Fauré: Requiem
Coro e Orquestra Gulbenkian / Matthew Halls
Pedra angular da renovação da música litúrgica francesa na transição para o séc. XX, o Requiem de Gabriel Fauré foi escrito entre 1887-1888, em cinco andamentos: Introït et Kyrie, Sanctus, Pie Jesu, Agnus Dei e In Paradisum. Nos anos subsequentes, a obra seria revista, tendo o compositor acrescentado o Offertoire, com a secção Hostias, e o Libera me, originalmente delineado em 1877.
Contrariando o estilo então em voga, o lirismo do bel canto italiano e a imponência estrutural e harmónica da tradição sinfónica alemã, Fauré idealizou um universo pautado por uma vocalidade de inspiração gregoriana, e uma textura orquestral intimista, com um panejamento harmónico de pendor impressionista.
A escuridão silábica dos primeiros compassos do Introït floresce na frase et lux perpetua [e a luz perpétua], sublinhando a importância simbólica da morte enquanto passagem para a vida eterna. A melodia seguinte, entoada pelos tenores, é retomada pelo coro, no Kyrie.
O Offertoire invoca, por três vezes, Cristo, metáfora da Santíssima Trindade, num cânone apenas interrompido pela negritude harmónica sobre as palavras de poenis inferni [das penas do Inferno]. O Hostias é confiado ao barítono sobre um acompanhamento instrumental de contraponto ondulado. A invocação inicial é retomada pelo coro, em crescendo harmónico, culminando num radiante Amen.
O Sanctus espraia-se sobre um ostinato da harpa, sobre a repetição das frases melódicas femininas pelas vozes masculinas. O brevíssimo Hosana, em aparente explosão dinâmica retrocede bruscamente, retomando o ambiente etéreo inicial. O andamento central, Pie Jesu, para soprano solo, é sereno e contemplativo, súplica para que os mortos possam receber o descanso eterno.
Segue-se o Agnus Dei, com dois expressivos temas, nos tenores e na orquestra, com interjeições corais de pendor dramático. Num gesto de pura magia musical, os sopranos entoam a palavra lux [luz], seguindo-se uma progressão melódico-harmónica de grande emotividade. Fauré recupera os compassos iniciais do Introït, terminando com a melodia pastoral da abertura, bálsamo de esperança e tranquilidade.
Os dois últimos andamentos são profundamente contrastantes. O Libera me, compassado, em que o solo suplicante de barítono dá lugar a um vislumbre do Dies irae, seguido da recapitulação da melodia inicial, desta feita pelo coro, e o In Paradisum, melodia diáfana dos sopranos, comentada pelo coro masculino, de pendor conclusivo.
Perante a crítica de que o seu Requiem era “uma canção fúnebre de embalar”, Fauré responderia: “Mas é assim que eu vejo a morte, uma entrega feliz, uma aspiração à felicidade celestial”.
Intérpretes
- Maestro
- Soprano
- Meio-Soprano
- Barítono
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Coro Gulbenkian
Fundado em 1964, o Coro Gulbenkian conta presentemente com uma formação sinfónica de cerca de cem cantores. Pode atuar em grupos vocais mais reduzidos, apresentando-se tanto a cappella como em colaboração com a Orquestra Gulbenkian ou com outros agrupamentos para a interpretação das grandes obras. No domínio da música contemporânea, tem apresentado, frequentemente em estreia absoluta, inúmeras obras de compositores portugueses e estrangeiros. Tem colaborado regularmente com prestigiadas orquestras, entre as quais a Philharmonia Orchestra de Londres, a Freiburg Barockorchester, a Orquestra do Século XVIII, a Filarmónica de Berlim, a Sinfónica de Baden‑Baden, a Sinfónica de Viena, a Orquestra do Real Concertgebouw de Amesterdão, a Orquestra Nacional de Lyon ou a Orquestra de Paris.
O Coro Gulbenkian participou em importantes festivais internacionais, tais como: Festival Eurotop (Amesterdão), Festival Veneto (Pádua e Verona), City of London Festival, Hong Kong Arts Festival, Festival Internacional de Música de Macau, ou Festival d’Aix-en-Provence.
A discografia do Coro Gulbenkian está representada nas editoras Philips, Archiv / Deutsche Grammophon, Erato, Cascavelle, Musifrance, FNAC‑Music e Aria‑Music, tendo ao longo dos anos registado um repertório diversificado, com particular incidência na música portuguesa dos séculos XVI a XX. Algumas destas gravações receberam prestigiados prémios internacionais. Entre 1969 e 2020, Michel Corboz foi o Maestro Titular do Coro. Desde 2024, Inês Tavares Lopes é Maestra Adjunta e Jorge Matta consultor artístico.
