Chopin: Concerto para Piano n.º 2
Orquestra Gulbenkian / Ricardo Castro / Maria João Pires
Em 1829, com dezanove anos de idade, Fryderyk Chopin deslocou-se a Viena para se apresentar em concerto. A elite da cidade rasgou elogios ao brilhantismo e ao virtuosismo do jovem intérprete. Chopin tinha então consciência que a sua carreira dependia, em parte, do reconhecimento dos principais centros musicais, mas também, no capítulo da composição, da boa gestão da herança musical de compositores influentes do final do séc. XVIII e primeira metade do séc. XIX. O seu Concerto para Piano n.º 2 – que foi o primeiro a ser composto, mas assim numerado por ter sido o segundo a ser editado – escrito no final desse ano e início do seguinte, revela não apenas a intenção romântica de interpretação do género, mas também a influência dos concertos de Ignaz Moscheles e de Johann Nepomuk Hummel. Transparece sobretudo no modo como o jovem Chopin utilizou os materiais musicais para criar alguns efeitos que, apesar de traduzirem traços manifestos do seu estilo pessoal, espelham a conceção expressiva do género concerto no período romântico. A estreia do Concerto para Piano n.º 2 teve lugar em março de 1830, em Varsóvia, com o compositor ao piano, suscitando críticas positivas nos periódicos polacos, os quais acentuavam a capacidade do compositor para o tratamento de melodias belas e fluidas, bem combinadas com uma brilhante escrita orquestral.
O Concerto para Piano n.º 2 obedece à configuração de andamentos rápido-lento-rápido que caracteriza comummente o género. O primeiro andamento tem início com uma longa exposição orquestral do material temático, seguindo-se secções que alternam o tutti e o solista. A transição entre os temas é marcada pela gestão das dinâmicas e da intensidade rítmica, proporcionando diferentes quadros sonoros. A utilização do primeiro tema na secção final, com a introdução de alterações que enfatizam a intenção do compositor, conduzem também a orquestra para um desfecho que justifica a indicação Maestoso.
O segundo andamento é um Larghetto em estrutura tripartida que se inicia com uma pequena introdução orquestral marcada pelo diálogo entre as cordas e os sopros e que se mistura com um arpejo ascendente do piano, indicando assim a entrada do solista. A melodia introduzida é caracterizada pelo cantabile, com recurso à ornamentação, conferindo um ambiente lírico e dramático. A variedade da textura no tratamento melódico das diferentes secções, como a utilização de oitavas, ou linhas cromáticas, remetem por vezes para o tipo de escrita que Chopin adotou, por exemplo, nos Noturnos. É este ambiente que encaminha o andamento para o seu final, terminando com um arpejo ascendente no piano que é acompanhado pela contemplação das cordas. Consta que o andamento terá sido inspirado por um amor platónico que Chopin sentiria por Konstancja Gładkowska, uma cantora que conhecera em 1829.
O terceiro andamento destaca-se pela sua originalidade. A estética e as opções estilísticas que o compositor adotara e que surgiram anos antes em obras como Rondo à la mazur op. 5, marcam a seleção do material deste andamento. As referências musicais à cultura polaca, sobretudo à mazurca e à kujawiak, ambas danças nacionais, são elementos importantes no estilo composicional de Chopin, os quais seriam recorrentes na sua obra.
Intérpretes
- Maestro
- Piano
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Orquestra Gulbenkian
Em 1962 a Fundação Calouste Gulbenkian decidiu estabelecer um agrupamento orquestral permanente. No início constituído apenas por doze elementos, foi originalmente designado por Orquestra de Câmara Gulbenkian. Ao longo de sessenta anos de atividade, a Orquestra Gulbenkian (denominação adotada desde 1971) foi sendo progressivamente alargada, contando hoje com um efetivo de cerca de sessenta instrumentistas, que pode ser expandido de acordo com as exigências de cada programa. Esta constituição permite à Orquestra Gulbenkian interpretar um amplo repertório, do Barroco até à música contemporânea. Obras pertencentes ao repertório corrente das grandes formações sinfónicas podem também ser interpretadas pela Orquestra Gulbenkian em versões mais próximas dos efetivos orquestrais para que foram originalmente concebidas, no que respeita ao equilíbrio da respetiva arquitetura sonora.
Em cada temporada, a Orquestra Gulbenkian realiza uma série regular de concertos no Grande Auditório, em Lisboa, em cujo âmbito colabora com os maiores nomes do mundo da música, nomeadamente maestros e solistas. Atua também com regularidade noutros palcos nacionais, cumprindo desta forma uma significativa função descentralizadora. No plano internacional, a Orquestra Gulbenkian foi ampliando gradualmente a sua atividade, tendo efetuado digressões na Europa, na Ásia, em África e nas Américas. No plano discográfico, o nome da Orquestra Gulbenkian encontra-se associado às editoras Philips, Deutsche Grammophon, Hyperion, Teldec, Erato, Adès, Nimbus, Lyrinx, Naïve e Pentatone, entre outras, tendo esta sua atividade sido distinguida, desde muito cedo, com diversos prémios internacionais de grande prestígio. O finlandês Hannu Lintu é o Maestro Titular da Orquestra Gulbenkian, sucedendo a Lorenzo Viotti.
