João Penalva. Trabalhos com Texto e Imagem

Exposição antológica da obra de João Penalva (1949), apontada como a mais extensa individual do artista em Portugal até então. Apresentou uma seleção de trabalhos realizados entre 1991 e 2011, da pintura à fotografia, passando pelo vídeo e pela instalação. A mostra pôs em evidência o modo como, entre texto e imagem, a ficção e a realidade se entrelaçam.
Retrospective exhibition of the work of João Penalva (1949), regarded as the artist’s most extensive solo show ever held in Portugal. The show featured works from 1991 to 2011, from paintings to photography, video to installations, highlighting how fiction and history interplay in the space between text and image, which are always intertwined.

No verão de 2011, a programação do Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) teve um dos seus momentos destacados na apresentação da maior exposição antológica da obra de João Penalva (1949) até então realizada. «Trabalhos com Texto e Imagem» partia da relação entre os mais diversos meios visuais e a palavra, a locução, o discurso (escritos ou falados, lidos ou ouvidos). Trata-se de uma dialética central no trabalho do artista e que, desde o início da década de 1990, tem sido responsável por grande parte dos desígnios de narratividade que a sua obra convoca. Dando primazia a este escopo, a seleção de obras apresentadas percorreu os vinte anos de produção artística que antecederam a exposição (1991-2011), por processos que vão da pintura ao objeto apropriado, da fotografia ao cinema, das artes gráficas às artes cénicas, muitas vezes engendrando uma tensão entre documento e ficção.

Com curadoria assinada por Isabel Carlos, então diretora do CAM, a exposição ocupou a maior parte dos espaços expositivos do Centro, nomeadamente: a Sala de Exposições Temporárias, a Sala Polivalente, as Salas A e B, o Hall, a Nave e Galeria do Piso 1. Inaugurada a 21 de julho de 2011, ficaria patente entre 22 de julho e 9 de outubro de 2011. Após encerrar em Lisboa, parte das obras seguiram para a cidade de Odense, na Dinamarca, onde seriam expostas de 3 de março a 28 de maio de 2012, no Kunsthallen Brandts – instituição parceira da FCG na organização desta iniciativa.

O catálogo lançado com esta antológica foi publicado em edição trilingue – português, inglês e dinamarquês – e não esgota o seu plano de referência na exposição. Aborda o tema da relação entre texto e imagem na obra de Penalva de modo mais abrangente, reproduzindo fotograficamente as cerca de 70 obras listadas, sendo que algumas delas não foram expostas nesta ocasião. Conta com três ensaios autorais: Rachel Withers discute o papel dos elementos textuais na obra de Penalva; João Nisa aborda a relação do trabalho do artista com o cinema; Bruno Marchand analisa os processos de construção ficcional a partir de duas instalações específicas: Violette Avéry (2001-2003) e Pavlina e o Dr. Erlenmeyer (2010). Esta última peça tinha sido apresentada em 2010 – ano anterior a esta antológica – no espaço Chiado 8, à data com programação expositiva de Marchand (ciclo 2009-2012), sob a direção da Culturgest («João Penalva. Pavlina e o Dr. Erlenmeyer», de 16 de abril a 25 de junho de 2010, Galeria Fidelidade Mundial, Lisboa).

Pavlina e o Dr. Erlenmeyer (2010) não terá sido apresentada na mostra do CAM, mas revela-se exemplar para introduzir a aura arquivística que tantas vezes é trabalhada pelo autor. As suas instalações decorrem frequentemente de um meticuloso plot que dá ao espectador a oportunidade de tecer – por sua conta e risco – as linhas (por vezes ténues) que unem e separam a ficção e a realidade. No espaço expositivo, essa tensão é disputada entre os textos de parede, tabelas e outros auxiliares museológicos (que muitas vezes suportam a encenação), a veracidade de alguns dos objetos apresentados e a montagem de todo o aparato expositivo. Tal como Marchand reforça no seu texto, esses elementos são amiúde orquestrados em modelos anacrónicos (como o do foyer, numa das partes de Pavlina e o Dr. Erlenmeyer), apontando para um exercício autorreflexivo sobre a própria história da museografia, das condições de perceção que propõe, e da cognição que daí advém, construída por cada sujeito do público.

A atenção de Penalva às vicissitudes do dispositivo museológico tende a esbater a fronteira entre curadoria e gesto artístico. A exposição passa a ser assumida, de todo em todo, como um campo de experiência em que verdade e ilusão podem ser jogadas em pé de igualdade, estimulando o espectador (que terá de ser em boa medida leitor) a uma consciencialização do jogo em que participa – pois é esse jogo que faz a obra.