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Orquestra Gulbenkian
Em 1962 a Fundação Calouste Gulbenkian decidiu estabelecer um agrupamento orquestral permanente. No início constituído apenas por doze elementos, foi originalmente designado por Orquestra de Câmara Gulbenkian. Ao longo de sessenta anos de atividade, a Orquestra Gulbenkian (denominação adotada desde 1971) foi sendo progressivamente alargada, contando hoje com um efetivo de cerca de sessenta instrumentistas, que pode ser expandido de acordo com as exigências de cada programa. Esta constituição permite à Orquestra Gulbenkian interpretar um amplo repertório, do Barroco até à música contemporânea. Obras pertencentes ao repertório corrente das grandes formações sinfónicas podem também ser interpretadas pela Orquestra Gulbenkian em versões mais próximas dos efetivos orquestrais para que foram originalmente concebidas, no que respeita ao equilíbrio da respetiva arquitetura sonora.
Em cada temporada, a Orquestra Gulbenkian realiza uma série regular de concertos no Grande Auditório, em Lisboa, em cujo âmbito colabora com os maiores nomes do mundo da música, nomeadamente maestros e solistas. Atua também com regularidade noutros palcos nacionais, cumprindo desta forma uma significativa função descentralizadora. No plano internacional, a Orquestra Gulbenkian foi ampliando gradualmente a sua atividade, tendo efetuado digressões na Europa, na Ásia, em África e nas Américas. No plano discográfico, o nome da Orquestra Gulbenkian encontra-se associado às editoras Philips, Deutsche Grammophon, Hyperion, Teldec, Erato, Adès, Nimbus, Lyrinx, Naïve e Pentatone, entre outras, tendo esta sua atividade sido distinguida, desde muito cedo, com diversos prémios internacionais de grande prestígio. O finlandês Hannu Lintu é o Maestro Titular da Orquestra Gulbenkian, sucedendo a Lorenzo Viotti.
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Matthew Halls
Maestro
Desde setembro de 2022, Matthew Halls é Maestro Principal e Diretor Artístico indigitado da Filarmónica de Tampere, na Finlândia, iniciando essas funções em 2023/24. No outono de 2022, o maestro inglês regressou a Tampere para dirigir a 7.ª Sinfonia de Bruckner, antes de se estrear à frente da Orquestra de Câmara de Paris e da Orquestra do Minnesota. Em seguida, dirigiu a Orquestra do Mozarteum de Salzburgo, a Sinfónica de Houston e a Sinfónica de Indianapolis.
Como maestro convidado, Matthew Halls dirige regularmente, entre outras, a Orquestra de Cleveland, a Sinfónica de Seattle, a Sinfónica da Islândia, a Sinfónica de Viena, a Sinfónica da Rádio Finlandesa, a Sinfónica de Dallas e a Orquestra de Câmara de Los Angeles. Destaques recentes incluem a Sinfonia n.º 2 de Mahler, com a Sinfónica de Toronto, a estreia americana da 4.ª Sinfonia de James MacMillan, com a Sinfónica de Pittsburgh (previamente, dirigiu a estreia mundial do European Requiem de MacMillan) e a sua estreia à frente da Sinfónica de Chicago.
O percurso artístico de Matthew Halls inclui a música antiga e as interpretações de época, tendo sido um dos primeiros maestros convidados a dirigir o Concentus Musicus Wien de Nikolaus Harnoncourt. A sua discografia inclui Concertos para Cravo de J. S. Bach, dirigidos a partir do teclado, a primeira gravação de Parnasso in Festa, de G. F. Händel (Prémio Stanley Sadie), além da Oratória de Páscoa e da Oratória da Ascensão de J. S. Bach. No domínio da ópera, o seu repertório estende-se de Ariodante de Händel até Madama Butterfly de Puccini.
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Christina Landshamer
Soprano
Christina Landshamer nasceu em Munique. Estudou com Angelica Vogel na Academia de Música e Drama de Munique e com Dunja Vejzović na Universidade de Música de Estugarda. Cantora versátil, é solicitada para atuar em concerto, ópera ou recital, tendo colaborado com muitas das principais orquestras europeias e norte-americanas, sob a direção de maestros como Herbert Blomstedt, Manfred Honeck, Alan Gilbert, Marek Janowski, Franz Welser-Möst ou Christian Thielemann.
