Holst: Os Planetas
Orquestra Gulbenkian / Giancarlo Guerrero
Entre os compositores ingleses que atingiram a maturidade criativa até à Primeira Guerra Mundial destacam-se os nomes de Ralph Vaughan Williams e Gustav Holst. Separados por apenas dois anos de idade, os dois músicos ingressaram no Royal College of Music de Londres, tendo-se conhecido nessa instituição, no ano de 1895. A fervilhante propensão criativa e a partilha de experiências cimentaram uma amizade que perdurou ao longo da vida. A música de Holst, tal como a de Vaughan Williams, reflete o interesse pela música tradicional e pela polifonia antiga, muito embora tenha sido também inspirada por influências extraeuropeias, designadamente dos vedas e do sânscrito indianos. Autor de uma extensa produção musical que engloba a música de cena, a ópera, a música coral e sinfónica, a música de câmara e a canção para voz e piano, Holst ficou conhecido, acima de tudo, pela suite orquestral intitulada The Planets, composta entre 1914 e 1916. Trata-se de uma suite orquestral de grande escala, constituída por sete andamentos distintos que representam as qualidades astrológicas que o imaginário tradicional atribuiu aos sete planetas que eram conhecidos à data da composição, com a exceção notória da Terra (a qual Holst pôs de parte por ser o centro da observação cósmica). Bastante influenciada pelos ecos de um modernismo latente, patentes, por exemplo, no recurso a métricas irregulares, The Planets pode conceber-se como um extenso fresco orquestral, iluminado por ideais difusos de conceção programática, herdados do Romantismo.
Marte, o que traz a guerra, inaugura a partitura, com rasgos de aviso nos metais, premonitórios de conflito, fazendo lembrar que todas as guerras da história da humanidade sempre se viram condicionadas, de algum modo, pelo alinhamento dos astros. A este quadro de agitação intempestiva, Holst faz suceder o planeta Vénus, a que traz a paz, estabelecendo marcado contraste. Após a evocativa entrada, em que as trompas alteram com as flautas, oboés e clarinetes, as cordas tecem uma atmosfera serena, de natureza sonhadora e com vago recorte oriental, trazido pela matriz pentatónica dos motivos melódicos. Mercúrio, o mensageiro alado, desempenha um papel análogo ao do scherzo tradicional, evocando a verve feérica de Sonho de uma Noite de Verão de Mendelssohn. Destacam-se, especialmente, as sonoridades da flauta e da celesta na construção desta torre de fantasias sonoras. Por sua vez, Júpiter, o que traz a alegria, expande o leque de referências à tradição musical europeia, introduzindo uma textura vibrante, tributária das danças populares. O momento alto do andamento surge mais à frente, quando os violoncelos entoam a expressiva melodia que quase configura um hino celebrativo, desprovido de texto. Segue-se Saturno, o que traz a velhice, caracterizado por uma longa introdução com caráter sombrio, apoiada em ostinatos simples das harpas e das madeiras. Os metais encetam depois uma secção em estilo de coral que, na verdade, constitui um prelúdio, em crescendo, para a imponente marcha liderada pelos trompetes, com o apoio do tutti orquestral. Um último aceno aos anos portentosos de maturidade, antes do regresso à calma e ao recolhimento. O penúltimo andamento, Urano, o mágico, faz soar um motivo constituído por quatro notas, nas partes dos trompetes, trombones e tubas, o qual desempenha um papel de fundo da unificação musical do andamento. Segue-se breve secção de marcha protagonizada pelos fagotes, vagamente reminiscente da marcha fúnebre da Sinfonia Fantástica de Hector Berlioz. O discurso torna-se depois mais expansivo, contando com seções agitadas de tutti que alteram com citações da anterior marcha fúnebre. No final do andamento, Holst introduz um momento de natureza impressionista, a partir das cordas, o qual se vê rapidamente perturbado pela anterior marcha dos fagotes, antes do regresso em força do motivo unificador, em uníssono dos metais. O último andamento, Neptuno, o místico, desenvolve um discurso orquestral misterioso, polarizado em torno de relações harmónicas pouco comuns e sempre em registo pianissimo. A sonoridade da orquestra vai-se amplificando levemente, até encontrar o reforço de um duplo coro que tem, na sua constituição, dois sopranos e um contralto, respetivamente. Não havendo texto, as vozes declamam um vocalizo etéreo que reforça a natureza sideral da partitura e nos traz os ecos da ancestral “música das esferas”.
