Uma Noite na Ópera

Orquestra Gulbenkian / Lorenzo Viotti

Uma gala de ópera pela Orquestra Gulbenkian sob a direção do maestro Lorenzo Viotti e a participação de quatro prestigiados solistas.
João Silva 15 jan 2021 108 min

Carmen, de Georges Bizet (1838-1875), é uma das óperas mais famosas da História. Estreada na Opéra Comique de Paris a 3 de março de 1875, rapidamente se tornou um sucesso internacional. O colorido orquestral e a encenação de uma história de amor passada numa Andaluzia exótica apaixonaram os melómanos. A Abertura tem um caráter rapsódico e integra algumas das melodias mais famosas da ópera. Nela, Bizet estiliza os ritmos e as melodias associados a Espanha, enfatizando-os através da orquestração. Um episódio enérgico, baseado na melodia que o coro interpretará antes da tourada no início do Ato IV, capta a atenção do ouvinte e marca o início da abertura. Segue-se uma das melodias mais famosas da ópera, o refrão da ária de Escamillo, o toureiro e rival do soldado-tornado-contrabandista Don José. A secção final baseia-se numa longa melodia sinuosa que evoca o destino trágico de Carmen e que contrasta com a atmosfera inicial pelo seu lirismo.

A Seguidilla é uma canção dançada da Andaluzia que é interpretada por Carmen quando esta se encontra presa, devido a uma altercação com uma colega da fábrica onde trabalhava. Com uma melodia sensual e sinuosa, Carmen seduz Don José e convence-o a deixá-la evadir-se, causando a desgraça do soldado que marcará o resto da ópera. O acompanhamento regular apoia o virtuosismo da intérprete e a cor local é evocada através da referência a elementos andaluzes, como a manzanilla.

“La fleur que tu m’avais jetée” tem um acompanhamento esparso, de forma a concentrar a atenção em Don José. Intervenções do oboé pontuam uma ária em que o antigo guarda recorda o período em que esteve preso. Nesse período, a flor que Carmen lhe atirou deu-lhe alento para suportar uma condição adversa. O lirismo e o virtuosismo dominam numa ária dominada pelas cordas, com longas linhas melódicas e resoluções diferidas.

“Votre toast, je peux vous le rendre” é uma ária de Escamillo, o matador rival de Don José, interpretada na estalagem de Lillias Pastia. A orquestra em massa acompanha a ária, acentuando o seu ritmo regular, que marca um momento que glorifica a tourada e alterna estrofes com o refrão, a famosa melodia associada ao Toreador.

Passando de Espanha vista por franceses, à Itália do final do século XIX, o Intermezzo de Cavalleria Rusticana, de Pietro Mascagni (1863-1945), é um dos trechos instrumentais mais conhecidos da ópera. Cavalleria Rusticana foi estreada em Roma a 17 de maio de 1890. A ópera resultou de um concurso promovido pela editora Sonzogno para jovens compositores italianos e tornou-se num momento emblemático do verismo, a abordagem italiana ao realismo. Assim, coloca em cena um drama passional passado na Sicília do século XIX. O Intermezzo é tocado num período de suspensão da ação dramática, no vazio da praça da aldeia enquanto a população se encontra na missa. As longas melodias curvilíneas protagonizadas pelas cordas e por um solo de oboé são sustentadas por um acompanhamento regular. Esse melodismo destaca-se num momento de intensa expressividade que é, frequentemente, apresentando em salas de concerto.

Tosca, de Giacomo Puccini (1858-1924), é um exemplo da mestria do compositor em conciliar a vocalidade expressiva da ópera italiana com a condução da ação dramática e uma escrita orquestral sofisticada. Baseada no drama histórico La Tosca, do francês Victorien Sardou, estreou em Roma a 14 de janeiro de 1900. A ação da ópera desenrola-se nessa cidade em 1800, quando Roma é ocupada por tropas do Reino de Nápoles após a retirada de Napoleão Bonaparte. A cantora Tosca e o pintor Mario Cavaradossi, de inclinações liberais, vivem um grande e trágico romance que acaba na morte de ambos.

“Recondita armonia” é uma romanza virtuosística no seu lirismo expressivo, interpretada por Cavaradossi na Basílica de Sant’Andrea della Valle enquanto pinta um retrato de Maria Madalena. Então, Cavaradossi faz o contraste da compleição de Maria Madalena com Tosca, num momento de arrebatamento apaixonado.

