Révolution Xenakis

Comemorações do Centenário do Compositor Iannis Xenakis

Iniciativa da Philharmonie de Paris, cidade onde estreou, «Révolutions Xenakis» trouxe a Lisboa uma viagem pela vida e obra de um dos criadores seminais da segunda metade do século XX. A exposição integrou a vasta programação da Fundação Gulbenkian para celebrar o centenário deste autor multímodo, com quem a instituição manteve fortes relações.

Música, antropologia cultural, matemática, física, engenharia, arquitetura, informática – são alguns dos quadrantes sintetizados no trabalho de Iannis Xenakis.

Em 2022, a exposição itinerante «Révolutions Xenakis» foi uma das iniciativas em destaque no âmbito das celebrações internacionais do centenário do nascimento deste autor, um vulto cultural de referência da segunda metade do século XX.

O comissariado da exposição coube à artista Mâkhi Xenakis, filha do compositor, e ao organólogo Thierry Maniguet. O projeto de museografia ficou a cargo da Wilmotte & Associés Architectes, estúdio de Jean-Michel Wilmotte (detentor de um reputado portefólio na área da arquitetura de museus e espaços expositivos, incluindo um caso que nos é próximo: a remodelação do Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado, para a sua reabertura em 1994).

Promovida pela Philharmonie de Paris, a exposição foi primeiramente apresentada entre 10 de fevereiro e 26 de junho de 2022 no Musée de la Musique – Cité de la Musique – curiosamente, um complexo para o qual, em 1983, Xenakis e Jean-Louis Véret tinham apresentado um projeto arquitetónico, que não ganharia o concurso.

A primeira versão da mostra poderá ser entendida como a base de uma programação alargada pela capital francesa, envolvendo as artes visuais e performativas, a ciência e a tecnologia, e revelando-se multifacetada, como o é o trabalho de Xenakis.

Em concomitância com «Révolutions Xenakis», o Musée de la Musique expôs um conjunto de peças cinéticas de artistas contemporâneos, montadas no interior da sua exposição permanente e convocando relações com o universo de Xenakis. Noutras instituições de Paris, foram vários os desdobramentos relacionados com a iniciativa da Philharmonie, parcerias estas que envolveram o Planétarium – Cité des Sciences et de l’Industrie, onde foi exibido o filme imersivo Xenakis, Regards croisés sur la galaxie d’Andromède, e o IRCAM (Institut de Recherche et de Coordination Acoustique/Musique) do Centre Georges Pompidou, onde foi apresentado o espetáculo Polytope 2022, consistindo numa recriação do Polytope de Cluny (1972-74) e numa nova instalação intermedia nele inspirada, assinada pelo coletivo /nu/thing e pelo estúdio de arte digital ExperiensS, evento que pautou a reabertura da sala de projeção do IRCAM. A tudo isso somou-se uma variada programação de concertos, conversas e visitas comentadas.

De Paris, «Révolutions Xenakis» migrou para Lisboa, ocupando a Galeria de Exposições Temporárias do Museu Calouste Gulbenkian entre 3 de dezembro de 2022 e 27 de março de 2023 (Centro de Arte Moderna \ Exposições \ Révolutions Xenakis). Coproduzida pelo Centro de Arte Moderna (CAM), aliava-se à extensa programação que a Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) preparou por ocasião do centenário do nascimento do compositor, vertida em exposições, conversas e, claro, concertos.

Para a versão de Lisboa de «Révolutions Xenakis», a arquitetura da galeria conservou-se próxima da sua configuração mais nativa e estrutural. A cenografia museográfica, embora muito presente, optou por não erguer paredes falsas delineadoras de grandes compartimentos, com as secções de «Révolutions Xenakis» a serem organizadas no espaço aberto da galeria. Cada uma delas chamava a si uma área da exposição, mas mantendo-se sempre comunicantes entre si e praticamente sem barreiras físicas. O projeto museográfico, disponível nos Arquivos Gulbenkian, salienta essa condição mais despida do espaço expositivo, apenas com as colunas em betão, ao centro da galeria, fazendo uma demarcação arquitetónica entre aquilo que, grosso modo, poderão ser consideradas as duas metades da exposição.