Intérpretes
- Maestro
-
Orquestra Gulbenkian
Em 1962 a Fundação Calouste Gulbenkian decidiu estabelecer um agrupamento orquestral permanente. No início constituído apenas por doze elementos, foi originalmente designado por Orquestra de Câmara Gulbenkian. Ao longo de sessenta anos de atividade, a Orquestra Gulbenkian (denominação adotada desde 1971) foi sendo progressivamente alargada, contando hoje com um efetivo de cerca de sessenta instrumentistas, que pode ser expandido de acordo com as exigências de cada programa. Esta constituição permite à Orquestra Gulbenkian interpretar um amplo repertório, do Barroco até à música contemporânea. Obras pertencentes ao repertório corrente das grandes formações sinfónicas podem também ser interpretadas pela Orquestra Gulbenkian em versões mais próximas dos efetivos orquestrais para que foram originalmente concebidas, no que respeita ao equilíbrio da respetiva arquitetura sonora.
Em cada temporada, a Orquestra Gulbenkian realiza uma série regular de concertos no Grande Auditório, em Lisboa, em cujo âmbito colabora com os maiores nomes do mundo da música, nomeadamente maestros e solistas. Atua também com regularidade noutros palcos nacionais, cumprindo desta forma uma significativa função descentralizadora. No plano internacional, a Orquestra Gulbenkian foi ampliando gradualmente a sua atividade, tendo efetuado digressões na Europa, na Ásia, em África e nas Américas. No plano discográfico, o nome da Orquestra Gulbenkian encontra-se associado às editoras Philips, Deutsche Grammophon, Hyperion, Teldec, Erato, Adès, Nimbus, Lyrinx, Naïve e Pentatone, entre outras, tendo esta sua atividade sido distinguida, desde muito cedo, com diversos prémios internacionais de grande prestígio. O finlandês Hannu Lintu é o Maestro Titular da Orquestra Gulbenkian, sucedendo a Lorenzo Viotti.
-
Giancarlo Guerrero
Maestro
O maestro Giancarlo Guerrero foi distinguido com seis prémios Grammy. Em 2024/25, cumpre a sua sexta e última temporada como Diretor Musical da Orquestra Sinfónica de Nashville, com a qual estreou mais de duas dezenas de obras, nomeadamente de compositores americanos, e realizou vinte e uma gravações comerciais que receberam treze nomeações para os Grammy. Recentemente foi nomeado Diretor Musical da Orquestra de Sarasota, na Flórida, com início de funções em 2025/26.
Giancarlo Guerrero dirige regularmente as principais orquestras norte-americanas, incluindo a Filarmónica de Nova Iorque, a Sinfónica de Chicago a Sinfónica de São Francisco, a National Symphony (Washington DC) e as orquestras de Boston, Baltimore, Cleveland, Cincinnati, Dallas, Detroit, Indianapolis, Los Angeles, Milwaukee, Montreal, Filadélfia, Seattle, Toronto, Vancouver e Houston. Têm sido muito aplaudidas as suas regulares apresentações na Europa (Alemanha, Reino Unido, Espanha, Portugal, França, Bélgica, Itália), bem como no Brasil, na Nova Zelândia e na Austrália.
Giancarlo Guerrero foi Diretor Musical da NFM Filarmónica de Wrocław (Polónia), Maestro Convidado Principal da Orquestra de Cleveland e da Orquestra Gulbenkian, Diretor Musical da Eugene Symphony e Maestro Associado da Orquestra do Minnnesota. Tem-se dedicado também às orquestras de jovens, colaborando com o Curtis Institute of Music (Filadélfia), a Colburn School (Los Angeles), a National Youth Orchestra (Nova Iorque) e a Yale Philharmonia. Está também envolvido no programa Accelerando, da Sinfónica de Nashville, que proporciona uma intensa formação musical a jovens talentos.
Giancarlo Guerrero nasceu na Nicarágua, mas emigrou para a Costa Rica na infância. O seu talento musical permitiu-lhe estudar percussão e direção de orquestra na Baylor University, nos Estados Unidos da América, tendo obtido o grau de Mestre em Direção de Orquestra pela Northwestern University.
Programa
Gustav Holst
Os Planetas, op. 32
1. Marte, o que traz a guerra
2. Vénus, a que traz a paz
3. Mercúrio, o mensageiro alado
4. Júpiter, o que traz a alegria
5. Saturno, o que traz a velhice
6. Urano, o mágico
7. Neptuno, o místico