“Mario! Mario!” é um dueto entre Cavaradossi e Tosca na basílica. A semelhança do retrato com a Marquesa Attavanti alimenta o ciúme e a desconfiança de Tosca, que Puccini traduz numa abordagem altamente contrastante que enfatiza a continuidade dramática e retrata o estado interior dos personagens.

Andrea Chénier é a ópera mais conhecida de Umberto Giordano (1867-1948), compositor associado ao verismo. Estreada em Milão a 28 de março de 1896, consiste numa abordagem realista a um drama histórico passado no período tumultuoso da Revolução Francesa. Nela, retrata-se o processo movido ao poeta Andrea Chénier, misturando-o com um drama passional.

“Nemico della patria” é uma ária de Carlo Gérard, mordomo da Condessa de Coigny, cantada no tribunal revolucionário. Gérard encontrava-se preso num amor não correspondido por Maddalena, filha da condessa, que amava Andrea. A ária enumera os crimes perpetrados por Andrea e as duas secções da ária representam a ambivalência de Gérard. O julgamento de Andrea atrairia Maddalena e uma condenação facilitaria a vingança do mordomo. Contudo, Gérard sacrificaria os seus ideais em proveito próprio.

“Carlo Gérard?” é um momento intenso protagonizado por Gérard e Maddalena. O diálogo recitado em que Maddalena se oferece a Gérard em troca da vida de Andrea é tratado por Giordano de forma magistral.

Em “La mamma morta,” Maddalena evoca a imagem da morte da Condessa, sua mãe, enquanto a protegia no tumulto revolucionário. Esta ária bipartida contrapõe o lirismo estático da primeira secção a momentos mais cinéticos na segunda.

O Romantismo desenvolveu-se no Império Russo de forma muito particular. Evgeni Onegin, de Piotr Ilitch Tchaikovsky (1840-1893), é uma ópera baseada no romance homónimo de Pushkin sobre uma trágica história de amor. Escrita em maio de 1877, foi estreada no início do ano seguinte. Os bailes eram o grande entretenimento da aristocracia europeia e danças como a polonaise faziam parte do seu quotidiano. O terceiro ato de Evgeni Onegin começa com um evento desse género onde Onegin reencontra a sua amada Tatyana, agora casada, após anos de viagem. Para conferir realismo à cena, Tchaikovsky escreveu uma polonaise, dança que gozava de grande popularidade no Império. Uma fanfarra prepara a dança regular e periódica e reaparece interpolando momentos líricos da polonaise.

A ópera A Donzela de Orleães foi inspirada na tradução russa da tragédia homónima de Friedrich Schiller, que conta a história de Joana d’Arc. Terminada em 1879 e revista em 1882, contém momentos como “Da, chas Nastal!” (“Sim, chegou a hora”), interpretada quando Joana se despede da terra natal para combater os ingleses. A trompa evoca o idílio campestre, numa representação dramática da nostalgia que alterna momentos recitados com grandes linhas melódicas.

Iolanta foi a última ópera escrita por Tchaikovsky e romantiza um episódio possivelmente imaginado da vida da princesa Iolanda de Bar. Composta em 1891 e estreada no ano seguinte, a ópera gira em torno da cegueira da protagonista e do seu casamento. A ária de Robert, Duque de Borgonha, é um momento sentimental que encarna a paixão que este nutre pela Condessa Matilde e o faz evitar o casamento com Iolanda.

Marfa é um personagem com poderes divinatórios da ópera Khovanchtchina, de Modest Mussorgsky (1839-1881). Apesar do compositor se ter dedicado à sua composição entre 1872 e 1878, e, aturadamente, nos últimos meses de vida, a obra permaneceu incompleta. Rimsky-Korsakov terminou-a e estreou-a em 1886. O enredo gira em torno de uma crise dinástica na Rússia do século XVII, caracterizada pela dualidade entre o velho e o novo. Orquestrada em 1879, coloca o personagem interpretando uma ária tensa, em que o legato e a projeção vocal interpelam diretamente o ouvinte, ao mesmo tempo que o embalam. Trata-se de um arranjo de uma melodia tradicional que remete para o núcleo da identidade russa e reforça a associação de Marfa ao lado conservador do ritual no cisma religioso da Igreja Ortodoxa que serve como pano de fundo da ópera.