Deste modo, num único ambiente, a curadoria e a produção manobraram a convivência de conteúdos que envolviam, vários deles, formatos audiovisuais, passando por grandes ecrãs de projeção, períodos de iluminação variável e difusão de som exterior. Esta coabitação de media implicou, obviamente, que o fator tempo tivesse um papel crucial e que esta exposição fosse proposta, em certa medida, como uma experiência «cronométrica», digamos assim. Se a criação sonora passa muito por um mergulho na plasticidade do tempo, e se testemunhamos em Xenakis intensas explorações quer da sincronia, quer da dessincronia, não será demasiado abusivo ver em «Révolutions Xenakis» a passagem de parte dessas dinâmicas para o plano do projeto expositivo e da montagem.

Na metade esquerda da galeria, no sentido de quem entra no espaço, uma sequência de vitrinas, desenhadas especificamente para a exposição, distribuía-se até ao fundo da sala, lançando, juntamente com a parede da esquerda, a parte mais documental da mostra e que introduzia os seus principais temas: «Panteão Íntimo»; «Pavilhão Phillips»; «Aliagens»; «Polítopos»; «Espaço-tempo»; «Máquina e Desenho». De tema em tema, tecia-se uma narrativa cronológica entre as peças da parede e das vitrinas, conjugando diverso material de arquivo, como documentos pessoais, fotografias, epistolografia, estudos de notação musical, textos, esboços, gravações sonoras, entre outros recursos, vários deles apresentados na companhia de QR codes de acesso a conteúdos adicionais. Esta secção permitia compreender, em profundidade, cruzamentos entre a vida e a obra de Xenakis. Abordava, naturalmente, o interesse pela música, cedo desenvolvido, e o marco que foram, mais tarde, já em Paris, os estudos com Olivier Messiaen. Passava pela vida de Xenakis em Atenas, já enquanto estudante universitário, assolada pela Segunda Guerra Mundial, abordando o modo como se politizara na resistência e nos movimentos de libertação. Esclarecia como a sua formação em engenharia se dera nesse contexto difícil, e como ela frutificaria – científica e artisticamente – no exílio em Paris, como colaborador do ateliê do arquiteto Le Corbusier, onde trabalharia durante cerca de doze anos, nascendo dessa colaboração obras como o Pavillon Philips, para a Exposição Universal de Bruxelas de 1958, ou o Convento de Sainte-Marie de La Tourette, em Éveux-sur-l’Arbresle (começado a projetar em 1953 e inaugurado em 1961). Debruçava-se depois sobre a exploração de Xenakis de novos sistemas gráficos de notação musical, que, partindo da matemática, se expressam como desenho, e sobre o seu envolvimento crescente com a informática, investindo na computação aplicada à criação de peças sonoras e multimédia.

Por cima desta secção mais documental da exposição, no teto, encontrava-se uma teia técnica composta por dezenas de focos de luz, constituindo a parte mais evidente do aparato de uma instalação de luz e som preparada pelo estúdio ExperiensS. Os Arquivos Gulbenkian guardam fotografias do processo de montagem, nas quais, entre o pessoal técnico, podemos ver Thomas Bouaziz (aka TremensS), fundador do estúdio ExperiensS, preparando e programando esta intervenção. Referida como um «curto-circuito no processo cenográfico», a instalação tinha como inspiração os Polytopes de Xenakis – trabalhos intermedia situados no arranque da arte eletrónica e da arte digital, áreas que o compositor muito impulsionou, estabelecendo campos de possibilidade de que são de certo modo herdeiros projetos contemporâneos como o estúdio ExperiensS. De caráter intensamente estroboscópico, a instalação do ExperiensS justificou um aviso, especialmente destinado a pessoas com epilepsia fotossensível. Além da teia com os focos de luz por cima das vitrinas, o aparato da instalação distribuía-se ao longo do restante espaço, com colunas de som e equipamento de iluminação. Durante a ativação, as inscrições e grafismos nas paredes escuras (alusivos a equações, esquemas e esquiços projetuais de Xenakis) respondiam à luz emanada por focos de luz negra. Ativada a cada vinte minutos, a instalação animava toda a sala durante os cerca de três minutos em que decorria (a duração e periodicidade desta proposta, entre outras informações relevantes, são referidas por Benjamin Weil, diretor do CAM, numa breve entrevista sobre «Révolutions Xenakis» publicada no website da FCG).

