Organizada por ocasião do 90.º aniversário de Carlos Carneiro (1900-1971), esta exposição reunia os últimos trabalhos do artista, produzidos entre 1969 e 1971. Ao longo desse período, Carneiro concentrara-se no mesmo tema – catedrais – e trabalhara-o quase obsessivamente.

A mostra começava com um Auto-Retrato (1961), no qual o artista se representara a pintar, rodeado de telas, no seu ateliê, provavelmente no Porto. Seguiam-se aguarelas, sanguíneas, águas-tintas, desenhos a carvão de catedrais, quase todas no mesmo formato. Estes trabalhos correspondem a um período em que o artista se encontrava a viver em Paris e da janela do seu quarto via a Notre-Dame. Num diário, Carneiro registara simultaneamente o que ia vivendo, fazendo e sentindo. Este documento, fundamental para a compreensão da série, não foi apresentado na exposição, mas o catálogo incorporou alguns excertos.

O despojamento da Galeria de Exposições Temporárias da Sede da FCG (piso 01), com as paredes pintadas de branco e iluminação direcionada, juntamente com o modo sequencial como foram dispostos os trabalhos, contribuía para mostrar a intensidade da produção desse período e transmitir a experiência de entrega total então vivida pelo artista. Ao longo das salas, as imagens, mais ou menos definidas, reais ou imaginárias, pareciam surgir como aparições, visões.

No referido diário, Carlos Carneiro escreveu: «Dia 14 [Janeiro]: Essas catedrais imaginadas ou imaginárias andam comigo sem tréguas. Já existem algumas, outras aparecerão!!!…»; «Dia 1 de Fevereiro: Só trabalhando estou em sossego comigo mesmo. Só trabalhando eu tenho direito a todos os meus desejos»; «Dia 13 de Fevereiro: Outra catedral. Outra torre afiada erguida ao céu numa mancha cada vez mais simples, cada vez mais sonho… Estou contente comigo – começo a fazer qualquer coisa de diferente dentro do mesmo caminho, o meu!»; «Dia 15 de Fevereiro: As catedrais continuam cá dentro e saem cá para fora»; «Dia 26 de Fevereiro: Ontem duas grandes catedrais cada vez mais simples, mais simples, mais sonhadas, mais síntese. Por este caminho… acabo em abstracto!!! Eu sei lá!?»; «Dia 27 de Fevereiro: Outra catedral cada vez mais irreal, cada vez mais síntese, cada vez mais imaginada… Está diante dos meus olhos e cresce quanto mais a olho…» (Carlos Carneiro, 1989)

As catedrais aqui expostas mostravam a viagem do artista ao interior de si, numa busca pela máxima expressividade.

Depois de ter sido apresentada na Fundação Calouste Gulbenkian, esta mostra esteve patente no Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso, em Amarante.

Mariana Roquette Teixeira, 2018