Chostakovitch: Sinfonia n.º 5

Orquestra Gulbenkian / Hannu Lintu

A Orquestra Gulbenkian interpreta a Sinfonia n.º 5 de Dmitri Chostakovitch, sob a direção do seu maestro titular, Hannu Lintu.
João Silva 01 dez 2023 54 min

As relações de Dmitri Chostakovitch com as autoridades estalinistas não foram pacíficas. Contudo, encontravam-se eivadas de ambiguidade de parte a parte. Por um lado, o compositor era acusado de formalismo, uma cedência ao espírito burguês cosmopolita em detrimento do esforço patriótico e revolucionário soviético. Por outro lado, algumas das suas obras foram apresentadas como modelares pelo poder instituído. A partir do final da década de 1920, Chostakovitch sofreu vários ataques dos defensores da ideia que a música deveria estar ao serviço da revolução e ser compreendida pela população em geral. Esse modelo considerava que as artes deveriam fomentar o patriotismo e glorificar o socialismo, misturando a linguagem artística do final do Romantismo, baseada na tradição musical russa, com temáticas soviéticas. Dessa forma, as linguagens modernistas e a música popular encontravam-se fora dos cânones promovidos pelas agremiações artísticas do território. Assim, o poema sinfónico e a sinfonia programática ocuparam um lugar importante nesse movimento. Curiosamente, as críticas a Chostakovitch foram mais intensas no que toca à ópera, nomeadamente em relação a O nariz e a Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk. Uma das apresentações da última, quando esta já gozava de algum sucesso na União Soviética e no estrangeiro, suscitou um violento ataque no Pravda. Essa denúncia pública trouxe problemas de ordem vária ao compositor, resultando no cancelamento da estreia da Sinfonia n.º 4. Assim, a Sinfonia n.º 5 foi uma oportunidade de reconciliar o compositor com as autoridades, apesar do distanciamento irónico.

A Sinfonia n.º 5 foi estreada pela Orquestra Filarmónica de Leninegrado, sob a direção de Yevgeny Mravinsky, a 21 de novembro de 1937. Foi muito aplaudida, apontando para a aproximação do compositor aos modelos realistas socialistas. Contudo, o processo foi mais complexo e a sua ambivalência evoca a angústia resultante das perseguições estalinistas. A sinfonia condensa o estilo rapsódico de Chostakovitch, fortemente influenciado pelas tradições orquestrais do Romantismo tardio. Assim, o espectro de Mahler, com as suas marchas e distorções angulares assombra muitos momentos da obra.

O primeiro andamento encontra-se numa forma allegro de sonata, como esta era compreendida na primeira metade do século XX. Permeados pelo pathos, os temas angulares e os ritmos pontuados que remetem para o Barroco são interpolados por marchas e fanfarras, num estilo heroico evocativo de Beethoven e Mahler. O lirismo de uma longa melodia é interpolado nesses elementos, nos quais a orquestração desempenha um papel essencial. Uma citação da Carmen de Bizet emerge, preparando a reexposição dos temas, desta vez na ordem inversa da exposição.

O segundo andamento encontra-se numa forma tripartida. A primeira secção baseia-se na estilização de uma dança popular ternária, o Ländler, muito cultivada na Áustria e precursora da valsa. Remetendo para as técnicas mahlerianas de citação, Chostakovitch enfatiza o grotesco através da distorção dos temas de sabor popular, transformando-os em momentos dissonantes. A secção intermédia é iniciada com um solo de violino de caráter lúdico, mas a textura rapidamente se adensa com o recurso aos vários naipes da orquestra. Aqui, a ornamentação reforça a jocosidade do momento, intensificada pelo recurso a fanfarras. Desta forma, o compositor homenageia o sinfonismo do final do Romantismo através de um recurso estilístico omnipresente na música promovida pelo regime estalinista. Esse recurso a topoi polissémicos foi central para o sucesso da obra aquando da sua estreia. O retorno do Ländler prepara o Largo, de carácter lírico e contemplativo, cujo estatismo é ocasionalmente submerso pelos solos dos sopros. As longas melodias de resolução diferida reforçam a intensidade expressiva deste andamento lento.

Uma marcha introduz o final da sinfonia, um Allegro non troppo que recorre a diversas citações musicais de Berlioz, de Bizet, de Richard Strauss e do próprio Chostakovitch. Neste andamento tempestuoso, os instrumentos de sopro têm particular destaque, intensificando a massa sonora através de intervenções virtuosísticas. Após um interlúdio lírico protagonizado pelas cordas, regressa a textura de marcha, que se vai adensando e tornando mais sonora até ao clímax final. Chostakovitch coloca o ouvinte entre a denúncia e a propaganda, entre a violência e a reconciliação, entre a alegria genuína e o triunfo forçado.


Intérpretes

  • Maestro

Programa

Dmitri Chostakovitch

Sinfonia n.º 5, em Ré menor, op. 47
1. Moderato – Allegro non troppo
2. Allegretto
3. Largo
4. Allegro non troppo

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