«Anch'io son' pittore». Pedro Pportugal

Exposição individual de Pedro Portugal (1963), centrada numa plataforma informática geradora de imagens. Essa interface, o PP-ROM, é interativa e acionável pelo espectador. Através dela, o utilizador podia construir o layout digital para pinturas a encomendar ao artista, ou permitir que a aplicação compusesse a imagem aleatoriamente.
Solo exhibition of work by Pedro Portugal (1963) centred on a digital image-generating platform. The interface, PP-ROM, is interactive and can be activated by the viewer. The interface allows users to create a digital layout for painting commissions for the artist or request a layout randomly composed by the application.

«“Anch'io son' pittore”. Pedro Pportugal» foi uma exposição individual de Pedro Portugal (1963) na Fundação Calouste Gulbenkian. Patente entre 17 de setembro e 30 de outubro de 1999, na Sala de Exposições Temporárias do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (CAMJAP), o projeto tinha como peça central o PP-ROM – The Ultimate Automata Painter. Assinado por Pedro Pportugal (grafia adotada pelo artista), esse dispositivo multimédia baseava-se numa aplicação informática navegável em que o espectador podia gerar imagens.

O público interagia com a plataforma através de um touchscreen de 15 polegadas. Este punha ao dispor do utilizador um vocabulário visual que, numa sucessão de passos, ele podia selecionar, posicionar, ampliar, diminuir e modelar cromaticamente. Também se podia simplesmente deixar que fosse o próprio autómato a gerir esses recursos numa combinatória de aleatoriedade. O alfabeto gráfico disponível – o PPFont – esquematizava formas com laivos estilísticos que Pedro Portugal colhera da história da arte, bem como signos e elementos visuais mais genéricos.

Aguçando o caráter provocatório da instalação, o touchscreen era montado sobre um cavalete de Maria Helena Vieira da Silva (objeto que estava então em depósito nas reservas do CAMJAP) (Arquivos Gulbenkian, CAM 00436). Uma projeção vídeo transmitia em tempo real a execução dos trabalhos no PP-ROM.

Após terminar a sua composição, o operador do PP-ROM podia encomendar a Pedro Portugal a imagem que construíra. O preço a pagar variava consoante os tamanhos e as técnicas disponíveis, à escolha do «freguês». Iam desde a reprodução impressa em médio formato à aguarela de pequeno formato e à pintura a acrílico em grande formato. Para formalizar a sua encomenda o utilizador/visitante/consumidor do PP-ROM podia munir-se de um ticket, caso a imagem tivesse sido desenvolvida no espaço da exposição. Seriam materializados os primeiros 100 pedidos emitidos desse modo. Havia também a hipótese de criar a imagem a partir de qualquer computador pessoal, ao adquirir uma das 200 cópias numeradas da edição do PP-ROM em CD. Podia-se depois imprimir a matriz da imagem a realizar e endereçá-la ao artista para concretização. Há também indicação do desenvolvimento de um website para gerir online este «serviço» de encomenda de obras (Arquivos Gulbenkian, CAM 00436).

O título italiano começa então a confirmar o seu sentido. «Anch'io son' pittore» quer dizer «Também eu sou pintor», e é aqui uma afirmação que se aplica, com diferentes gradações de ironia, quer ao autómato PP-ROM, quer ao espectador que o opera, quer, claro está, ao próprio Pedro Pportugal no papel do artista legitimado e estratega de tudo isto.

A capa do catálogo de exposição reproduz um still retirado de um vídeo promocional que enfatiza a dimensão humorística do projeto. Esse clip contou com a participação do ator Diogo Dória, bem como de Manuel João Vieira/Audio Minsk (voz-off e música), Miguel de Carvalho (câmara e iluminação) e Filipe R. do Vale (pós-produção) («Anch'io son' pittore»..., 1999). Encontra-se atualmente disponível para visualização no canal de Youtube de Pedro Portugal (Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=T4VIFaHGez8).