Na metade direita da galeria, três grandes videoprojeções partilhavam toda a parede, dialogando com o cronograma e a panóplia de materiais do outro lado da sala.

O primeiro ecrã a contar da entrada abordava a colaboração de Xenakis com Le Corbusier, em especial a conceção do Pavillon Philips, do qual era apresentada uma maqueta tridimensional nesta parte da exposição. Na lista de obras vinda de Paris, constam colagens sobre papel da autoria de Le Corbusier, que não integraram o acervo exposto em Lisboa. Contudo, na Gulbenkian, esta primeira projeção incluía, entre os seus vários segmentos, um vídeo alusivo a estas colagens, que terão funcionado como estudos para Poème électronique de Edgard Varèse – o espetáculo multimédia apresentado no interior do Pavillon Philips. Ao som de uma composição eletroacústica, o ambiente do Pavillion oferecia uma espacialização sonora e visual com várias projeções de filme a preto-e-branco, slides e jogos de luz. De Xenakis, além da própria arquitetura do pavilhão, estava presente a composição Concrete PH (iniciais de paraboloïdes hyperboliques, princípio matemático que configura o Pavillion e várias outras obras de Xenakis, tornando-se um dos principais motores das suas Alliages). Feita com base em gravações de carvão crepitante, esta peça eletroacústica de Xenakis era escutada pelo público à entrada e à saída daquele espaço sui generis.

O segundo ecrã, por sua vez, centrava-se em dois grandes temas xenakianos. Por um lado, o abrangente conceito das Alliages, isto é, em termos muito gerais, as mesclagens entre áreas e processos de trabalho, geradoras de autênticas «ligas» simbióticas, envolvendo muitas vezes uma continuada recuperação e reinvenção de princípios, métodos e referências entre projetos. Por outro lado, os Polytopes, que, de certo modo, foram uma das concretizações mais categóricas da força criativa do trabalho por alliages (sobre as Alliages, leia-se o texto que Elisavet Kiourtsoglou escreveu sobre «O percurso de uma arquitetura e aliagens» no catálogo da exposição: Révolutions Xenakis [PT], pp. 23-27).

Por sua vez, o terceiro ecrã era dedicado ao tema «Máquina e Desenho», no qual, entre outras referências, mereceria sempre destaque o papel de Xenakis na fundação do EMAMu (Équipe de Mathématique et Automatique Musicales), em 1966, que, mais tarde, em 1972, passaria a CEMAMu (Centre d’Études de Mathématique et Automatique Musicales). É nesse contexto que se dão os sucessivos desenvolvimentos do sistema UPIC (Unité Polyagogique Informatique du CEMAMu), um computador que, através de uma interface gráfica CAD (Computer-aided Design), permite «desenhar sons» de um modo extremamente direto (sobre este tema, leia-se: Agostino di Scipio, «UPIC» [2022], no website oficial Iannis Xenakis).

A exposição contava ainda com uma reconstrução do atelier de Xenakis, encenada num espaço circular para dentro do qual se podia espreitar através de uma abertura de configuração geométrica. Vários livros, materiais de trabalho, instrumentos musicais, estatuetas, gravuras e outros pertences de Xenakis habitavam esta cenografia, dando nota da sua constelação de interesses. Nas fotografias da montagem, Pedro Pina captou de perto alguns desses itens. Repare-se, por exemplo, na dimensão etnográfica de vários deles, tais como alguns dos instrumentos musicais, ou as referências arqueológicas de outros, como uma máscara dourada ao jeito daquela que se convencionou chamar «Máscara de Agamémnon» (Micenas, Grécia, c. 1500 a.C.). Sobressai também uma maqueta tridimensional de 1977 do Diatope (Polytope de Beaubourg), estreado na inauguração do Centre Pompidou em 1978, e que foi concebido como uma obra itinerante, com ambições de um trânsito global que ficaram por concretizar, mas que ainda seria apresentada em Bona no ano seguinte.