Penalva desdobra no espaço expositivo as histórias das suas personagens (ora verídicas, ora fictícias, ora ambas), dramatizando um caudal de vivência que frequentemente interroga a história da modernidade. Para tal, o autor auxilia-se dos mais diversos materiais apropriados, desde artefactos a documentos; de imagens de arquivo a obras de arte de outros artistas. Veja-se, por exemplo, A Colecção Ormsson, apresentada por João Penalva – uma instalação de 1997 (Pavilhão Branco, Câmara Municipal de Lisboa) que integra obras artísticas e artefactos artesanais de diversas épocas. Ficciona um colecionador islandês, Loftur Ormsson. Nascido em Akureyri, em 1940, viveria posteriormente em Londres, Lisboa e Bruxelas – locais onde foi alimentando uma coleção baseada num princípio muito pessoal: o emparelhamento. Essa lógica atravessa a heterogeneidade de objetos do seu acervo. Por exemplo, uma peça de Pedro Cabrita Reis (1956), de 1980, tinha o seu par em alcatruzes portugueses do século XVI; um desenho de Egon Schiele (1890-1918), de 1917, emparelhava com uma colcha indo-portuguesa do século XVIII – entre tantas outras combinatórias. A apresentação da peça inclui textos museográficos e tabelas que suportam a ficção e, claro, algumas pontas soltas estratégicas, que conduzem o espectador a questionar-se sobre todo o universo ficcional em que participa e de cuja construção faz parte. Para a reapresentação desta instalação em 2011 foi naturalmente necessário mobilizar os empréstimos das obras com os seus reais proprietários (João Penalva. Trabalhos com Texto e Imagem, 2011, pp. 148-161).

Durante a exposição, a Sala Polivalente do CAM ficou inteiramente dedicada à exibição de cinco peças videográficas com realização de João Penalva: O Rouxinol Branco (2005); 336 PEK (336 Rios) (1999); Kitsune (O Espírito da Raposa) (2001); O Rugir de Leões (2007); A Harangozó (O Sineiro) (2005). Assumindo o pendor mais cinematográfico do auditório, as sessões foram agendadas com horário variável, por forma a facilitar o visionamento integral dos vídeos por parte dos visitantes. O ciclo seria prolongado para lá do fecho da mostra, estendendo-se até 31 de dezembro de 2011 (Programa, 2011, Arquivos Gulbenkian, ID: 267777).

Na imprensa portuguesa, destaque para o artigo de Nuno Crespo, com depoimentos do artista (Público. Ípsilon, 22 jul. 2011, pp. 28-29), e para a entrevista concedida a Claudia Galhós (Expresso. Atual, 6 ago. 2011, pp. 9-11). Nos periódicos internacionais, consta uma breve recensão na revista Arte y Parte (n.º 94, ago.-set. 2011, p. 98) e uma notícia de antevisão na revista Artforum (vol. 49, n.º 9, mai. 2011, p. 156).

Durante a produção desta antológica no CAM, a FCG adquiriu a instalação Dokumentarfilm (Doshi, 12. April 2003, 13.34 Uhr), de 2004 (Inv. 11E1631), que viria a integrar a mostra. Mais tarde, em 2014, seria também adquirida a já citada videoinstalação Violette Avéry, de 2003 (Inv. 16E1823), que esteve igualmente entre os trabalhos apresentados em 2011. A coleção do CAM conta com uma pintura do autor, datada de 1988, Arlequin Glacé (Inv. 88P1118).

João Penalva é um dos artistas contemporâneos portugueses com maior representação internacional. O seu percurso esteve inicialmente vinculado ao bailado clássico e à dança contemporânea, área em que foi bailarino profissional e coreógrafo. A maior proeminência das artes plásticas verifica-se a partir do final da década de 1980, sobressaindo primeiro o seu trabalho em pintura e logo depois as instalações, a fotografia, o vídeo. Anteriormente a esta grande antológica de 2011, o artista tinha exposto individualmente no CAM em 1990.

Desde então, a FCG pôde acompanhar algumas iniciativas do artista em Portugal e no estrangeiro. Destaque para o apoio dado à instalação 336 PEK no Camden Arts Center, em Londres (1999-2000), cidade onde o autor está estabelecido desde 1976.