Os destaques da temporada 2023-2024 incluem a Sinfonia n.º 2, Lobgesang, de Mendelssohn, com a Sinfónica de Viena e o maestro Marie Jacquot, no Musikverein, bem como atuações com Herbert Blomstedt e a Staatskapelle Dresden. Os seus compromissos incluem ainda Um Requiem Alemão de Brahms, com o Coro da Rádio da Baviera, na Elbphilharmonie de Hamburgo, um programa que inclui Knoxville: Summer of 1915 de Samuel Barber e a 4.ª Sinfonia de Mahler, com a Orquestra do Mozarteum de Salzburgo, a Missa em Dó maior de Beethoven, com a Orquestra do Tonhalle de Zurique e Giovanni Antonini, e a 9.ª Sinfonia de Beethoven, com a Filarmónica de Munique e Pablo Heras Casado e ainda com a Orquestra Beethoven de Bona e Dirk Kaftan. Em maio de 2024, interpreta de novo Pamina (A flauta mágica de Mozart), com a Orquestra de Cleveland e o maestro Franz Welser-Möst.
Christina Landshamer estreou-se nos palcos de ópera em Estugarda. Neste domínio apresenta-se regularmente em prestigiosos palcos, incluindo a Ópera de Estugarda, a Ópera do Reno (Estrasburgo), a Komische Oper Berlin, o Theater an der Wien e o Festival de Salzburgo. Interpretou Pamina na Ópera da Baviera e no Het Muziektheater Amsterdam. Outros papéis incluem Ännchen (Der Freischütz de Weber), com Christian Thielemann, na Semperoper Dresden, Almirena (Rinaldo de Händel) em Glyndebourne, e Sophie (Der Rosenkavalier de R. Strauss) na Ópera Lírica de Chicago. Recentemente interpretou Woglinde (O Ouro do Reno de Wagner) na Ópera a Baviera, com Kirill Petrenko.
Christina Landshamer dedica-se também com paixão à canção de câmara. Com o pianista Gerold Huber, apresentou-se nas Schubertiade Schwarzenberg, na Pierre Boulez Saal de Berlim, na Academia Hugo Wolf de Estugarda, no Wigmore Hall em Londres, no Weill Recital Hall do Carnegie Hall, em Nova Iorque, e no Auditório Kioi de Tokyo.
Christina Landshamer realizou muitas gravações para as editoras Decca, Deutsche Grammophon, Sony Music, Pentatone, BR Klassik, Oehms Cloassics, Phi, EMI e Unitel, as quais documentam o seu brilhante percurso artístico. Desde 2021, tem partilhado os seus conhecimentos e experiência como professora de canto na Universidade de Mùsica de Trossingen.
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Julie Boulianne
Meio-Soprano
A franco-canadiana Julie Boulianne é elogiada pela agilidade e poder expressivo da sua voz e das suas interpretações. Domina um vasto repertório, com especial relevância nas óperas de Mozart e Rossini. Entre os seus projetos em agenda incluem-se Oktavian (Der Rosenkavalier) no La Monnaie de Bruxelas; Charlotte (Werther) na Ópera Estadual de Viena; Donna Elvira (Don Giovanni) no Quebeque; Dorabella (Così fan tutte) na Royal Opera House - Covent Garden. Fará também parte do elenco da estreia de La Beauté du Monde, de Julien Bilodeau, em Montreal.
Nas temporadas 2019/20 e 2020/21, Julie Boulianne apresentou-se com a Royal Opera House numa digressão ao Japão (Siébel, em Faust de Gounod), cantou Robin-Luron na produção de Laurent Pelly de Le Roi Carotte, de Offenbach, com a Ópera de Lyon, e interpretou ainda: Rosina (O barbeiro de Sevilha) com a Ópera de Vancouver, e Dorabella (Così fan tutte), no Théâtre du Capitole de Toulouse e em Glyndebourne.
Presença regular na Metropolitan Opera de Nova Iorque, interpretou neste palco vários papéis: Siébel (Faust), Stéphano (Romeu e Julieta), sob a direção de Plácido Domingo; Diane (Iphigénie en Tauride), dirigida por Patrick Summers; Assistente de Cozinha (Rusalka), com Renée Fleming; e Ascanio (Les Troyens), com o maestro Fabio Luisi. Estreou-se como Miranda numa nova produção de The Tempest, de Thomas Adès, sob a direção do compositor, no Festival de Ópera do Quebeque. Outros papéis do seu vasto repertório incluem Lazuli (L’Étoile de Chabrier), Cherubino (As bodas de Figaro), o papel principal em Cendrillon de Massenet; o papel principal em La Cenerentola; e Fragoletto, em Les Brigands de Offenbach.