Sergei Rachmaninov (1873-1943) é um dos maiores expoentes do tardo-Romantismo. Pianista virtuoso, destacou-se compondo para o seu instrumento. “Zdes’ khorosho!” (“Como tudo aqui é belo!”) pertence a um ciclo de doze canções escrito em 1902. Nessa época, Rachmaninov atravessava uma depressão resultante do insucesso da sua 1.ª Sinfonia. A canção, com um poema de Glafira Adol’fovna Galina, é uma miniatura que versa a beleza de uma paisagem campestre. O registo cantável é o veículo através do qual as longas melodias em arco, tão características do estilo de Rachmaninov, são expostas.

Candide, de Leonard Bernstein (1918-1990), é uma apropriação criativa da novela homónima de Voltaire, escrita no século XVIII, através dos ouvidos de um compositor americano. Escrita em 1956, a sua orquestração foi um trabalho coletivo entre Bernstein e Hershy Kay. Em Candide, personagens caricaturais viajam pelo mundo e, como a ação atravessa diversos continentes, Bernstein recorre à música popular para localizar momentos da obra. “I am easily assimilated” é interpretada pela Old Lady, personagem que funciona como pau-de-cabeleira de Cunegonde, a protagonista. Como a ação se passa em Buenos Aires, o compositor escreveu um tango, acentuado de forma quase grotesca para enfatizar o cómico da situação.

Enrique Granados (1867-1916) foi um dos compositores espanhóis mais destacados na transição do século XIX para o século XX. Inspirado no património musical e pictórico espanhol, escreveu as Goyescas, suite para piano inspirada em Francisco Goya, artista visual que imortalizou as tradições locais. Contudo, estas não retratam obras em particular, mas a atmosfera da pintura de Goya em geral. “Quejas, o La Maja y el ruiseñor” pertence ao primeiro caderno das Goyescas, escrito entre 1909 e 1911. Posteriormente, o maestro Ernest Schelling, amigo de Granados, arranjou a peça para orquestra. A obra encontra-se numa textura de noturno em que a melodia é variada sucessivamente. Baseada numa canção tradicional de Valência, a melodia cantável do início representa o lamento de uma donzela, ao qual se segue a emulação do canto do rouxinol através de trilos, arpejos e notas ornamentais. A sua melodia principal inspirou a cantora e compositora mexicana Consuelo Velásquez a escrever o bolero Besame mucho em 1940, um dos grandes sucessos da música popular centro-americana.

Agustín Lara (1897-1970) foi um destacado compositor mexicano, muito associado à disseminação da música latino-americana no Período Entre-Guerras. Curiosamente, algumas das suas canções mais conhecidas evocam Espanha. Tal é o caso de Granada, escrita em 1932. De acordo com as memórias do tenor português Luís Piçarra, Lara ofereceu-lhe a canção enquanto ambos se encontravam no Brasil. A letra de Granada aborda os ciganos, a tourada, os mouros e o culto à Virgem Morena, localizando a narrativa nessa cidade. Uma introdução lenta e cheia de cor local antecipa uma canção viva com passagens virtuosísticas.


Intérpretes

  • Maestro
  • Soprano
  • Meio-Soprano
  • Tenor
  • Barítono

Programa

Georges Bizet

Carmen: Abertura
Seguidilla
“La fleur que tu m’avais jetée”
“Votre toast, je peux vous le rendre”

Pietro Mascagni

Cavalleria Rusticana: Intermezzo

Giacomo Puccini

Tosca: “Recondita armonia”
“Mario! Mario!”

Umberto Giordano

Andrea Chénier: “Nemico della patria”
“Carlo Gérard?”
“La mamma morta”

Piotr Ilitch Tchaikovsky

Evgeni Onegin: Polonaise
A Donzela de Orleães: “Da, chas Nastal!”
Iolanta: Ária de Robert

Modest Mussorgsky / Nikolai Rimsky-Korsakov

Khovanchtchina: Ária de Marfa

Sergei Rachmaninov

Zdes’ khorosho… (Como tudo aqui é belo…), op. 21 nº 7
“La fleur que tu m’avais jetée”
“Votre toast, je peux vous le rendre”

Enrique Granados

Goyescas: Quejas, o La Maja y el Ruiseñor

Leonard Bernstein

Candide: “I am easily assimilated”

Agustín Lara

Granada

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