Daniel Peres, 2019

Among the highlights of the Calouste Gulbenkian Foundation (FCG) Modern Art Centre (CAM) Summer 2011 programme was the opening of the largest anthological exhibition of the works of João Penalva (1949) ever seen at the time. “Trabalhos com Texto e Imagem” (Works with Texts and Image) drew on the connections between a wide variety of visual mediums and words, phrases and discourse (written or spoken, read or heard). This has been a central concern of the artist’s practice since the 1990s and is one of the main reasons his work is so often described as narrative. Foregrounding this facet, the selected works spanned the twenty years of artistic production that preceded the exhibition (1991-2011). From paintings to found objects, photography to cinema, graphic design to theatre, they often create a tension between fact and fiction.

Curated by Isabel Carlos, then director of the CAM, the exhibition occupied most of the Centre’s exhibition spaces, namely the Temporary Exhibition Gallery, the Multipurpose Room, Rooms A and B, the Hall, the Main Hall and the First Floor Gallery. Opened on 21 July 2011, it was on show from 22 July to 9 October 2011. After closing in Lisbon, some of the works toured to Odense in Denmark, where they were on display at Kunsthallen Brandts – FCG’s partner institution in the organisation of this project – from 3 March to 28 May 2012.

The catalogue released to mark this anthological show was trilingual – Portuguese, English and Danish – and did not stop at covering the exhibition itself. It also explores the wider theme of connections between text and image in Penalva’s practice and contains photographs of almost 70 of his works, some of which were not exhibited on this occasion. It contains three essays: Rachel Withers discusses the role of textual elements in the work of Penalva; João Nisa considers the relationship between the artist’s work and cinema; Bruno Marchand analyses processes of fictionalisation in two specific installations: Violette Avéry (2001-2003) and Pavlina e o Dr. Erlenmeyer (2010). The latter of these pieces was first shown in 2010 – one year before this exhibition – in arts space Chiado 8, as part of Marchand’s 2009-2012 exhibition cycle, directed by Culturgest (“João Penalva. Pavlina e o Dr. Erlenmeyer” - João Penalva. Pavlina and Dr. Erlenmeyer - 16 April to 25 June 2010, Galeria Fidelidade Mundial, Lisbon).

Pavlina e o Dr. Erlenmeyer (2010) may not have featured in the CAM show, but it perfectly illustrates the archivistic atmosphere Penalva so often creates. His installations often stem from a meticulously-drawn plot that gives viewers the opportunity to weave together – at their own risk – the (sometimes very hazy) lines that unite and divide fiction and reality. In the exhibition space, this tension exists in the dialogue between wall texts, tables and other museum aids (often used to help set the scene), which call into question the veracity of some of the objects displayed and even the exhibition apparatus as a whole. As Marchand explains in his essay, these elements are often laid out in anachronistic spaces (such as the foyer in part of Pavlina e o Dr. Erlenmeyer), suggesting an exercise of self-reflection on the history of museology, the conditions of perception it offers and the understandings derived from it, subjectively constructed by the audience.

Penalva’s interest in the workings of the museum apparatus leads to a blurring of the boundaries between curation and artistic gesture. The exhibition becomes a place of experimentation, in which reality and illusion stand on equal footing, leading the viewer (who must, to a great extent, act as a reader) to an understanding of the game in which they are participating – as this game itself forms the work.

Within the exhibition space, Penalva weaves the stories of his characters (sometimes true, sometimes fictional, sometimes both), fictionalising a wellspring of lived experience that often interrogates the history of modernity. The author does so by appropriating a variety of materials, from artifacts to documents; archive images to works by other artists. A good example of this is The Ormsson Collection, presented by João Penalva – an installation dating from 1997 (Pavilhão Branco, Lisbon Municipal Council), which includes artwork and crafts from different eras. It tells the tale of fictional Islandic collector, Loftur Ormsson. Born in Akureyri, in 1940, he went on to live in Lisbon and Brussels – where he amassed a large collection guided by a very personal principle: pairing. He applies this approach to every object in his varied collection. For example, a 1980 piece by Pedro Cabrita Reis (1956) is paired with 16th century Portuguese terracotta vessels and a 1917 drawing by Egon Schiele (1890-1918) is paired with an 18th century Indo-Portuguese bedspread – to name just two of the many combinations. The installation included museological texts and tables that helped construct the fiction while, naturally, leaving a few strategic loose ends, enabling viewers to question the fictional world in which they are participating, and to whose creation they are contributing. For the 2011 showing of the exhibition, it was, of course, necessary to loan the works from their real owners (João Penalva. Trabalhos com Texto e Imagem, 2011, pp. 148-161).

