Mozart: Concerto para Piano n.º 20
Orquestra Gulbenkian / Risto Joost / Raúl da Costa
No início de fevereiro de 1785, Mozart finalizava, em Viena, o Concerto para Piano e Orquestra n.º 20, obra-prima do seu legado concertante, influenciada pelo coevo Sturm und Drang. Somente à luz deste movimento literário se pode, de resto, atribuir pleno significado ao dramatismo intenso da secção introdutória do Concerto n.º 20 e à invocação constante de sentimentos interiores, enevoados, muitas vezes, por inquietações e angústias.
No primeiro andamento, o pathos denso e lúgubre da introdução lenta preludia a entrada do solista com o primeiro tema, em gesto ascendente e pausado, qual interrogação existencial talhada não apenas pela incerteza ante as contrariedades, mas também pela esperança na resolução dos problemas e conflitos. Os vivos ritornelos orquestrais agudizam a essência da dialética, a qual pressupõe um plano filosófico e de reflexão existencial que alimenta o fluir das ideias musicais. Neste sentido, podem aqui vislumbrar-se traços da mentalidade romântica, os quais viriam a ser invocados, mais tarde, pelo compositor e crítico E. T. A. Hoffmann (1776-1822). O segundo tema desta forma de sonata de primeiro andamento traz consigo a serenidade e a paz. O ritornelo que se segue retoma o material do início do andamento, antes de o solista trazer de novo à textura o segundo tema, processado, a partir de agora, em torrentes melódicas e rítmicas alargadas, já no âmbito do desenvolvimento. No termo da recapitulação, o solista tem espaço criativo para a cadência final, de acordo com a convenção seguida na época.
O segundo andamento prossegue a mesma linha intimista, dominada pela melopeia aparentemente ingénua do piano, a qual, aos poucos, vai desvendando os recantos mais escondidos da alma humana, sob a moldura expressiva das cordas. Este refrão alterna com episódios intermédios, num contínuo que não deixa de fazer sentir, a dado momento, as brumas inquietantes do primeiro andamento. Contudo, o tema apaziguador do solista prevalece nos últimos compassos.
O Rondo final impõe renovada vivacidade ao discurso musical, envolvendo solista e orquestra num crescendo de tensões com abundantes indicações de dinâmica. As interações entre o piano e a orquestra anunciam uma nova forma de encarar o género concertante: como um jogo de forças antagónicas em que o virtuosismo técnico do solista passa a desempenhar um papel decisivo. Também deste ponto de vista se prefiguram na obra as tendências iminentes do Romantismo musical.
Intérpretes
- Maestro
- Piano
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Orquestra Gulbenkian
Em 1962 a Fundação Calouste Gulbenkian decidiu estabelecer um agrupamento orquestral permanente. No início constituído apenas por doze elementos, foi originalmente designado por Orquestra de Câmara Gulbenkian. Ao longo de sessenta anos de atividade, a Orquestra Gulbenkian (denominação adotada desde 1971) foi sendo progressivamente alargada, contando hoje com um efetivo de cerca de sessenta instrumentistas, que pode ser expandido de acordo com as exigências de cada programa. Esta constituição permite à Orquestra Gulbenkian interpretar um amplo repertório, do Barroco até à música contemporânea. Obras pertencentes ao repertório corrente das grandes formações sinfónicas podem também ser interpretadas pela Orquestra Gulbenkian em versões mais próximas dos efetivos orquestrais para que foram originalmente concebidas, no que respeita ao equilíbrio da respetiva arquitetura sonora.
Em cada temporada, a Orquestra Gulbenkian realiza uma série regular de concertos no Grande Auditório, em Lisboa, em cujo âmbito colabora com os maiores nomes do mundo da música, nomeadamente maestros e solistas. Atua também com regularidade noutros palcos nacionais, cumprindo desta forma uma significativa função descentralizadora. No plano internacional, a Orquestra Gulbenkian foi ampliando gradualmente a sua atividade, tendo efetuado digressões na Europa, na Ásia, em África e nas Américas. No plano discográfico, o nome da Orquestra Gulbenkian encontra-se associado às editoras Philips, Deutsche Grammophon, Hyperion, Teldec, Erato, Adès, Nimbus, Lyrinx, Naïve e Pentatone, entre outras, tendo esta sua atividade sido distinguida, desde muito cedo, com diversos prémios internacionais de grande prestígio. O finlandês Hannu Lintu é o Maestro Titular da Orquestra Gulbenkian, sucedendo a Lorenzo Viotti.
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Risto Joost
Maestro
É reconhecida a versatilidade do maestro estónio Risto Joost nos domínios do concerto e da ópera. Ocupou posições relevantes como Maestro Principal da Orquestra de Câmara de Tallinn e Diretor Artístico do Coro da Rádio MDR de Leipzig. Desde 2020/21, é Diretor Artístico e Maestro Principal do Teatro Vanemuinel, em Tartu, na Estónia.
