O Museu de Sam

Exposição do artista português Sam (1924-1993), que pretendeu elevar à categoria de objeto de museu elementos vulgares, tratados como itens raros ou testemunhos de um passado pretensamente extinto. O artista convocava assim uma reflexão sobre a alienação da sociedade contemporânea, a arte e o conceito de museu.
Exhibition of Portuguese artist SAM (1924-1993) held at the Calouste Gulbenkian Foundation. Through his exploration of the museum space as a display case for common, everyday objects of the past, transformed and presented for contemporary viewers as rare artefacts, the artist draws attention to the isolation experienced in society while also reflecting on the concept of the museum.

A exposição «O Museu de Sam» inaugurou a 8 de janeiro de 1982 na Galeria de Exposições Temporárias da Fundação Calouste Gulbenkian, contando com a presença do presidente da República, António Ramalho Eanes.

Com esta exposição, Sam – Samuel Azavey Torres de Carvalho (1924-1993) – reuniu um conjunto de itens vulgares, tratados como pequenos tesouros, testemunhos de um passado pretensamente extinto. Entre estes incluíam-se elementos da natureza, como água e terra; produtos de origem humana, como cabelos e lágrimas, produtos de origem animal, como ovos de galinha, ossos, excrementos de boi, espinhas de peixe e ninhos; produtos de origem vegetal, como folhas de árvores, maçãs e musgo; produtos de origem mineral, como conchas e pigmentos, e produtos manufaturados.

O artista procurava chamar a atenção para os problemas do mundo contemporâneo, no qual os elementos comuns, nomeadamente, da natureza, estavam em extinção devido à alienação das comunidades humanas: «Para quem vive na cidade de betão, numa pequena célula de vidro e plástico e, ao ritmo das suas apreensões e do pulsar dos computadores, se move ao longo dos corredores metálicos que se dirigem para o futuro, uma borboleta é um ser extinto. Neste caminhar ansioso por entre paredes polidas, não se olham borboletas nem se ouve delas qualquer sinal. Retidas no outro mundo, ficaram-se pelo passado, sepultadas como coisa morta.» (O Museu de Sam, 1982, s.p.)

Esta exposição dá a ver coisas comuns como raridades ou objetos de contemplação museológica, inserindo cada uma delas «em herméticas caixas de vidro», preservadas do «tempo e do tacto» num «museu para quem vive na cidade de betão e já foi ao campo dum domingo passado» (Ibid.). A imprensa faria eco dessa singular mostra, «constituída por uma série de 32 elementos da natureza, elevados à categoria de objectos de museu» («Actividades Culturais», Colóquio/Artes, mar. 1982, p. 73).

O catálogo da exposição reúne fotos de Mário de Oliveira, dados biográficos do artista, um texto de José-Augusto França, um texto de SAM, reproduções dos itens expostos e um anexo intitulado Teleinformasam. Inseparável de «O Museu». Este anexo consiste na transcrição de notícias relatando acontecimentos banais, verídicos ou fictícios, produzidas pela Rádio Televisão Comercial, com locução de Carlos Cruz, José Júdice, Margarida Andrade e António Mega Ferreira. O teor satírico destas notícias destinava-se a levar o telespectador comum a refletir sobre o banal aparente: «Esta manhã, pelas 8 horas e 30, caiu uma folha de plátano de uma árvore do mesmo nome situada em Lisboa, nas proximidades da Avenida da Liberdade. Segundo informações chegadas há momentos à nossa redação, os serviços camarários foram alertados e preparam-se para proceder à remoção da referida folha.»

Na documentação disponível sobre a exposição, o vídeo Teleinformasam é objeto de um apontamento datado de 16 de dezembro de 1981, assinado por José Sommer Ribeiro, em que se solicita autorização para a sua realização e se refere a sua aquisição pela videoteca do Centro de Arte Moderna. No orçamento do filme, assinado pela Rádio Televisão Comercial e datado de 20 de novembro de 1981, encontram-se mais informações acerca da realização deste «noticiário satírico, apresentado pelo locutor Carlos Cruz, enriquecido por visualização de documentos, fotos e reportagens filmadas de alguns dos acontecimentos a referir» (Ofício da Rádio Televisão Comercial, 20 nov. 1982, Arquivos Gulbenkian, SEM 00240).

No material para o catálogo, os vários núcleos da exposição encontram-se organizados por salas: «Quator Elementa» e «Producta Ex Hominae», na primeira sala; «Producta Ex Animalibus» e «Producta Ex Mineralibus», na segunda sala; e «Producta Ex Vegetalibus» e «Producta Manufacta», na terceira sala. Foram expostos 32 objetos.

A análise das fotografias e dos artigos que descrevem a exposição permite inferir que a montagem procurou uma disposição semelhante à de um museu de ciências naturais, sendo os objetos apresentados como se constituíssem «fósseis» do passado instalados num museu geológico, dentro de caixas de acrílico e identificados pelo nome latino.

A exposição foi largamente divulgada na imprensa escrita.

Numa das críticas, Manuela de Azevedo afirma: «Afinal, fui, porque, para crer, gosto de ver e diverti-me para “dentro”, de um gozo que não tem dentes mordazes. Aliás, não fui só eu que me deliciei com o Museu de Sam. Havia uma pequena multidão circulante que lia aquele “latim” em voz alta e comparando a pompa da legenda com o pó dos caminhos ou os sinais da chuva, se divertia como eu.» (Azevedo, Diário de Notícias, 20 jan. 1982, Arquivos Gulbenkian, SEM 00240)

O Jornal explicitava o objetivo de Sam nesta exposição: «O Museu pretende ser “um colectivo ressuscitar de seres que os habitantes das grandes cidades já esqueceram ou vulgarizaram”. E, segundo, Sam, compete aos artistas “transformá-los em seres mil vezes dignificados, concedendo-lhes história e nobreza”.» («“O Museu”. Sam na Gulbenkian», O Jornal, 15 jan. 1982)

Carolina Gouveia Matias, 2017


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Publicações


Material Gráfico


Fotografias

Roberto Gulbenkian e Madalena Perdigão (à esq.), José de Azeredo Perdigão (ao centro)
Nuno Krus Abecasis e José de Azeredo Perdigão (à esq), Pedro Tamen, Roberto Gulbenkian e SAM (à dir.)
Madalena Eanes ( ao centro) e o presidente da República Portuguesa, António Ramalho Eanes ( à dir.)

Documentação


Periódicos


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Exposições e Museografia), Lisboa / SEM 00240

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém convites, orçamentos, despachos internos, correspondência externa, elementos para o catálogo e recortes de imprensa. 1981 – 1984

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Comunicação), Lisboa / COM-S001/019-D02156

10 provas, p.b.: inauguração (FCG, Lisboa) 1982

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Exposições e Museografia), Lisboa / SEM-S007-P0118-D00373

7 provas, p.b.: aspetos (FCG, Lisboa) 1982

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Exposições e Museografia), Lisboa / SEM-S007-P0118-D00374

Coleção fotográfica, p.b.: inauguração (FCG, Lisboa) 1982


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