Como é que libélulas e libelinhas crescem e começam a voar?

Um naturalista no Jardim Gulbenkian

As cores vivas e as asas delicadas deixam poucas pessoas indiferentes a estes insetos da ordem Odonata. Em Portugal, podemos observar 65 espécies, mas poucos conhecem o seu ciclo de vida, que começa logo por um comportamento singular.
Wilder 20 jul 2020 5 min
Um naturalista no Jardim Gulbenkian

Durante a cópula, quando a fêmea já escolheu o macho e ambos fizeram o voo nupcial, os dois unem-se muitas vezes “numa posição em forma de ‘coração’”, explica o livro “Insetos em Ordem”, no capítulo sobre libélulas e libelinhas.

Como é que isso sucede? O macho tem um órgão para onde transfere o esperma, a genitália secundária, que fica debaixo do abdómen. Na extremidade deste, tem umas pinças com as quais segura a fêmea pela cabeça. A cópula acontece quando a fêmea dobra o seu próprio abdómen, para ficar em contacto com a genitália secundária do macho. É assim que ambos formam um “coração”, às vezes em pleno voo, que se pode prolongar por poucos segundos ou várias horas.

E pode acontecer a fêmea começar a pôr os ovos enquanto o casal ainda está unido. A postura acontece aliás em diferentes locais, dependendo das espécies, explica Albano Soares, especialista ligado ao Tagis – Centro de Conservação das Borboletas de Portugal.

Por exemplo, as libelinhas põem sempre os ovos em plantas aquáticas ou perto de água, ou então em sítios que vão ter água, descreve o investigador. Neste último caso, “os ovos ficam dois ou três meses à espera para eclodir.”

Já as libélulas têm comportamentos mais variados: algumas optam por rios ou lagos, mas as libélulas-de-nervuras-vermelhas (Sympetrum fonscolombii) preferem depositar os ovos em águas de pouca corrente, mesmo em tanques e lagos de jardins, por exemplo. Outras espécies optam pela lama seca, outras ainda escolhem plantas pendentes sobre a água, à semelhança das libelinhas.

No Jardim Gulbenkian, nos ramos de um salgueiro que pendem sobre um pequeno lago, por vezes podem ver-se os ovos das libelinhas lestes-dos-salgueiros, ou lestes-comum (Chalcolestes viridis), colocados na casca dos ramos, nota Albano Soares.  

Mas como crescem libélulas e libelinhas? “Depois de nascerem, as larvas são predadores vorazes.” Comem larvas de outros insetos, pequenos invertebrados, larvas de peixes e também de sapos. Ficam na água até se tornarem adultas – o que pode durar apenas três meses ou então prolongar-se por mais um ano, como acontece com a libélula-anelada (Cordulegaster boltonii).

Ao contrário por exemplo das borboletas, que fazem a metamorfose completa, os membros da ordem Odonata “quando são larvas já têm o corpo semelhante ao de um adulto”, descreve o especialista. “O corpo está separado em três partes, têm três pares de patas, um par de antenas. Só não têm as asas completamente formadas porque nessa primeira fase vivem dentro da água.”

Mudança de vida

Como têm um exoesqueleto, ou seja, uma cutícula resistente e flexível que as sustenta mas que não aumenta de tamanho com elas, “vão largando a pele e ganhando outra enquanto crescem”. “A última muda é a definitiva, quando geralmente têm de sair da água. Caso contrário afogam-se, pois deixam de conseguir ali respirar. Rompe-se a pele e saem já com as asas formadas.”

Depois de começarem a voar, quando atingem a maturidade sexual, a maioria das libélulas e libelinhas duram apenas poucos meses ou apenas algumas semanas, durante a fase de reprodução. E algumas migram para outros locais, como a tira-olhos-menor (Anax Parthenope) e a libélula-de-nervuras-vermelhas (Sympetrum fonscolombii), que em Lisboa podem ver-se no final do Verão e Outono a voarem em direção a norte. Vão para o norte de Portugal? Para a Galiza? Ainda ninguém sabe.

Libélula-de-nervuras-vermelhas, macho (à esq.) e fêmea Sympetrum fonscolombii © Albano Soares

Estas espécies, tal como a tira-olhos-outonal (Aeshna mixta), saem da água e começam a voar entre o fim do Verão e o Outono, mas a maioria destes insetos podem ver-se com mais frequência na Primavera e no Verão. É claro que hoje, com o aumento geral de temperaturas, com alguma sorte podemos encontrar algumas espécies de libélulas a voar durante praticamente todo o ano, mesmo nos jardins das cidades.

Albano Soares lembra também que é muito importante conservar os habitats aquáticos para protegermos estas espécies: “Não usar poluentes químicos e ter cuidado com as plantas invasoras que sufocam os lagos, como o jacinto e a erva-pinheirinha (azola spp.), pois tiram o oxigénio da água.” “Muitas pessoas acreditam que os charcos são focos de mosquitos, mas isso só acontece quando existe desequilíbrio, por exemplo, quando limpezas radicais eliminam todos os predadores como as ninfas das libélulas, que consomem grandes quantidades de larvas desses insetos”, sublinha.

Saiba como identificar quatro espécies de libélulas e libelinhas que por esta altura do ano encontra no Jardim Gulbenkian.

Para conhecer mais sobre estes e outros insetos, consulte o catálogo da exposição Insetos em Ordem. E para aprender sobre as espécies de libélulas e libelinhas que existem em Portugal, leia o livro “Libélulas de Portugal”, da autoria de Ernestino Maravalhas e Albano Soares.

Série

Um naturalista no Jardim Gulbenkian

Uma vez por mês, ao longo de um ano, a revista Wilder revelou algo a não perder no Jardim Gulbenkian e lançou-lhe um desafio: descobrir e fotografar ou desenhar cada descoberta. No ano seguinte, a partir da biodiversidade do jardim, e com a ajuda de especialistas, respondemos a vários “como e porquê” de aves, insetos, mamíferos, anfíbios e plantas.

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