O projeto de museografia previa ainda pontos de escuta junto das colunas estruturais da galeria, dispositivos estes que, todavia, não terão sido implementados.

À semelhança do que já vem acontecendo noutras itinerantes internacionais, a Fundação Gulbenkian não editou uma versão integral própria do catálogo de «Révolutions Xenakis». Adotou como publicação de referência o livro lançado pela Philharmonie de Paris, impulsionadora da iniciativa, e optou por traduzir para português uma seleção de conteúdos colhidos dessa publicação da Philharmonie. Entre eles, merecem destaque os vários textos assinados pelo próprio Xenakis, além de diversas secções com uma componente de glossário (de conceitos matemáticos, por exemplo, bem como de conceitos especificamente xenakianos) como complemento das contribuições dos especialistas na sua obra. Esta vertente de glossário é de especial importância quando em causa está uma obra tão expansiva e multifacetada, articulando processos que, embora se dirijam para uma universalidade imediata, podem envolver especificidades conceptuais e técnicas que, num primeiro momento, poderão parecer crípticas. Era, sem dúvida, um dos contornos desta pequena tradução da FCG a sublinhar o seu papel importante no cômputo da literatura em torno de Xenakis editada em português.

O relatório final de exposição temporária referente à versão de Lisboa de «Révolutions Xenakis» dá conta de uma frequência próxima dos 22 mil visitantes, com um nível de satisfação a rondar os 86%. Outras notas a destacar no documento são as exigências tecnológicas da instalação de ExperiensS, que terá requerido manutenção por diversas vezes para que se assegurasse o seu normal funcionamento. Os testemunhos de uma apreciação positiva às equipas da FCG, por parte de vários profissionais externos envolvidos na produção, também constituem um dado a assinalar (Relatório final, 2023, Arquivos Gulbenkian, 2023, [cota brevemente disponível]).

Após o encerramento de «Révolutions Xenakis» na Gulbenkian, uma parte significativa do acervo exposto seguiria para a mostra «Iannis Xenakis: Sonic Odysseys», no EMST – National Museum of Contemporary Art Athens, patente entre 29 de junho de 2023 e 1 de janeiro de 2024. Esta terceira coprodução expositiva da Philharmonie no âmbito do centenário observou alterações relevantes face à proposta de Paris e Lisboa. Recorreu maioritariamente à parte mais documental das apresentações anteriores, bloco do qual manteve a estrutura-base. O projeto museográfico ficou a cargo de Eva Manidaki & Thanassis Demiris (Flux Office de Atenas), com o design expositivo a apelar mais aos espaços de trabalho e interfaces de criação usadas por Xenakis (EMST \ Press release, 2023). Esta apresentação não terá incluído tantos conteúdos multimédia nem a instalação de luz e som de ExperiensS.

Os cem anos do nascimento de Iannis Xenakis seriam sempre um marco de grande relevância para a FCG, instituição que, através do seu Serviço de Música, foi aquela que comissariou mais criações deste artista – onze peças ao todo. Além de encomendas de novas obras, a Gulbenkian desempenhou um papel continuado na difusão do trabalho do compositor, promovendo várias estreias de peças suas em Portugal, e mesmo ao nível mundial, e atribuindo apoios para o desenvolvimento tecnológico de dispositivos computacionais usados nas suas investigações (Révolutions Xenakis [PT], 2022, pp. 13, 14 [artigo disponível online]).

Abordando mais de perto esta fértil relação entre Xenakis e a Gulbenkian, foi organizada a mostra «Xenakis e a Fundação Calouste Gulbenkian», a cargo da Biblioteca de Arte e Arquivos Gulbenkian. Teve lugar no átrio da Biblioteca de Arte, em frente à entrada para «Révolutions Xenakis», decorrendo em simultâneo com esta. Expunha uma parte muito significativa do acervo documental do Serviço de Música relacionado com o compositor, focando em pormenor as colaborações estabelecidas desde o final da década de 1960 – em grande medida impulsionadas pela diretora daquele serviço entre 1958 e 1974, Madalena de Azeredo Perdigão (inclusivamente, Xenakis dedicaria a Madalena e José de Azeredo Perdigão uma das peças encomendadas pela FCG: Cendrées, de 1973) (Ibid.). A mostra documental incluía também alguns materiais fac-similados provenientes da família do compositor (Comunicado de imprensa, 21 nov. 2022, Arquivos Gulbenkian, [cota brevemente disponível]).