Satírico, o «autómato de pintura» PP-ROM voltava assim a problematizar alguns dos becos sem saída dos estatutos autorais do artista e da unicidade da obra de arte – conceitos que entram num corrupio muito próprio na relação homem-máquina da era digital. Situada bem no início dessa realidade social, em 1999, este computador de fazer arte é, por isso, uma paródia neodadaísta séria, que desfaz e refaz mitos auráticos associados à obra de arte e à figura do artista.

Atualizando o projeto Últimas Pinturas, de 1996, o PP-ROM vai do gozo à crítica cultural, tendo agora como variável a atuação mais direta do espectador na criação das imagens a produzir. Por trás do manto de paródia e blague, há, como em todo o humor consequente, um manancial reflexivo a revelar-se mordaz. Ele é analisado no texto de catálogo de Leonor Nazaré, comissária da exposição. A curadora do CAMJAP contextualiza o modo como a dinâmica do PP-ROM repensa «o "tudo pode ser arte" duchampiano e o "todos podem ser artistas" de Beuys», engendrando um espaço ambivalente, entre a ironia e a anti-ironia. Situa algumas das motivações centrais do PP-ROM no percurso alargado da obra do artista (Ibid., pp. 7-13). Os Arquivos Gulbenkian guardam um exemplar desse texto preparado para ser distribuído no espaço expositivo.

A reflexão teórica é continuada no texto «A arte, o gesto e a máquina», de Maria Teresa Cruz, igualmente publicado no catálogo de exposição. A autora desmonta vários conceitos flagrantes do PP-ROM à luz da história da arte e da filosofia, confrontando depois o projeto com outros exemplos artísticos que recorrem às chamadas novas tecnologias digitais (Ibid., pp. 15-22).

O catálogo contém ainda reproduções de imagens-teste resultantes do PP-ROM, bem como um manual de instruções para a sua utilização (Ibid., pp. 23-34). Segue-se-lhes o texto «Autoria multimédia. Algumas reflexões a propósito do projecto PP-ROM», de Manuel José Damásio, que articula os aspetos mais técnicos da interface com tópicos da sociologia e das ciências de comunicação (Ibid., pp. 35-40). Damásio era então coordenador da área de audiovisual e multimédia do Departamento de Comunicação da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (DC-ULHT). Essa instituição apoiou o desenvolvimento do PP-ROM e, após o fecho da exposição no CAMJAP, apresentá-lo-ia na II Semana do Audiovisual e Multimédia, entre maio e junho de 2000 (Ofício do DC-ULHT para o CAMJAP, 3 abr. 2000, Arquivos Gulbenkian, CAM 00436).

Na imprensa, destaque para a recensão de João Pinharanda no jornal Público, que, além de abordar os tópicos específicos da exposição, destaca os antecedentes do PP-ROM na série Últimas Pinturas, de 1996. Esse trabalho era igualmente baseado em encomendas ao artista, e também tinha na Internet um dos seus veículos. Relembrando-o, Pinharanda nota que «é sintomático do desfasamento do meio artístico face ao projecto (reside aí o seu lado provocatório) que o escoamento das obras não se tenha realizado através da Internet, mas por telefonema da galeria que tomou a cargo a sua comercialização…» (Pinharanda, Público, 17 set. 1999, pp. 22-23).

Pedro Portugal foi fundador do grupo Homeostética em 1983, em conjunto com Manuel João Vieira, Ivo, Fernando Brito e Xana («Anch'io son' pittore»..., pp. 42-43). A sua ação coletiva marcou a cena artística portuguesa dessa década com uma imprescindível contestação corrosiva e jocosa. Afirmando-se «anti-arte», alvejavam criticamente as convenções artísticas, o meio institucional que as legitima e a atualidade quotidiana em que todas essas linhas se cosem.

Daniel Peres, 2019


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Publicações


Material Gráfico


Multimédia


Documentação


Periódicos


Páginas Web


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00436

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém correspondência interna e externa; documentação referente à produção da interface PP-ROM e seu funcionamento; provas de revisão dos textos para catálogo; convites e três disquetes «floppy disk» (não consultadas). 2000 – 1995


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