Percurso Luz e Sombra
À medida que avançamos sobre a linha descontínua, a norte do museu, que os agradáveis quadrados de betão definem, Ribeiro Teles afirma: “ este jardim é uma sucessão de cenários, não existem pontos de fuga, existem cenários que se sucedem, construídos pela luz e pela sombra”. Esta frase remete-nos para um dos conceitos base que presidiram ao desenho deste jardim: a manipulação da luz.
A luz de que se fala é a luz mediterrânea, acutilante e brilhante de Lisboa, que nada esconde, que tudo expõe e que, por isso, dissolve qualquer profundidade do espaço.
O percurso que agora percorremos revela-nos de forma clara o jogo de claro-escuro gerado pelas “massas” de vegetação que, ao impedirem uma leitura imediata e direta do espaço e dos seus limites, definem áreas de sombra e semi-sombra que proporcionam ao espaço uma profundidade que ele na realidade não tem e que a luz não permite.
Esta linguagem do espaço onde são negadas as axialidades impositivas é uma manifestação dos ideais do movimento moderno no desenho do jardim. Também a presença de amplos relvados e de espaços de estadia de desenho simples, onde surgem preocupações relacionadas com os princípios ecológicos e com a estrutura da paisagem, espelham aqueles ideais.
A paisagem está aqui representada através da vegetação, em grande parte constituída por espécies espontâneas das nossas matas: carvalhos, medronheiro, pilriteiro, folhado, azevinho, choupos, freixo, lódão, loureiro, salgueiro, juncos.
Cada espécie (arbórea, arbustiva e herbácea plantada) corresponde a uma realidade ecológica precisa, determinada pela morfologia do terreno: carvalhos generosos instalam-se nas suaves encostas que no jardim se desenham; choupos, freixos e amieiros verdejantes marcam e reforçam as sinuosas concavidades que percorrem o jardim; altivos pinheiros mansos e ciprestes revestem as doces colinas que irrompem no espaço; prados floridos adornam as clareiras que se abrem no jardim. Cada espécie pertence à nossa flora silvestre ou, pelo caráter universalista da nossa cultura, à flora que o nosso devir cultural tomou como nossa. Todas elas se encontram no seu devido lugar. Com elas se constrói a mata, se desenha a orla, se abre a clareira – 3 tipologias de espaço que evocam bem a paisagem portuguesa.
Ao atravessar a pequena colina de teixos, à direita, entramos dentro da orla – mais um dos novos jardins que Gonçalo Ribeiro Telles tem vindo a desenhar – que protege e isola o jardim do mundo exterior. O pavimento em bagacina, a vegetação tropical, o vapor de água libertado pelos nebulizadores e o teto arbóreo que envolve este espaço criam um lugar com uma ambiência muito expressiva de manhã, à chegada dos primeiros raios de luz.
Quando falamos de luz e sombra falamos não só do diálogo que se estabelece entre a mata e a clareira, que varia de acordo com a sua localização e envolvência, mas também da luz filtrada da mata, que adquire as mais diversas expressões consoante as características de cada exemplar arbóreo que a luz atravessa.
A área poente do jardim – uma densa mata de carvalhos, lódãos, folhados e pitósporos que acompanha um pequeno ribeiro – é atualmente uma das zonas de maior sombra do jardim. Lugar de quietude e recolhimento, marcado pelo som da água a correr e do chilrear dos passeriformes da mata, é um espaço muito procurado, sobretudo pelos jovens enamorados.
Na sombra, a luz irrompe subitamente. A mata desvanece-se numa clareira ocupada pelo roseiral e delimitada pela fachada sul do edifício Sede da Fundação. É um espaço pleno de luz, de cor e de aromas.