredo Perdigão reconhecera que “os jovens cineastas portugueses haviam realmente posto as suas esperanças na Fundação e que não podiam ser por esta desencorajados sem pôr em causa o prestígio da Instituição que, como todas as fundações, tem de correr riscos sob pena de atraiçoar um dos objetivos para que foi criada: o de desempenhar um papel de pioneira em sectores que, embora não ofereçam garantias seguras de êxito, merecem ser auxiliados”.

É ainda deliberada a criação da Secção de Cinema no Serviço de Belas Artes, que seria dirigida pelo crítico João Bénard da Costa.

A 5 de dezembro, José de Azeredo Perdigão informa o Centro Português de Cinema – designação entretanto escolhida pelo grupo de cineastas para a sociedade cooperativa em formação – da decisão do Conselho de Administração em o apoiar financeiramente, e as bases gerais em que assenta esse apoio.

É estabelecida a verba inicial de 3.200.000$00 para financiamento no primeiro ano da atividade do Centro, apenas desbloqueada a partir do momento em que tivesse existência legal.

Contudo, o processo de formalização do Centro vai arrastar-se durante os anos de 1969-1970. As bases gerais em que assentava o apoio concedido foram discutidas e fixadas num Modus Vivendi acordado entre a Fundação e o Centro Português de Cinema e a vigorar logo que este fosse legalmente reconhecido.

Apesar de algumas tentativas de Azeredo Perdigão para agilizar o processo, só em finais de 1970 a cooperativa de cineastas será legalmente reconhecida.

Entretanto, determinada em avançar com o apoio, em inícios de 1970 a Fundação decide subsidiar diretamente os realizadores das quatro longas-metragens propostas pelo Centro Português de Cinema para o arranque das suas primeiras produções: O recado de José Fonseca e Costa, O passado e o presente de Manoel de Oliveira, Pedro Só de Alfredo Tropa e Perdido por cem… de António-Pedro Vasconcelos.

A verba de 3.200.000$00 é reforçada em mais 1.235.983$00 para fazer face ao orçamento de 4.435.983$00 apresentado pelos cineastas.

 

 

Simultaneamente, e à margem dos apoios na esfera do Centro Português de Cinema, a Fundação procede à atribuição de subsídios e encomendas a outros cineastas, como João César Monteiro, António Campos ou Paulo Rocha, para a produção das curtas-metragens, respetivamente, Quem espera por sapatos de defunto morre descalço (180.000$00), Vilarinho das Furnas (163.886$00) e Pousada das Chagas (265.000$00).

Num curto espaço de tempo, entre 1969 e 1970, a Fundação apoia, assim, o novo cinema português em mais de 5.000.000$00.

A tão aguardada constituição do Centro Português de Cinema é, finalmente, formalizada em Lisboa, a 17 de dezembro de 1970, por escritura notarial e só em junho de 1971 adquire existência legal por via da publicação em Diário do Governo.

Reconhecido, de acordo com os seus Estatutos, como “associação de fins culturais”, o Centro terá a missão de “desenvolver e prestigiar o cinema português, especialmente através da produção de filmes de livre criação artística”. Na primeira assembleia geral é feito um reconhecimento à Fundação Calouste Gulbenkian e ao seu presidente, que são distinguidos como sócios honorários.

 

 

Em setembro desse ano é assinado o Modus Vivendi que formaliza e regula as relações entre a Fundação e a Cooperativa, sendo signatários José de Azeredo Perdigão, Fernando Lopes, Artur Ramos, Alberto Seixas Santos, José Fonseca e Costa, Gérard Castello-Lopes e António de Macedo.

 

“Modus Vivendi” entre a Fundação Calouste Gulbenkian e o Centro Português de Cinema

 

A cerimónia de assinatura do Modus Vivendi conclui-se com a exibição privada de O recado de José Fonseca e Costa, no Grande Auditório. Nos dias seguintes novas sessões privadas revelam os restantes filmes apoiados pela Fundação antes da sua entrada no circuito comercial.

 

Cerimónia de assinatura do “Modus Vivendi”
Fernando Lopes entrega a José de Azeredo Perdigão o Diploma de Sócio Honorário do Centro Português de Cinema

 

A primeira exibição pública de filmes produzidos com o apoio da Fundação Gulbenkian tem lugar no ano seguinte. Dedicada à antestreia oficial de Pousada das Chagas de Paulo Rocha, e de O passado e o presente de Manoel de Oliveira, a sessão tem lugar no Grande Auditório e conta com a presença do Presidente da República Américo Thomaz, membros do Governo e do Corpo Diplomático e outras tantas individualidades convidadas, ligadas ao meio cultural português.

 

Autorização de exibição do filme “Pousada das Chagas” de Paulo Rocha

 

Esta importante sessão constitui o culminar de um processo iniciado pela Semana de Estudos sobre o Novo Cinema Português que, em 1967, lançara o debate sobre a produção cinematográfica em Portugal.

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Momentos relevantes na história de Calouste Gulbenkian e da Fundação Gulbenkian em Portugal e no resto do mundo.

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