Mozart: Requiem

Coro e Orquestra Gulbenkian / Risto Joost

Sob a direção do maestro Risto Joost, o Coro e a Orquestra Gulbenkian interpretam o intemporal "Requiem" de Wolfgang Amadeus Mozart.
Rui Cabral Lopes 24 mar 2023 52 min

O Requiem de W. A. Mozart situa-se na continuidade de uma tradição centenária de tratamento polifónico das rúbricas da Missa pro defunctis, tradição essa que remonta à Renascença. Esta missa plenária assumia parte fulcral no Rito Católico Romano, sendo associada, por norma, às exéquias de personalidades socialmente destacadas, como aristocratas ou membros da realeza. Na sua versão, deixada incompleta à data da morte, Mozart combinou toda a carga dramática dos textos latinos de origem medieval com os padrões vocais e instrumentais em uso na época, do que resultou um monumento sonoro de beleza invulgar.

Sabe-se hoje, graças às aturadas pesquisas do musicólogo austríaco Otto Erich Deutsch, que a obra foi encomendada pelo conde Franz von Walsegg-Stuppach, frequentador assíduo dos círculos da maçonaria livre em Viena. A esposa do conde falecera a 14 de fevereiro de 1791, com apenas vinte anos de idade, tendo o nobre querido expressar uma homenagem póstuma com expressão litúrgica e musical. Para tal, em meados de julho do mesmo ano, enviou um mensageiro a casa de Mozart, o qual comunicou o prazo de execução exigido e um adiantamento de honorários. O compositor e a sua família viam-se, na altura, a braços com uma série de dificuldades financeiras, pelo que a tarefa foi aceite, muito embora o seu início efetivo só tenha vindo a ocorrer em outubro de 1791, após a estreia, em Praga, da ópera La clemenza di Tito. Afligido por febres e inchaços, o compositor não logrou, contudo, concluir o Requiem nos cerca de dois meses de vida que lhe restavam. À data da sua morte, deixara o Introito e o essencial do Kyrie, legando também as partes vocais completas das cinco primeiras estrofes da Sequência Dies irae e do Ofertório Domine Jesu Christe, assim como os respetivos baixos instrumentais e as células motívicas preponderantes da restante instrumentação. Da derradeira secção da Sequência, Lacrimosa, Mozart escreveu apenas os oito primeiros compassos, antes de renunciar definitivamente à pena. Foi Constanze Mozart (1762-1842), ciente das obrigações do recém-falecido marido, que tomou a iniciativa de contactar alguns dos seus discípulos mais próximos, no sentido de lhes propor a conclusão da obra. O desafio foi aceite por F. X. Süssmayr (1766-1803), o qual principiou por completar a estrofe Lacrimosa, prosseguindo com a composição do Sanctus e do Agnus Dei, presumivelmente a partir de esboços fornecidos por Constanze, mas que não subsistiram até aos nossos dias. Quanto à última rubrica, Communio, foi igualmente trabalhada por Süssmayr a partir da reutilização de secções substanciais do Introito e do Kyrie. No início de dezembro de 1793, foi entregue uma cópia ao conde Walstegg, honrando-se o compromisso inicialmente assumido por Mozart.

Os primeiros compassos desvelam, desde logo, as angústias e as incertezas do ser humano perante a morte, com o passo lento e cadenciado das cordas, em contratempo, a servir de apoio às sonoridades veladas dos fagotes e dos cors de basset. Os trombones, trompetes e timbales reforçam a cadência que conduz à entrada fugada das vozes, com especial gravidade de expressão. O tom premonitório do Introito é, de alguma forma, prolongado no Kyrie, majestoso enunciado contrapontístico inspirado nos modelos da fuga barroca, dos quais Mozart tomara conhecimento através da biblioteca do Barão Gottfried van Swieten. A sequência Dies irae, dies illa constitui, per se, uma das páginas mais carismáticas de toda a literatura vocal europeia, dela emanando um pathos ao mesmo tempo grandioso e aterrador, marcado pelas múltiplas referências ao final dos tempos, aos pecados da humanidade e à expectável punição divina. O discurso idiomático dos instrumentos vai-se adaptando, com notável sensibilidade, aos múltiplos significados das estrofes latinas, seja ao anúncio do julgamento final de Tuba mirum, seja à súplica fremente de Confutatis maledictis, seja ainda à prodigiosa evocação de Lacrimosa dies illa. Todas as forças vocais e instrumentais confluem para imergir o ouvinte nos quadros derradeiros do apocalipse final. Após a Sequência tem lugar o Ofertório, Domine Jesu Christe, visando a edificação moral do crente, frente à tentação e ao pecado que se atravessam no seu caminho. Na tonalidade serena de Mi bemol maior, o verso Hostias et preces tibi, Domine imprime um sentido mais dinâmico ao discurso musical, a partir da métrica ternária e das figurações sincopadas das cordas. Os dois últimos andamentos do Requiem foram, como se disse, compostos de raiz por Süssmayr, não se sabendo a medida exata da inspiração mozartiana. Apesar de tudo, tornam-se bem claros os esforços para emular o estilo musical e as atmosferas dramáticas dos andamentos anteriores, em particular na Communio final.


Intérpretes

  • Maestro
  • Soprano
  • Meio-Soprano
  • Tenor
  • Baixo-Barítono

Programa

Wolfgang Amadeus Mozart

Requiem, K. 626

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