No contexto deste projeto expositivo, publicou-se online uma série de documentos áudio de gravações ao vivo de peças de Xenakis, correspondentes a primeiras audições, portuguesas e absolutas, captadas entre 1969 e 1987 no âmbito de eventos promovidos pela Gulbenkian (dentro e fora de portas), bem como uma gravação da conferência «Formalisations en Musique», proferida no Auditório 2 da Fundação a 20 de junho de 1973. Das dez interpretações disponibilizadas, destacam-se apresentações importantes de peças subvencionadas pela FCG, como, por exemplo, a primeira audição portuguesa de Nuits (1967/68) a 2 de junho de 1969, no Teatro Tivoli, integrada no XIII Festival Gulbenkian de Música, ou as primeira audições absolutas de Cendreés (1973), a 20 de junho de 1974, no Grande Auditório da FCG, e de Tetras (1983), a 8 de junho de 1983, igualmente no Grande Auditório, esta última no âmbito dos VII Encontros Gulbenkian de Música Contemporânea (Biblioteca de Arte Gulbenkian \ Xenakis e a Fundação Calouste Gulbenkian [áudios], 2022).

A assiduidade de trabalho entre a Fundação e Xenakis deu frutos de grande alcance, não apenas no que toca às pesquisas que foram subsidiadas e às apresentações de obras, mas também no que concerne ao papel de pedagogo que, pelo que percebemos, Xenakis assumia entusiasticamente. De um modo ou de outro, várias das colaborações entroncaram, naturalmente, nas missões formativas que a FCG desempenhou desde a sua génese, junto dos públicos, artistas e outros agentes do meio cultural português. A toda esta atividade não foi alheio o compositor português Cândido Lima, elemento do Coro Gulbenkian e bolseiro Gulbenkian na década de 1970 e alguém que estudaria com Xenakis – de quem viria a tornar-se um colega destacado.

Cândido Lima seria um dos autores em destaque no concerto-instalação Arquitetura dos Sons, apresentado na Sala do Foyer da Sede da FCG (Piso 1) a 26 de março de 2023, o penúltimo dia de «Révolutions Xenakis». Em duas sessões esgotadas, o Ensemble DME interpretou obras de Xenakis (Bohor, 1962, em estreia nacional), Diogo Alvim (Posição Relativa, 2022), Cândido Lima (ETHNON – Canto do Paraíso, 2010-2012) e Ângela Lopes (Gárgulas d’Arga, 2013).

A vertente mais musical do centenário começara meses antes da inauguração de «Révolutions Xenakis», em setembro de 2022, com dois concertos no Grande Auditório. No primeiro, a 16 de setembro, o Coro e Orquestra Gulbenkian interpretaram duas obras de Xenakis (as Anastenaria, 1953, a abrir, e Pithoprakta, 1955-56, a fechar), uma de Messiaen (Chronochromie, 1959-60) e uma de Boulez (Messagesquisse, 1976). Dois dias depois, a 18 de setembro de 2022, apresentava-se o concerto «Transformer l’Homme», exclusivamente dedicado a obras de Xenakis, nomeadamente as obras percussivas Rebonds (A-B) (1987-89) Okho, (1989) e Psappha (1975), bem como Voyage absolu des Unari vers Andromède (1989) – uma das peças que foram compostas desenhando no computador UPIC –, e ainda Pour la Paix II (1981) – peças eletroacústicas para quatro recitantes, coro e eletrónica, com textos de Écoute e Les Morts pleureront, da autoria da escritora Françoise Xenakis, esposa do compositor. Ao fundo, pelo grande janelão cenográfico do palco, uma projeção de luzes no Jardim Gulbenkian compunha a componente visual deste espetáculo.

