Os livros de Octave Uzanne
No dia 14 de abril de 1900 inaugurava-se em Paris mais uma Exposição Universal, anunciando o novo século com pompa e circunstância e exibindo os progressos tecnológicos que o desenvolvimento industrial vinha permitindo desde final do século XVIII.
Viviam-se os anos da designada Belle Époque, período temporal que coincidiu com o final do conflito franco-prussiano, em 1870, e com o deflagrar da I Guerra Mundial, em 1914. Um sentimento geral contraditório marcou estas décadas.
Se, por um lado, o conjunto significativo de melhoramentos materiais introduzidos no quotidiano das populações e as rápidas mudanças sociais, económicas e políticas vividas no continente europeu e nos Estados Unidos, originaram olhares otimistas sobre o presente e confiança no futuro, por outro, a industrialização acelerada originou um mal-estar e uma inquietação crescentes e um sentimento de revolta perante desigualdades que se tornavam cada vez maiores e mais gritantes, sobretudo nas grandes cidades.
A prosperidade económica e o progresso material destes anos coincidiram igualmente com a afirmação do nacionalismo nos discursos políticos de nações como a Inglaterra, a Alemanha, a França e a Bélgica, confirmadas também como potências coloniais na Conferência de Berlim, em 1885, onde repartiram entre si o continente africano.
A corrente artística que porventura melhor expressou o espírito da Belle Époque foi a Arte Nova, cujas primeiras criações datam de cerca de 1884. Surgida do desejo de criar um estilo de arte como reação ao historicismo dominante, a Arte Nova – Art Nouveau, Modern Style, Jugendstil, Sezessionstil, Stile Liberty, Tiffany Style são algumas das suas designações nos diversos países aonde se manifestou – caracterizou-se pela utilização no seu reportório decorativo de linhas sinuosas e assimétricas, baseadas nas formas orgânicas da Natureza.
Octave Uzanne (1852-1931) editor, bibliófilo – cofundador da Société des Bibliophiles Contemporains – escritor, jornalista e crítico reputado no seu tempo foi, em França, um dos promotores do novo movimento artístico.
Nos seus livros Uzanne cuidou de igual modo das encadernações, onde a seda lavrada se combina com a fina pele gravada a ouro, da composição de cada página, da forma, por vezes luxuriante, do texto e as ilustrações se conjugam e da textura do papel, cuidadosamente escolhido.
Cada livro é assim o resultado de colaborações várias – com artistas como Paul Avril, e Félicien Rops, com ilustradores como Albert Robida, Albert Lynch e Adolphe Lalauze, e com impressores, gravadores e encadernadores – que o transfiguram num objeto de desejo para bibliófilos e colecionadores de obras de arte.
L’eventail, publicado em Paris em 1882, é um desses livros: profusamente ilustrado por Paul Avril (1843-1928) – autor de ilustrações para as obras Le péché véniel, de Balzac, e Salammbô, de Flaubert, por exemplo – é um estudo dedicado ao leque, um dos mais antigos acessórios do universo feminino, ao qual, aliás, Uzanne dedicou vários outros títulos, entre os quais se contam: L’ombrelle; Le gant; Le manchon, também ilustrado por Paul Avril (1883), Son altesse la femme, com ilustrações de Henri Gervex (1885), La femme et la mode: métamorphoses de la parisienne de 1792 à 1892, com mais de 160 desenhos inéditos do pintor e ilustrador francês Albert Lynch (que ilustrou, por exemplo, Le père Goriot de Balzac e La dame aux camélias de Alexandre Dumas filho), e Emile Mas, e um frontispício do pintor e ilustrador belga Félicien Rops (1892), Les modes de Paris: variations du goût et de l’esthétique de la femme 1797-1897 com François Courboin, gravador e historiador da gravura.
Sabendo-se que os livros foram companheiros sempre presentes na vida de Calouste Gulbenkian, tanto como objetos de deleite e fruição estética, como instrumentos de estudo e de trabalho, é sem surpresa que encontramos na sua biblioteca particular treze obras da autoria de Octave Uzanne, que hoje integram o acervo da Biblioteca de Arte.
Obras da Biblioteca
Uma seleção de livros e revistas, fotografias, catálogos de exposições e outros documentos cujos temas se relacionam com a história da arte, as artes visuais modernas e contemporâneas, a arquitetura, a fotografia e o design portugueses.