Será que os grilos cantam mais no verão? E todos os grilos cantam?
Um naturalista no Jardim Gulbenkian
O coro dos grilos é uma das mais queridas bandas-sonoras do verão. Mas será que estes animais só cantam nesta estação do ano? E haverá grilos “silenciosos”?
Em Portugal, vivem cerca de 30 espécies de grilos. São animais com as patas traseiras adaptadas ao salto, compridas antenas com aspeto de fio (chamadas filiformes) e corpo achatado de cor preta ou parda. Pertencem à Superfamília Grylloidea.
O som que ouvimos, especialmente à noite, é feito quando os grilos friccionam as suas asas anteriores. Só os grilos adultos estridulam (o nome técnico quando os insetos “cantam”). E só os machos. Fazem-no durante a corte para atrair a fêmea para a cópula.
Este “canto” é muito característico desta época do ano. Os grilos-bimaculados (Gryllus bimaculatus) e os grilos-italianos são alguns dos cantores que enchem as noites de verão. “Com duas espécies em Portugal, ambas excelentes cantoras (Oecanthus pellucens e O. dulcisonans), os grilos italianos parecem, à primeira vista, pequenas baratas cor-de-palha, mas quando vemos os machos a cantar ficamos impressionados! Como é que um bicho com pouco mais de um centímetro de comprimento consegue fazer tanto barulho?”, comenta, impressionada, Eva Monteiro.
E cada espécie de grilo tem um canto diferente, característico. Por isso, os peritos conseguem identificar a espécie apenas através do som que esta faz. Tal como acontece com as aves.
Mas será que os grilos cantam mais no verão? Eva Monteiro não tem a certeza de que haja mais espécies a cantar agora. “Talvez as pessoas estejam mais atentas nesta época do ano porque têm mais tempo e as noites amenas convidam a passar momentos ao ar livre.” A especialista explica ainda que “a época em que os grilos cantam está relacionada com o seu ciclo de vida e com a altura em que estes insetos atingem o estado adulto”. Por isso, é possível ouvir grilos praticamente durante todo o ano, com exceção talvez dos meses mais frios.
“Na primavera temos o grilo-do-campo (Gryllus campestris), o mais famoso dos grilos que faz tocas em prados com alguma humidade. Os machos põem-se a cantar à porta da toca para atrair as fêmeas e usam-na como caixa de ressonância, fazendo verdadeiras sinfonias. Não é fácil, mas é possível detetar as tocas nestes prados, onde chegam a cantar centenas de indivíduos. Uma dica: procure um terreirinho em semicírculo, limpinho de ervas, à entrada da toca.”
Outros insetos que também cantam fora da época do verão são os ralos (Gryllotalpa sp.). Como estes são insetos escavadores e é mais fácil fazer galerias em terra molhada, é comum ouvirmos o seu som grave e contínuo depois das primeiras chuvadas da primavera e do outono.
“Também temos grilos que cantam o ano todo como o grilo-do-bosque (Nemobius sylvestris), o grilo-dos-caniços (Natula averni), ou o grilo-de-Bordéus (Eumodicogryllus bordigalensis)”, acrescenta Eva Monteiro. “Este último, além de cantar em todas as estações do ano, também canta em todas as estações e apeadeiros! Vive em habitats rurais e urbanos, gostando especialmente de fendas, pelo que a brita que há entre os carris dos comboios é um excelente habitat.”
A maioria dos grilos ouve-se mais durante a noite porque têm atividade noturna. Ainda assim, “existem algumas espécies que têm também atividade diurna como o grilo-do-campo, de atividade principalmente diurna, ou grilo-de-Bordéus que tem atividade diurna e noturna”.
Outra curiosidade sobre estes “cantores” é que uns estridulam mais alto do que outros. Como os ralos, grilos-do-campo, grilos-bimaculados e grilos italianos que são estridentes e bem audíveis para o ouvido humano. Já “o canto do grilo-de-Bordéus é mais grave e baixo, mas se estiver atento pode ser que o ouça da próxima vez que for apanhar o comboio. No grilo-do-bosque o canto é pouco mais que um murmúrio hesitante que faz lembrar o som das folhas mortas sobre as quais vive”.
Mas será que todos os grilos estridulam, ou há grilos “silenciosos”? “De facto, há grilos que não cantam”, responde Eva Monteiro. “Este é o caso, por exemplo, do curioso grilo-tigre (Trigonidium cicindeloides) um pequeno grilo, com aspeto de escaravelho, que vive perto de zonas húmidas. Ou algumas espécies em que as asas anteriores estão completamente ausentes.”