A figura de Ludwig van Beethoven marcou uma época de transformação. A sua última sinfonia, escrita entre 1822 e 1824, revela diversas tendências nesse processo. Motivada por uma encomenda da Philharmonic Society de Londres, a obra foi estreada no Theater am Kärntnertor, em Viena, e dedicada a Frederico Guilherme III, rei da Prússia. Beethoven recapitulou os moldes do ideal sinfónico que contribuiu para estabelecer, enriquecendo-os com solistas e coro no andamento final. Assim, condensa vários elementos do Classicismo tardio, como a expansão tímbrica e numérica da orquestra e a influência da música coral usada para educar e galvanizar multidões nos anos que se seguiram à Revolução Francesa. Para isso, Beethoven selecionou um poema de Friedrich Schiller que o assombrava desde a juventude. O “Hino à alegria” promove uma mensagem de igualdade e fraternidade cara ao compositor, que comunga da herança liberal da Revolução Francesa promovida por Schiller, ligando a educação das pessoas à arte.
O andamento inicial é uma forma sonata que se materializa a partir de uma pequena célula descendente dominada pela ambiguidade tonal. O primeiro grupo temático emerge desse caldo primordial, numa erupção afirmativa. À atmosfera tensa e trágica, com jogos de pergunta-resposta e contrastes dinâmicos, segue-se um tema lírico e contemplativo. A interação entre os dois grupos temáticos, entre a instabilidade e o estatismo, e a introdução de novos temas marcam o desenvolvimento, que prepara uma reexposição marcada pela tensão. O andamento termina com uma longa coda contrapontística que mistura elementos novos com os temas previamente apresentados.
O segundo andamento encontra-se em forma Scherzo-Trio-Scherzo. As secções extremas são marcadas pela vivacidade rítmica, em torno de uma célula percussiva, associada a um crescendo. A atmosfera contrapontística, que permeia as últimas obras de Beethoven, é aqui reforçada pelos instrumentos de bocal. O Trio é introduzido por uma textura leve, em que dominam os instrumentos de sopro. A troca de materiais e os solos destes instrumentos misturam-se com a apresentação do tema principal pelas cordas, numa passagem leve e evocativa do bucolismo. Esse momento ganha intensidade, até submergir e ralentar, preparando a reexposição da primeira secção do andamento.
O terceiro andamento apresenta e varia uma melodia lírica inspirada na vocalidade. As variações metamorfoseiam o tema principal, subdividido em duas secções. A melodia, o ritmo e a harmonia são progressivamente transformados, com o processo a ser interrompido por fanfarras percussivas.
O final, numa forma que mistura a organização da forma sonata com tema e variações, começa de forma tensa e dramática. O tema principal, de textura de marcha e âmbito melódico curto, é apresentado pelos contrabaixos. O baixo interpreta o tema, com intervenções do coro sobre uma textura instrumental esparsa e contrapontística. Os restantes solistas fazem a sua entrada, com uma aparição tardia do soprano. Um episódio coral suspensivo prepara uma variação rústica e marcial conduzida pelo tenor, com recurso ao colorido da percussão, imitando os janízaros turcos. Uma passagem coral intensa é preparada por um longo fugato instrumental. Após uma interrupção, Beethoven lança o andamento numa fuga cinética que recapitula e mistura temas dos andamentos anteriores num final glorioso, encarnando em som as novas ideias de Humanidade propagadas pelas Luzes.