Cartas Portuguesas de João Guilherme Ripper
Orquestra Gulbenkian
Hannu Lintu Maestro
Carla Caramujo Soprano
Jorge Takla Encenação
Otelo Lapa Reposição da Encenação em Lisboa
Fábio Namatame Figurinos
João Cachulo Desenho de Luz
Claire Santos Soprano (Coro Gulbenkian)
Maria José Conceição Soprano (Coro Gulbenkian)
Sara Afonso Soprano (Coro Gulbenkian)
Ricardo Junceiro Aderecista
Joana Cornelsen Maquilhagem e Cabelos
Inês Poeira Assistente de Guarda-Roupa
Inês Mesquita Pianista correpetidora
João Guilherme Ripper (n. 1959)
Cartas Portuguesas *
Monodrama para soprano e orquestra
Libreto de João Guilherme Ripper baseado no livro Cartas Portuguesas, no rito latino e na poesia de Rodrigues Lobo (1580-1622).
Espaço cénico baseado no original de Nicolas Boni.
Encomenda conjunta da Orquestra Sinfónica de São Paulo e da Fundação Calouste Gulbenkian.
Composição: 2019-2020
Estreia: São Paulo, 28 de agosto de 2020
Duração: c. 40 min.
Foi em 2016 quando pela primeira vez ouvi falar nas Cartas Portuguesas. Encontrava-me na cidade alentejana de Serpa para acompanhar a montagem da minha ópera Onheama, produzida pelo Teatro Nacional de São Carlos de Lisboa para o festival Terras Sem Sombra. José António Falcão, Diretor do FTSS e especialista no património artístico e cultural do Alentejo, recomendou-me que visitasse o famoso Convento de N. Sª. da Conceição, no município de Beja, que ficava a pouca distância dali. Falou-me de Soror Mariana Alcoforado (1640-1723), sua moradora mais famosa, que deixou registada em cinco cartas a ardente paixão pelo oficial francês Noël de Chamilly. Suas linhas acabaram publicadas em Paris no ano de 1669, sem autorização da remetente, sob o título “Lettres d’amour d’une religieuse Portugaise écrites au Chevalier de C. - Officier Francois en Portugal”.
A ideia de escrever uma ópera sobre o tema ficou em gestação durante dois anos, até que Arthur Nestrovski, Diretor Artístico da Orquestra Sinfónica de São Paulo, me encomendou uma obra para a temporada 2020 do projeto SP-LX, que reúne a OSESP e a Orquestra Gulbenkian de Lisboa. Creio que não passaram dez segundos entre o convite, a minha proposta de escrever Cartas Portuguesas e sua entusiasmada concordância. Conhecia a competência e paixão com que Arthur Nestrovski transita pela música e literatura, mas não sabia que ele havia sido o editor de Cartas Portuguesas na Coleção Lazuli, da Imago Editora, com retroversão de Marilene Felinto. Tudo conspirava a favor de Mariana Alcoforado.
Ao começar a escrever o libreto, logo notei que o caráter quase monotemático das cartas tornaria difícil o desenvolvimento do drama. Decidi, então, ampliar o foco, situando Mariana em sua vida conventual, dentro do contexto histórico e religioso da época. Introduzi outros textos e outras músicas como elementos de contraste às cartas para provocar no enredo o jogo de chiaroscuro tão caro ao Barroco: o rito latino da Liturgia das Horas, um trecho de Cântico dos cânticos e o gregoriano Veni Sancte Spiritus. Devo a Maria Silva Prado Lessa, minha enteada e especialista em literatura portuguesa, a descoberta do lindo poema Leanor, de Rodrigues Lobo (1580-1620), usado na ária em que Mariana recorda a infância.
Ao compor a música, lancei mão de diferentes linguagens harmónicas para conseguir a expressão dramática desejada, tendo sempre como norte a adequação do texto à prosódia, o contorno melódico e a tipologia vocal da solista. Estruturei a sucessão de recitativos e árias para que ocorressem sem interrupção, num fluxo musical contínuo que Wagner chamou de “a arte da transição”. Além de acompanhar a solista, a orquestra executa interlúdios instrumentais que retratam os sentimentos conflituantes da personagem e evocam a ambiência sonora do Convento de Beja.
Agradeço imensamente aos diretores Arthur Nestrovski e a Risto Nieminen o privilégio de estrear a obra com as fantásticas OSESP e Orquestra Gulbenkian. Cartas Portuguesas é uma ópera sobre a clausura, a solidão e o afastamento. Coincidentemente, estreou no momento em que muitos de nós estávamos isolados por causa da pandemia de Covid-19. Assim como Mariana Alcoforado, temos ainda de conviver sozinhos com emoções, conflitos e dramas dentro das quatro paredes de nossa alma.
João Guilherme Ripper