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Ricardo Castro
Piano
Em 2013, Ricardo Castro foi o primeiro brasileiro a receber o Honorary Membership da Royal Philharmonic Society, figurando ao lado de ilustres personalidades da história da música ocidental. Nasceu em Vitória da Conquista, em 1964. Começou a tocar piano aos três anos de idade e aos cinco anos ingressou na Escola de Música e Artes Cénicas da Universidade Federal da Bahia, como aluno da professora Esther Cardoso, com quem estudou até os 18 anos. Aos 10 anos, tocou o Concerto para Piano em Ré Maior de J. Haydn, sendo acompanhado pela Orquestra Sinfónica da Universidade Federal da Bahia. Aos 16 anos venceu o Concurso Jovens Solistas e apresentou-se em São Paulo com a Orquestra Sinfónica do Estado de São Paulo.
Em 1984, Ricardo Castro iniciou os seus estudos na Europa. Ingressou no Conservatório Superior de Música de Genebra, onde estudadou piano com Maria Tipo e direção com Arpad Gerecz. Venceu os concursos Rahn, em Zurique (1985) e Pembaur, em Berna (1986). Diplomou-se pelo Conservatório de Genebra em 1987, com o Premier Prix de Virtuosité avec Distinction et Felicitacions du Jury. Nesse mesmo ano, venceu ex aequo o Concurso Internacional da ARD de Munique. Completou os estudos de piano em Paris, com Dominique Merlet. Encontros com Friedrich Gulda, Alicia de La Rocha, Martha Argerich e Maria João Pires foram determinantes para a construção da sua estética musical.
Em 1993, Ricardo Castro recebeu o primeiro prémio no Concurso Internacional de Piano de Leeds, em Inglaterra, tornando-se no primeiro vencedor latino-americano do concurso. Desde então, apresentou-se nas mais importantes salas de concertos da Europa, sendo acompanhado por grandes orquestras como a Orquestra do Gewandhaus de Leipzig, a Orquestra do Tonhalle de Zurique, a Filarmónica da BBC de Londres, a English Chamber Orchestra, a Academy of St. Martin in the Fields, a City of Birmingham Symphony, a Filarmónica de Tóquio, a Orchestre de la Suisse Romande ou a Orquestra do Mozarteum de Salzburgo. Em 2003 iniciou uma colaboração com a pianista Maria João Pires e em 2005 a Deutsche Grammophon lançou um CD do duo, Résonance de l’Originaire, com obras de Franz Schubert, a solo e a quatro mãos. Gravou vários outros álbuns para a BMG-Arte Nova, sempre com excelentes comentários da critica especializada.
Desde 1992, Ricardo Castro leciona na Haute École de Musique de Lausanne, na Suíça. Em 2018 assumiu o Corsi di Perfezionamento de piano na Fundação Escola de Música de Fiesole, famosa instituição onde Mario Tipo e Carlo Maria Giulini foram também professores. Desde 2020, integra o corpo docente da Haute École de Musique de Genève, assumindo a cátedra de piano, fundada em 1835 por Franz Liszt. Em 2007, a convite do Governo do Estado da Bahia, criou o NEOJIBA (Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia), projeto inspirado no El Sistema da Venezuela. Um programa pioneiro no Brasil que já beneficiou mais de 10 mil crianças, adolescentes e jovens da Bahia.
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Maria João Pires
Piano
Maria João Pires nasceu em Lisboa em 1944. Tocou pela primeira vez em público aos quatro anos de idade e aos cinco deu o seu primeiro recital. Foi aluna de piano de Campos Coelho, tendo estudado também com Francine Benoît. Posteriormente prosseguiu a sua formação musical na Alemanha, com Rosl Schmid e Karl Engel. Como solista de concerto e em recital, tornou-se na mais célebre pianista portuguesa de sempre e uma das artistas mais destacadas internacionalmente. A sua carreira passou pelos principais palcos mundiais, onde colaborou com maestros de renome internacional e com as mais prestigiadas orquestras. Destaque também para as suas inspiradas e muito aplaudidas gravações como solista e no domínio da música de câmara.
Desde a década de 1970, Maria João Pires tem-se também dedicado a refletir sobre a influência da arte na vida, nas comunidades e na educação. O seu objetivo é o de encontrar novas formas de afirmação desta linha de pensamento na sociedade, respeitando o desenvolvimento dos indivíduos e das culturas e encorajando a partilha de ideias. Em 1999 criou o Centro de Artes de Belgais, para o estudo das artes em Portugal, lugar onde organiza regularmente workshops interdisciplinares para músicos profissionais e amadores, além de concertos e gravações. Num futuro próximo, estes poderão ser partilhados com a comunidade digital internacional. Em 2012, na Bélgica, Maria João Pires iniciou dois projetos complementares: os Partitura Choirs, um projeto de coros infantis destinado a crianças oriundas de ambientes socialmente desfavorecidos como o Hesperos Choir e os Partitura Workshops. Todos os projetos Partitura têm como objetivo criar uma dinâmica altruísta entre artistas de diferentes gerações, propondo uma alternativa a uma realidade demasiado focada na competitividade, uma filosofia que tem vindo a ser divulgada internacionalmente.
Programa
Fryderyk Chopin
Concerto para Piano n.º 2, em Fá menor, op. 21
1. Maestoso
2. Larghetto
3. Allegro vivace