During the exhibition, the multipurpose room of the CAM was entirely devoted to screening five video works produced by João Penalva: O Rouxinol Branco (2005); 336 PEK (336 Rios) (1999); Kitsune (O Espírito da Raposa) (2001); O Rugir de Leões (2007) and A Harangozó (O Sineiro) (2005). Taking on the more cinematic character of an auditorium, showings ran according to a changing schedule, encouraging visitors to watch the films in full. This cycle continued after the exhibition closed, being extended until 31 December 2011 (Programme, 2011, Gulbenkian Archives, ID: 267777).

Highlights of Portuguese press coverage included an article by Nuno Crespo, featuring contributions from the artist himself (Público. Ípsilon, 22 Jul 2011, pp. 28-29), and his interview with Claudia Galhós (Expresso. Atual, 6 Aug 2011, pp. 9-11). In the international press, it was covered in a short article in the magazine Arte y Parte (Nº 94, Aug-Sept 2011, p. 98) and a preview piece in the magazine Artforum (vol. 49, Nº 9, May 2011, p. 156).

During the production of this anthological show at the CAM, the FCG acquired the 2004 installation Dokumentarfilm (Doshi, 12. April 2003, 13.34 Uhr) (Inv. 11E1631), which was included in the exhibition. Later, in 2014, another of the works presented in 2011, the 2003 video-installation Violette Avéry (Inv. 16E1823), was acquired. The CAM collection also contains a 1988 painting by the artist, entitled Arlequin Glacé (Inv. 88P1118).

João Penalva is among the highest profile Portuguese contemporary artists internationally. He began his career in the world of classical ballet and contemporary dance, working as a professional dancer and choreographer. He became known for his visual art practice in the 1980s, first as a painter and later for his installation, photography and video works. Prior to this major anthological exhibition in 2011, the artist had a solo show at the CAM in 1990.

From then on, the FCG had the opportunity to support various projects by the artist in Portugal and abroad. This included a showing of the installation 336 PEK at Camden Arts Centre in London (1999-2000), where the artist has lived since 1976.


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

Dokumentarfilm (Doshi, 12. April 2003, 13.34 Uhr)

João Penalva (1949- )

Dokumentarfilm (Doshi, 12. April 2003, 13.34 Uhr), 2004 / Inv. 11E1631

Violette Avéry

João Penalva (1949- )

Violette Avéry, 2003 / Inv. 14IM68

Dokumentarfilm (Doshi, 12. April 2003, 13.34 Uhr)

João Penalva (1949- )

Dokumentarfilm (Doshi, 12. April 2003, 13.34 Uhr), 2004 / Inv. 11E1631


Eventos Paralelos

Visita(s) guiada(s)

Encontros ao Fim da Tarde

jul 2011 – set 2011
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna
Lisboa, Portugal
Visita(s) guiada(s)

Domingos com Arte

jul 2011 – out 2011
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna
Lisboa, Portugal
Visita(s) guiada(s)

Uma Obra de Arte à Hora do Almoço

set 2011
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna
Lisboa, Portugal
Exibição audiovisual

Videografia de João Penalva

22 jul 2011 – 31 dez 2011
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna – Sala Polivalente
Lisboa, Portugal

Publicações


Material Gráfico


Fotografias

João Penalva, Emílio Rui Vilar
Graça Morais
João Penalva (à esq.), Emílio Rui Vilar (à dir.)
Ana Barata

Multimédia


Documentação


Periódicos


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / Dossiê de Artista n.º 446

Dossiê de artista com certificados de autenticidade de duas das suas três obras incorporadas na coleção do Centro de Arte Moderna. Contém epistolografia no âmbito das aquisições e dois recortes de imprensa. 2010 – 2014

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00643

Pasta de arquivo com documentação referente às obras que integraram a mostra «João Penalva. Trabalhos com Texto e Imagem». Contém fichas de obra com especificações técnicas e relatório de conservação, reproduções fotográficas e demais informações provenientes de diversas fontes. 2011 – 2011

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00644

Pasta de arquivo com documentação referente às obras que integraram a mostra «João Penalva. Trabalhos com Texto e Imagem». Contém fichas de obra com especificações técnicas e relatório de conservação, reproduções fotográficas e demais informações provenientes de diversas fontes. 2011 – 2011

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 7669

Coleção fotográfica, cor: inauguração (FCG-CAM, Lisboa) 2011

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 7660

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG-CAM, Lisboa) 2011


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