Em concerto, Julie Boulianne colaborou, entre outros, com Franz Welser-Möst e a Orquestra de Cleveland (A Raposinha Matreira); Charles Dutoit e a Sinfónica de Boston (L’enfant et les sortilèges), e Marin Alsop e a Sinfónica de Baltimore (Sonho de uma Noite de Verão de Mendelssohn). Estreou-se no Saito Kinen Festival Matsumoto (Nagano, Japão), em Jeanne d’Arc au bûcher, de Honegger, e cantou a Missa de Nelson, de J. Haydn, no Mostly Mozart Festival, sob a direção de Nézet-Séguin. Com Roger Norrington e a Orchestra of St. Luke interpretou, no Carnegie Hall, a Missa Solemnis de Beethoven. Colaborou ainda com a Sinfónica do Colorado (Messias de Händel), com Les Violons du Roy (Theresienmesse de J. Haydn), com o Festival de Ópera do Quebeque (A Danação de Fausto de Berlioz), com a Orquestra do Iowa (Sinfonia n.º 2 de Mahler), com a Orquestra Metropolitana de Montreal (Paixão segundo São Mateus de J. S. Bach), e com Pinchas Zukerman e a National Arts Centre Orchestra, em Ottawa (9.ª Sinfonia de Beethoven). Outros destaques incluem Shéhérazade, de Ravel, com Emmanuel Villaume e a Sinfónica de Utah, a Missa em Si menor de J. S. Bach, com a Sinfónica de Atlanta, a Sinfonia n.º 3 de Mahler, com a Filarmónica de Calgary, e a Missa da Coroação de Mozart, com a Sinfónica de Cincinnati.
Julie Boulianne diplomou-se pela Schulich School of Music da McGill University de Montreal. Recebeu primeiros prémios nos concursos Canadian Music Competition e Joy of Singing Competition, em Nova Iorque. Foi também distinguida com o International Vocal Arts Institute’s Silverman Prize, e o Prix de la Chambre des Directeurs, para a Mais Promissora Carreira, no Concurso Internacional de Canto de Montreal.
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Stéphane Degout
Barítono
Stéphane Degout estudou no Conservatório Nacional Superior de Música de Lyon e foi membro da Ópera de Lyon. Estreou-se no no Festival d’Aix-en-Provence em 1999. Desde então, apresentou-se na Ópera de Paris, na Royal Opera House - Covent Garden, na Staatsoper Berlin, no Théâtre de la Monnaie, no Theater an der Wien, na Ópera Lírica de Chicago, na Metropolitan Opera, no Scala de Milão, na Ópera da Baviera e nos festivais de Salzburgo, Glyndebourne e Ravinia. O seu repertório inclui Hippolyte et Aricie (Thésée), Alceste (Hercule), Iphigénie en Tauride (Oreste), As bodas de Figaro (Conde Almaviva), Faust (Valentin), Le comte Ory (Raimbaud), Tannhäuser (Wolfram), Werther (Albert), Don Carlos (Rodrigue), Les Troyens (Chorèbe), L’Orfeo e Il ritorno d’Ulisse in Patria de Monteverdi e Pelléas et Mélisande de Debussy.
A sua dedicação permitiu-lhe estrear papéis operáticos em obras como La Dispute, de Benoît Mernier, e Au Monde e Pinocchio de Philippe Boesmans. Recentemente, interpretou O Rei numa nova produção de Lessons in Love and Violence de George Benjamin (Londres, Amesterdão, Lyon, Chicago, Barcelona).
Em 2012 foi-lhe atribuído em França o título honorífico Chevalier des Arts et des Lettres, em reconhecimento do seu significativo contributo para o enriquecimento da herança cultural francesa. Em 2012 e 2019 foi nomeado “Artista Lírico do Ano” nos prémios Victoires de la Musique Classique.
Stéphane Degout é também reconhecido pelas suas interpretações da mélodie francesa e do Lied alemão. Trabalhou sob a orientação de Ruben Lifschitz e realizou várias digressões internacionais. Para além de várias gravações de ópera em DVD, gravou CDs para a B Records (Histoires Naturelles) e para a Harmonia Mundi (Enfers, Harmonie du Soir e Les Nuits d’été), todos eles premiados. Mais recentemente, a Harmonia Mundi lançou o álbum Mélodies et Lieders, com Simon Lepper.
Programa
Gabriel Fauré
Requiem, em Ré menor, op. 48
– Introït et Kyrie
– Offertoire
– Sanctus
– Pie Jesu
– Agnus Dei
– Libera me
– In Paradisum