Júlio dos Reis Pereira. A imagem que de ti compus. Homenagem a Julio

Exposição individual de obras de pintura e desenho do artista Julio (1902-1980), com curadoria de Patrícia Rosas e António Gonçalves. Organizada pelo Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, em colaboração com a Fundação Cupertino de Miranda, a mostra centrou-se nos primeiros anos de atividade do artista.
Solo exhibition of paintings and drawings by artist Julio (1902-1980). Organised by the Modern Art Centre and the Calouste Gulbenkian Foundation in collaboration with the Cupertino Miranda Foundation and curated by Patrícia Rosas and António Gonçalves, the show centred on the first years of the artist’s career.

«Júlio dos Reis Pereira. A imagem que de ti compus. Homenagem a Julio» esteve patente na Galeria (piso 01) do Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), de 18 de janeiro a 7 de abril de 2013. Na inauguração, estiveram presentes Jorge Barreto Xavier, secretário de Estado da Cultura, e Artur Santos Silva, presidente da FCG. A exposição foi organizada pelo CAM em colaboração com a Fundação Cupertino de Miranda, sediada em Vila Nova de Famalicão.

Esta parceria teve como objetivo homenagear o pintor e poeta Júlio dos Reis Pereira (1902-1983) no trigésimo aniversário da sua morte, e dar a conhecer a sua obra, para muitos ainda desconhecida, respondendo a um dos propósitos da FCG, através do CAM: o de divulgar a arte portuguesa do século XX.

A exposição resultou do cruzamento de acervos do CAM e da Fundação Cupertino de Miranda, aos quais se juntaram obras cedidas por colecionadores privados – que permitiram preencher uma lacuna relativamente a trabalhos do artista criados nos anos de 1930 e 1940 – e o filme-documentário As Pinturas do Meu Irmão Julio (1965), realizado por Manoel de Oliveira (1908-2015).

O título da mostra foi retirado de um verso de Saúl Dias, pretendendo com essa transposição estabelecer um contacto entre a obra artística e a obra literária do poeta e artista plástico. O nome da exposição foi elogiado pelo crítico José Luís Porfírio, que viu nele uma possível reflexão sobre a memória que o público terá da sua obra. O crítico de arte referiu que, se alguns tinham, porventura, memória do artista e da sua obra, muitos iriam ver este conjunto de quase cem obras pela primeira vez.

De facto, algo que caracteriza o percurso do artista é a constante contaminação entre os dois modos de expressão, realizados através de dois pseudónimos: Saúl Dias, o poeta, e Julio (sem acento), o pintor. Esta contaminação materializava-se tanto na ilustração dos poemas de Saúl Dias, com desenhos de Julio, como pela utilização dos mesmos referentes na poesia e na pintura/desenho.

A exposição teve lugar trinta e três anos depois da mostra retrospetiva que a Gulbenkian dedicou ao artista, e que permitiu uma visão mais abrangente da sua obra. «Julio. Exposição Retrospectiva» foi organizada pelo extinto Serviço de Exposições e Museografia da FCG, e comissariada por Fernando Pernes, por iniciativa da Câmara Municipal de Vila Conde. Foi aqui, na cidade natal do artista, na Casa de São Sebastião, que a exposição foi apresentada pela primeira vez, tendo depois viajado para o Museu Nacional Soares dos Reis, no Porto, e em seguida para a Galeria de Exposições Temporárias da Sede da FCG (piso 0), em Lisboa.

Menos vasta, a mostra «Júlio dos Reis Pereira. A imagem que de ti compus. Homenagem a Julio» apresentou uma leitura dos primeiros trabalhos, encarando-os como momento fulcral para o entendimento geral da obra do artista, por pertencerem a um período de grande experimentalismo, que abriu portas para a produção dos anos seguintes. Assim, foi objetivo dos curadores reunir obras que pertencessem aos anos 20 e 30, como Mulheres na Fonte, primeira pintura a óleo, de 1922, ponto de partida para uma série de pinturas de cores vibrantes que dão vida a figuras recortadas por linhas pretas, em que o lado gráfico do desenho é mantido, embora com uma força e luminosidade superiores. As figuras surgem em primeiro plano, olhando o espectador de frente, em contextos urbanos de características oníricas, que, juntamente com a representação de perspetivas e coloridos improváveis, contribuem para o surrealismo da obra. Esta vertente surrealista provinha da própria curiosidade e sede de ler e viajar do artista, que bebia tudo o que podia para depois «testar hipóteses, lançar-se em sentidos mais diversos portadores de estranheza […]. Todo o seu trajeto foi percorrido numa constante relação de harmonia entre o respeito pelo seu eu interior e a apreensão e relação com o exterior» (Júlio dos Reis Pereira. A imagem que de ti compus. Homenagem a Julio, 2013, p. 9).

Apesar de se reportar aos anos 20 e 30, período de uma grande produção gráfica associada à revista Presença, a curadoria da exposição optou por não se debruçar sobre a ilustração. Segundo José Luís Porfírio, esta escolha ter-se-á também devido à aquisição de um grande conjunto de desenhos na posse dos herdeiros de Júlio dos Reis Pereira pela Fundação Cupertino de Miranda e constituiu a maior parte da mostra. Por outro lado, o desenho assegurava-lhe «uma relação muita direta com o pensamento, como se não existissem intermediários entre a intenção e o gesto resultante. Uma aproximação ao íntimo, à essência tão ambicionada e para a qual o desenho se ajustava» (Ibid., p. 11).

