Blow-up: Uma História à volta de uma fotografia

Por João E. Rabaça
02 nov 2021

O Jardim Gulbenkian é uma fonte inesgotável de histórias sobre o mundo natural. A que irei contar tem como ponto de partida as fotografias aqui exibidas e que foi publicada na plataforma Biodiversity4all. As fotos foram tiradas por M.T.F. Oliveira em 16 de Novembro de 2019 e mostram uma gaivota-d’asa-escura (Larus fuscus) na borda de um dos tanques do jardim, reciclando o cadáver de um pombo-doméstico que, certamente, terá retirado das águas.

 

Esta constatação é interessante e revela o carácter oportunista desta gaivota, procurando alimentar-se da matéria orgânica que encontra disponível.

Mas decidi ir mais além na exploração da foto e, por esse motivo, titulei este texto inspirado na obra-prima de Michelangelo Antonioni, que venceu a Palma de Ouro na edição de 1967 do Festival de Cinema de Cannes. Thomas – o personagem principal do filme – é fotógrafo e descobre um possível crime através das ampliações sucessivas de fotografias que tirou num parque. O meu procedimento foi mais prosaico, mas baseou-se igualmente em ampliações da foto captada por M.T.F. Oliveira.

Um olhar atento revela a presença de uma anilha metálica na pata direita da gaivota e de uma anilha de plástico na pata esquerda. A primeira marca diz-nos que a ave foi anilhada algures, seguindo os procedimentos da anilhagem científica de aves, uma actividade que o Programa Educativo da Fundação Gulbenkian oferece aos visitantes e frequentadores do jardim desde 2013. Mas foi a anilha colocada na pata esquerda que despertou maior interesse, pois a sua existência significa que aquela gaivota foi marcada no âmbito de um projecto específico. Onde, quando e por que razão foi anilhada aquela gaivota-d’asa-escura, foram as questões que coloquei e cujas respostas procurei encontrar.

Através do código alfanumérico inscrito na anilha (10S:C), pesquisei e descobri a origem geográfica do projecto, e consegui um contacto para obtenção de mais informações. Após alguns dias de espera, obtive as respostas enviadas pelo simpático e prestável Iain Livingstone as quais me permitiram construir esta história.

 

De onde é originária

A gaivota-d’asa-escura que vêem na foto foi anilhada no ninho enquanto juvenil em 20 de Junho de 2017 na cidade de Greenock, situada na região centro da Escócia à beira do estuário do rio Clyde, 40km a noroeste de Glasgow. O ninho estava localizado nos telhados do edifício da esquadra da polícia local e, desde 1976, um conjunto de voluntários do British Trust for Ornithology coordenados por Hayley Douglas, procede à anilhagem das gaivotas-d’asa-escura. É notável esta conduta e reveladora de uma atitude positiva e construtiva para com as aves selvagens.

 

A razão do projecto

Os promotores do projecto pretendiam saber para onde migravam as gaivotas-d’asa-escura oriundas daquela região. A gaivota-d’asa-escura tem aumentado os seus efectivos em diversas zonas da sua área de distribuição, mas no Reino Unido e em particular naquela região da Escócia a população nidificante têm tido um incremento negativo. Durante algumas décadas, os voluntários dispuseram apenas das anilhas convencionais mas ainda assim foi possível verificarem que as aves escocesas, nos seus primeiros 2-3 anos de vida, migravam durante o Inverno para a Península Ibérica e Noroeste de África. Em 2012 foram autorizados a utilizarem anilhas plásticas contendo um código alfanumérico mais facilmente observável, e a taxa de informação de avistamentos aumentou de 4% para cerca de 20%.

 

Registos de viagens

Esta gaivota tem na anilha plástica a seguinte inscrição: “10S:C”. O termo “10S” corresponde ao ID da ave, pelo que lhe podemos atribuir o nome “10S”; o termo “:C” corresponde ao código do projecto.

De acordo com os registos de observação reportados ao coordenador do estudo, a gaivota “10S” foi detectada pela primeira vez na praia de Mira (concelho de Mira, distrito de Coimbra), em Novembro de 2018. Em 2019 foi avistada novamente mas desta vez no Jardim Gulbenkian, em 16 de Novembro – dia em que foi fotografada – e no dia 20 do mesmo mês. Em Fevereiro de 2020 e Janeiro de 2021 foi detectada no mesmo lugar.

Assim termina a história de viagens de uma ave oriunda da Escócia, nascida em 2017 e que inverna nas nossas latitudes, sendo uma visitante regular do nosso Jardim! Mas ao contrário do que sucede com outras histórias, concluímos com uma pergunta: regressará a “10S” na próxima estação fria a este oásis de Lisboa? Aguardemos…

 

Texto de João E. Rabaça

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