A programação dedicada a Xenakis no Grande Auditório teria depois outro dos seus momentos altos, a 2 e 3 de dezembro de 2022, coincidindo com os dias da inauguração e da abertura geral ao público de «Révolutions Xenakis». À semelhança do que acontecera no âmbito da exposição de Paris, foi apresentado o espectáculo Polytope 2022, projetado com a participação de ExperiensS (o estúdio de artes digitais que concebera a instalação de luz da exposição) e o coletivo de arte sonora /nu/thing. O palco do Grande Auditório fora preparado com a parafernália de holofotes, robôs de luz laser e distribuição de canais sonoros. Em cada sessão, o público, deitado em cadeiras reclinadas no próprio palco e olhando para cima, assistiu a uma recriação do Polytope de Cluny (1972-74, estreado nas ruínas das termas romanas de Cluny), seguindo-se, na segunda parte, a peça Were You There at the Beginning, extensão contemporânea da experiência de Cluny, criada pelo coletivo /nu/thing e pelo estúdio ExperiensS. A Philharmonie de Paris e o IRCAM do Centre Pompidou, agora com a parceria do CAM-FCG e do Programa Gulbenkian Cultura, voltavam assim a revigorar, com a tecnologia de hoje e com o público de hoje, a experiência imersiva dos espetáculos intermedia de Xenakis.

Recorrendo a um adjetivo usado pelo administrador da FCG Guilherme d’Oliveira Martins, na sua coluna do Diário de Notícias, trabalhar Xenakis é tratar de um autor profundamente poliédrico (Martins, «Revoluções Xenakis», Diário de Notícias, 20 dez. 2022, p. 28). Na Gulbenkian, esta multiplicidade chamaria a si a participação nuclear de vários serviços para assinalar estes cem anos do nascimento do autor. Comemorá-los passaria sempre por celebrar o pioneirismo que marcou quer a sua obra, quer, em determinada aceção, vários outros contornos da sua biografia. Pois, com efeito, Xenakis esteve verdadeiramente na linha da frente em muitos momentos da sua vida – quer artística, científica e tecnológica, quer política e social, quer, acima de tudo, na unidade muito sua que estabeleceu entre esses diversos vetores. Nunca é demais lembrar que, tal como vários vanguardistas do seu tempo, Xenakis aderiu a movimentos de resistência armada contra o nazismo durante a Segunda Guerra Mundial – no seu caso, a partir da Grécia, o país de seus pais e ao qual chega como jovem estudante, após ter deixado a Roménia natal. Em 1945, nas fileiras do ELAS (Exército Popular de Libertação Nacional), deveu à guerra a perda de visão do seu olho esquerdo e a cicatriz que passaria a apresentar no rosto – ambas sequelas de um ferimento provocado durante a resistência, mas, desta feita, frente às forças britânicas apostadas em restituir a monarquia grega (Makis Solomos, «Dos combates de dezembro de 1944 a “Metastaseis”: de uma revolução a outra». Révolutions Xenakis, 2022, pp. 29-31).

Perante o legado de alguém que foi um precursor no contexto do vanguardismo do segundo pós-guerra, poderá ser com alguma surpresa que, num primeiro momento, lemos as famosas palavras de Xenakis dizendo que terá «nascido com 25 séculos de atraso». Porém, como tantos criadores revolucionários antes e depois dele, é justamente na paixão pela Antiguidade que, em parte, radicam algumas das forças para tudo o que se revelaria novo na sua obra. Em boa medida, «Révolutions Xenakis» deu a compreender a sua vocação para unir os mais variados polos – sendo a ancestralidade e a inovação apenas dois de muitos exemplos possíveis –, num posicionamento que elegeu como pedra angular o genuíno fascínio pelos «rizomas» do mundo, desde os fenómenos da natureza às sociedades humanas.

De caráter antológico, e de grande pendor biográfico, a programação do «Centenário Xenakis» na Gulbenkian prestou assim homenagem a um autor que parecia transportar consigo desejos de uma espécie de modernismo holístico (da arte à ciência, da técnica ao espírito), almejado por vários vanguardismos do século XX, mas só expressado por alguns dos seus criadores mais excecionais.

Daniel Peres, 2024


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Mâkhi Xenákis
Benjamin Weil (esq.); António M. Feijó (dir.)
António Feijó, Benjamin Weil, Mâkhi Xenákis, Jorge Vasconcelos, António Manuel da Cruz Serra

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Xenakis

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1973 / Sede Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa

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