O corpo feminino é explorado em diversos trabalhos do artista, «como simbologia da sensibilidade, da busca do amor perfeito, do ideal, do mitológico» (Ibid., p. 13). A mulher surge de diferentes modos, podendo estar sozinha ou acompanhada, ser objeto de desejo carnal ou musa, «ser de simplicidade diária ou anjo de infinita bondade» (Ibid.). Neste caso, surge acompanhada por elementos como panejamentos, flores e jarras, ou junto a janelas, de onde se veem a lua e as estrelas.

Valter Hugo Mãe dividiu a obra de Julio em dois grandes grupos: o dos trabalhos onde está presente um sentido de crítica social e onde surgem valores de uma burguesia em decadência, e o dos trabalhos marcados pela busca da beleza ideal. Estes dois grupos temáticos acompanham a transição para uma fase de crescente interesse pelo desenho, em detrimento da pintura, deixando os trabalhos de aparentar um lado grotesco, urbano e vanguardista, para se tornarem cada vez mais harmoniosos, bucólicos e limpos. «A partir de então, sem dúvida que deslumbrado e procurando apenas o deslumbre, Julio define-se perenemente e aceita apenas ser perfeito. Diria que procura a superior limpidez, como alguém que obstinadamente quer deixar de ser capaz do erro ou que quer mesmo eliminar o erro do mundo», escreveu Valter Hugo Mãe num dos textos do catálogo da exposição (Ibid., p. 17).

José Luís Porfírio dividiu os trabalhos apresentados na exposição em três blocos estilísticos: um conjunto de obras expressionistas, «outro que se poderia designar dos nus, ou melhor, das mulheres brancas “lutando” por vezes com paisagens clássicas», e um outro, aparentemente não figurativo, de uma singularidade surrealizante (Porfírio, Expresso, 16 fev. 2013, p. 18).

Para Valter Hugo Mãe, a importância da exposição residiu no seu papel de divulgação e, consequentemente, na proteção da obra de Júlio dos Reis Pereira, consagrando-a no seio da história da arte portuguesa: «A exposição que, em muita boa hora, a Fundação Gulbenkian apresenta é uma prova, aos distraídos e aos incautos, da magnitude de um homem vila-condense que não pode ser ignorado.» (Júlio dos Reis Pereira. A imagem que de ti compus. Homenagem a Julio, 2013, p. 19)

No âmbito da exposição, foram organizadas diversas visitas guiadas, com os curadores da exposição e com Ana João Romana, do Serviço de Educação do CAM, e realizados cursos que partiram da exposição para abordar conceitos como lugar e experiência no contexto da arte contemporânea.

Carolina Gouveia Matias, 2019


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

Espera

Júlio dos Reis Pereira (1902-1983)

Espera, 1930 / Inv. 80P86

Nocturno

Júlio dos Reis Pereira (1902-1983)

Nocturno, 1929 / Inv. 83P371

O burguês e a menina

Júlio dos Reis Pereira (1902-1983)

O burguês e a menina, 1931 / Inv. 83P85

Pequenos animais sobre a areia

Júlio dos Reis Pereira (1902-1983)

Pequenos animais sobre a areia, 1932 / Inv. 80P369

s/título

Júlio dos Reis Pereira (1902-1983)

s/título, 1928 / Inv. DP578

s/título

Júlio dos Reis Pereira (1902-1983)

s/título, 1928 / Inv. DP575

s/título

Júlio dos Reis Pereira (1902-1983)

s/título, 1939 / Inv. DP579

s/título

Júlio dos Reis Pereira (1902-1983)

s/título, 1939 / Inv. DP580

s/título

Júlio dos Reis Pereira (1902-1983)

s/título, 1928 / Inv. DP574

Tarde de festa

Júlio dos Reis Pereira (1902-1983)

Tarde de festa, 1925 / Inv. 83P87


Eventos Paralelos

Curso

Traços da Contemporaneidade. Espaços de Encontro

jan 2013
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna
Lisboa, Portugal
Curso

A Arte Contemporânea e a Construção de Lugares e Experiências

fev 2013
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna
Lisboa, Portugal
Curso

A Obra de Arte como Espaço de Encontro. Estratégias de Relacionamento

2013
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna
Lisboa, Portugal
Visita(s) guiada(s)

Encontros ao Fim da Tarde

jan 2013 – abr 2013
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna
Lisboa, Portugal
Visita(s) guiada(s)

Domingos com Arte

fev 2013 – mar 2013
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna
Lisboa, Portugal
Visita(s) guiada(s)

Uma Obra de Arte à Hora do Almoço

fev 2013 – mar 2013
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna
Lisboa, Portugal

Publicações


Material Gráfico


Fotografias

Jorge Barreto Xavier (à esq.), Patrícia Rosas (à dir.)
Artur Santos Silva (de costas, à esq.), António Gonçalves (ao centro) e Isabel Carlos (de costas, à dir.)
Patrícia Rosas
Patrícia Rosas
Patrícia Rosas (esq.), António Gonçalves (centro, esq.), Isabel Carlos (ao centro) e Artur Santos Silva (à dir.)
António Gonçalves
Rui Mário Gonçalves (ao centro)
Patrícia Rosas, António Gonçalves, Artur Santos Silva e Jorge Barreto Xavier
Patrícia Rosas
Jorge Barreto Xavier, António Gonçalves, Artur Santos Silva

Periódicos


Páginas Web


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00683

Pasta com documentação referente à produção a exposição. Contém convite, periódicos, correspondência interna e externa, orçamentos, listas de obras, formulários de empréstimo e «condition reports». 2012 – 2013

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 5160

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG-CAM, Lisboa) 2013

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 5159

Coleção fotográfica, cor: inauguração (FCG-CAM, Lisboa) 2013


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