Mahler: Sinfonia n.º 4
Orquestra Gulbenkian / Gábor Káli
Concluída a 6 de agosto de 1900, a Sinfonia n.º 4 de Mahler posiciona-se como um interface do legado sinfónico do compositor: se, por um lado, incorpora novas ideias do fin-de-siècle, por outro lado estabelece uma síntese da tradição sinfónica europeia anterior, quer nos aspetos formais, quer estilísticos.
São três os temas presentes na exposição do primeiro andamento, Bedächtig, nicht eilen (“Circunspeto, calmo”): o primeiro com perfil angulado; o segundo mais poético, encetado pelo expressivo intervalo de sexta maior; e o último de caráter dançante, na mesma tonalidade. Outra alusão à tradição surge no curso do segundo andamento, In gemächlicher Bewegung. Ohne Hast (“Moderado. Sem pressa”). Mahler leva aqui a efeito a representação musical de um dos temas favoritos da pintura germânica dos séculos XVII e XVIII: a tenebrosa “Dança da Morte”. O protagonista deste quadro, à vez inquietante e irónico, é o violino solo, executado em scordatura como que a imitar o fiedel medieval, tal como aparece nas lendas germânicas, tocado pelo ancestral demónio, Freund Hain. O terceiro andamento mostra uma faceta lamentosa, com a indicação Ruhevoll (“Tranquilo”), por vezes emudecida por laivos de lirismo inflamado. Recorrendo a processos de variação, também eles tributários do passado, o compositor faz suceder duas secções distintas, de grande envergadura, após o que tem lugar a coda final.
No derradeiro andamento, Sehr behaglich (“Muito agradável”), Mahler preconiza a estratégia que haveria de seguir no ciclo intitulado A Canção da Terra (1908-1909), aliando a voz solista à orquestra. O ponto de partida para a sua inspiração foi um Lied provindo do ciclo Des Knaben Wunderhorn (1892-1899), no qual uma criança descreve a sua visão do paraíso (Das himmlische Leben). Reformulando os planos sonoros do primeiro andamento, o músico desvela aqui uma essência rica em significados, fruto do cruzamento da poesia tradicional com as sonoridades poderosas da orquestra.
Intérpretes
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Orquestra Gulbenkian
Em 1962 a Fundação Calouste Gulbenkian decidiu estabelecer um agrupamento orquestral permanente. No início constituído apenas por doze elementos, foi originalmente designado por Orquestra de Câmara Gulbenkian. Ao longo de sessenta anos de atividade, a Orquestra Gulbenkian (denominação adotada desde 1971) foi sendo progressivamente alargada, contando hoje com um efetivo de cerca de sessenta instrumentistas, que pode ser expandido de acordo com as exigências de cada programa. Esta constituição permite à Orquestra Gulbenkian interpretar um amplo repertório, do Barroco até à música contemporânea. Obras pertencentes ao repertório corrente das grandes formações sinfónicas podem também ser interpretadas pela Orquestra Gulbenkian em versões mais próximas dos efetivos orquestrais para que foram originalmente concebidas, no que respeita ao equilíbrio da respetiva arquitetura sonora.
Em cada temporada, a Orquestra Gulbenkian realiza uma série regular de concertos no Grande Auditório, em Lisboa, em cujo âmbito colabora com os maiores nomes do mundo da música, nomeadamente maestros e solistas. Atua também com regularidade noutros palcos nacionais, cumprindo desta forma uma significativa função descentralizadora. No plano internacional, a Orquestra Gulbenkian foi ampliando gradualmente a sua atividade, tendo efetuado digressões na Europa, na Ásia, em África e nas Américas. No plano discográfico, o nome da Orquestra Gulbenkian encontra-se associado às editoras Philips, Deutsche Grammophon, Hyperion, Teldec, Erato, Adès, Nimbus, Lyrinx, Naïve e Pentatone, entre outras, tendo esta sua atividade sido distinguida, desde muito cedo, com diversos prémios internacionais de grande prestígio. O finlandês Hannu Lintu é o Maestro Titular da Orquestra Gulbenkian, sucedendo a Lorenzo Viotti.
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Gábor Káli
Maestro
Em abril de 2019, o maestro húngaro Gábor Káli substituiu Iván Fischer, com grande sucesso, à frente da Orquestra do Festival de Budapeste. Recebeu os maiores elogios da crítica e foi efusivamente ovacionado em cidades e auditórios como Budapeste, Elbphilharmonie de Hamburgo, Philharmonie de Paris e Philharmonie Luxemburg, destacando-se como um dos mais promissores maestros da sua geração.
Ao longo da temporada 2022/23, a sua experiência no domínio da ópera leva-o a apresentar-se na Bayerische Staatsoper (A Noiva Vendida de Smetana), na Semperoper Dresden (A flauta mágica) e na Ópera de Graz (Madama Butterfly). Para além da Orquestra Gulbenkian, no domínio orquestral, destacam-se atuações com a Filarmónica de Londres, a Orquestra de Câmara de Lausanne, a Sinfónica de Bournemouth, a Filarmónica Nacional Húngara ou a Filarmónica Janáček (Ostrava).
Atuações recentes incluíram a Orquestra de Paris, a Sinfónica de Viena, a Sinfónica MDR de Leipzig, a Orquestra Nacional do Capitólio de Toulouse, a Sinfónica de Singapura, a Sinfónica da Rádio Nacional Polaca, a Orquestra Nacional de Lille, a Filarmónica de Istambul, a Orquestra de Câmara Escocesa, a Orquestra de Câmara Irlandesa, a Kölner Kammerorchester, a Hong Kong Sinfonietta, a Staatsorchester Stuttgart, a Philharmonie Zuidnederland, a Filarmónica Eslovaca e a Sinfónica Nacional de Taiwan. No verão de 2019 apresentou-se no Festival de Salzburgo com a Orquestra Sinfónica da Rádio de Viena.
Músico de grande capacidade e versatilidade, Gábor Káli dirige regularmente obras contemporâneas e estreias absolutas. É muito apreciado e solicitado pelo seu profundo conhecimento das obras de Béla Bartók, o que o levou a dirigir a Orquestra do Festival de Budapeste em digressão.
Em 2018 recebeu o prestigioso Nestlé and Salzburg Festival Young Conductors Award. No mesmo ano, venceu o Concurso Internacional de Direção de Orquestra de Hong Kong. Em 2015 assumiu as funções de Kapellmeister e Diretor Musical Assistente do Nürnberg Staatstheater, onde dirigiu Wozzeck de Berg, La bohème de Puccini, Da Casa dos Mortos de Janáček, Os Pescadores de Pérolas de Bizet, Arabella de R. Strauss e Otello de Verdi.
Gábor Káli estudou piano e direção na Academia de Música Franz Liszt, em Budapeste. No Fórum de Maestros do Conselho Alemão da Música, participou em masterclasses de Kurt Masur, Colin Metters e Sian Edwards. Recebeu também formação de Péter Eötvös, Bernard Haitink e David Zinman.
Programa
Gustav Mahler
Sinfonia n.º 4, em Sol maior
1. Bedächtig, nicht eilen (Circunspecto, calmo)
2. In gemächlicher Bewegung. Ohne Hast (Moderado. Sem pressa)
3. Ruhevoll (Tranquilo)
4. Sehr behaglich (Muito agradável)