Como maestro convidado, Risto Joost dirigiu a Filarmónica de Helsínquia, a Filarmónica de Bergen, a Orquestra da Ópera Norueguesa, a Filarmónica de Tampere, a Tapiola Sinfonietta, a Sinfónica de Trondheim, a Filarmónica dos Países Baixos, a Filarmónica de Dortmund, a Württembergisches Kammerorchester Heilbronn, a Sinfónica da Rádio de Praga, a Filarmónica Janáček, a Filarmónica de Brno, a Orquestra de Câmara de Lausanne, a Orquestra de Câmara dos Países Baixos, a Orquestra do Teatro La Fenice, a Sinfónica Nacional da Letónia e a Sinfónica Nacional da Estónia, entre outras orquestras. Além disso, colaborou com o RIAS Kammerchor, o SWR Vokalensemble, o Coro da Rádio de Berlim, o Coro da Rádio Sueca e o Coro de Câmara Filarmónico da Estónia. No domínio da ópera, dirigiu mais de vinte estreias.
A discografia de Risto Joost inclui três álbuns (Ondine) dedicados ao compositor estónio Tõnu Korvits: You are Light and Morning, com a Orquestra de Câmara de Tallinn e o Coro de Câmara Filarmónico da Estónia; Hymns to the Nordic Lights, com a Sinfónica Nacional da Estónia; e Moorland Elegies. Gravou também obras de J. Haydn, Peeter Vähi e Arvo Pärt.
Pelas suas atividades artísticas na Estónia e no estrangeiro, Risto Joost foi distinguido no seu país com o Prémio de Música (2016) e com o Prémio Jovem Figura Cultural da República da Estónia (2011). Foi também premiado nos concursos de direção Malko (2015) e Jorma Panula (2012).
Risto Joost estudou na Academia de Música da Estónia e na Universität für Musik und darstellende Kunst Wien. Em 2008 concluiu uma pós-graduação em direção de orquestra, com Jorma Panula, no Royal College of Music, em Estocolmo. Em 1999 fundou o coro de câmara Voces Musicales/Voces Tallinn, na Estónia. Foi Diretor Artístico do Birgitta Festival Tallinn, em 2017 e 2018.
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Raúl da Costa
Piano
Pianista premiado em diversos concursos nacionais e internacionais, Raúl da Costa recebeu, em 2016, o 1.º prémio e todos os prémios especiais do concurso internacional ZF-Musikpreis. Desde muito novo é presença recorrente nas salas portuguesas mais emblemáticas, salientando-se também o sucesso obtido em festivais internacionais de música e em muitos outros palcos da Europa, dos E.U.A. e da Ásia.
Raúl da Costa nasceu na Póvoa de Varzim em 1993, cidade onde iniciou os seus estudos musicais aos sete anos de idade com Luís Amaro de Oliveira e Emília Coelho. Na Academia de Música S. Pio X, em Vila do Conde, estudou com Álvaro Teixeira Lopes. Em 2011 ingressou na Hochschule für Musik, Theater und Medien, em Hanôver, onde estudou com o reconhecido professor e pedagogo Karl-Heinz Kämmerling, e ainda com Bernd Goetzke. Trabalhou também com Kirill Gerstein na Hochschule für Musik Hanns Eisler. Foi bolseiro da Yamaha Musical Foundation of Europe, da Yehudi Menuhin Live Music Now Foundation e da Fundação Calouste Gulbenkian.
Com um vasto repertório, que se estende de Bach a Zimmerman, a música de câmara sempre ocupou um lugar importante na sua carreira, nomeadamente as colaborações com Christoph Poppen, Juliane Banse, Bruno Monsaingeon, Valeriy Sokolov e Matvey Demin. Apresentou, em estreia absoluta, obras de Luiz Costa, Fernando Lopes-Graça, Eduardo Patriarca e Amílcar Vasques-Dias. Aos 12 anos de idade estreou-se com orquestra na Casa da Música. Desde então, colaborou com maestros como Theodore Kuchar, Antonio Pirolli, Joseph Swensen, Stefan Blunier, Martin Andre, Vladimir Lande, Vitaliy Protasov e Raphaël Oleg, e com orquestras como a Sinfónica do Porto Casa da Música, a Orquestra Gulbenkian, a Filarmónica Janáček, a Filarmónica Portuguesa, a Sinfónica do Estado da Sibéria e a Sinfónica de Antalyia.
A sua interpretação do Concerto para Piano n.º 4 de Rachmaninov foi editada em CD, com a Orquestra Sinfónica do Porto, sob a direção de Stephan Blunier. As suas gravações ao vivo foram difundidas em diversas rádios europeias como NDR, SWR, Deutschlandfunk, Radio France e RTP - Antena 2. Em 2018 assumiu o cargo de Diretor Artístico do Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim.
Programa
Wolfgang Amadeus Mozart
Concerto para Piano e Orquestra n.º 20, em Ré menor, K. 466