Mise à nu par l'action

Exposição individual da artista Marta Wengorovius (1963). Realizou-se com o propósito de dar a conhecer uma obra contemporânea premiada em 1994 pela União Latina, pondo em exibição objetos, desenhos, instalação, vídeo e material fotográfico.
Solo exhibition of work by Marta Wengorovius (1963). Showcasing award-winning contemporary art (Latin Union prize-winner in 1994), the exhibition featured objects, drawings, installations, videos and photographs.

A exposição «Mise à nu par l’action», de Marta Wengorovius (1963), esteve patente no Centre Culturel Calouste Gulbenkian, em Paris, de 13 de janeiro a 6 de março de 2009. A exposição resultou dos planos traçados pela instituição para o centro sediado em Paris, no sentido de propiciar e difundir o reconhecimento de jovens artistas num contexto europeu mais alargado.

Premiada pela União Latina em 1994, a obra de Marta Wengorovius foi selecionada pela Fundação Calouste Gulbenkian por se demonstrar relevante e ilustrativa das principais tendências em vigor no panorama da produção da arte contemporânea.

Marta Wengorovius nasceu em Lisboa em 1963. Em «11 Questões», documento que encontramos no seu website e que remete para o seu portefólio, diz-nos: «Desde cedo e desde sempre, cruzei vivências […]. Cresci entre, entre a observação das reuniões clandestinas em nossa casa, entre o escutar por um buraco da fechadura os ensaios do Zeca (Afonso), entre os passeios pelo campo sozinha, entre a luta contra a guerra colonial, entre o demorar tempo a observar os animais, entre o receber um álbum sobre o estudo das plantas… Desde muito cedo me interessou o vínculo entre todas as coisas.» (Wengorovius, «11 Questões»)

Esse viver que se harmoniza pela ligação entre o individual, o par e o coletivo – o «Um, dois e muitos», um projeto que remonta a 1991 – foi-lhe na origem transmitido pela forma de estar da sua própria família. Um viver que as várias estadias no estrangeiro – nos EUA (1990), com uma bolsa da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento; em Londres, a convite da Goldsmiths College, ocupando uma vaga de Academic Observer (1993); na China e no Vietname (1994), com uma bolsa da Fundação Oriente – terão certamente ajudado a maturar.

A artista refere que foram conceitos dicotómicos como justiça/injustiça, pobres/ricos, guerra/paz, mas também cidade/campo, silêncio/ruído, silêncio/música, eu/outros, pessoas/animais, que formaram a sua curiosidade, mostrando-se sempre presentes ao longo do seu percurso. A par destes, sublimar a experiência do sensível levou-a a refletir sobre a importância de saber ver e de saber fazer perguntas. Essa forma de estar e de encarar o mundo – em suspensão – tornou-se por fim uma filosofia, permitindo-lhe uma produção conceptual e com raízes políticas, que todavia se veio a constituir como uma obra aberta.

O movimento a que o próprio título da exposição, «Mise à nu par l’action», faz referência, e que é o elo de ligação entre as obras expostas, é tanto físico como espiritual. Em cada uma das obras, é o movimento que simultaneamente desvela e expõe – mise à nu, «põe a nu» –, ou seja, que torna possível ver e mostrar, por um lado, e interpretar e explicar, por outro. Com efeito, Marta Wengorovius pretende demonstrar como ver e compreender são ações que contêm movimento em si próprias: a forma como abrandamos o passo e nos aproximamos, desacelerando e centrando a atenção sobre um determinado detalhe; e a reação muscular que então ocorre, desencadeada pela natureza intelectual do momento.

Convicta do potencial da observação e da contemplação, em «Mise à nu par l’action» a artista apresenta-nos obras – Objectos de Errância (nos quais se incluem «olhos», «superfícies», impressões digitais e «toalhas»), pinturas e desenhos – que nos conduzem e nos incitam a olhar melhor, através de uma ação que nós próprios lideramos. Junto de cada obra, deixa-nos pistas, instruções muito claras e específicas sobre a forma como cada uma destas pode, ou deve, ser vivida. É um convite à experiência da natureza e do espaço-ambiente que nos rodeia, e que se espera consciente de corpo e de mente. Cada uma destas obras concorre, afinal, para nos fazer imergir nesse estado de perceção sensível do movimento que se vai adensando à medida que percorremos a exposição e nos definimos alternadamente enquanto observadores e enquanto testemunhas participantes, tomando parte, e auxiliando a que o movimento se cumpra.

Tal como os restantes «olhos», Soleil #2 – Chaque moi un soleil é um disco plano para segurar entre as duas mãos, que contém um círculo no centro, vazado, através do qual se deve olhar. Junto da obra lê-se: «Segure o sol, levante a obra colocando-se atrás desta: aproxime-se do espelho e registe-se visualmente na memória enquanto sol.» De facto, se o tomar o lugar da natureza e o voltar a olhar em modo desacelerado nos permite ativar a ação e encontrar a totalidade no particular, também encoraja à partilha, ao diálogo e à discussão livre entre dois ou muitos. É neste ponto que os ideais democráticos voltam a emergir e se afirmam na obra de Marta Wengorovius, que não se detém na contemplação e no desenho, mas age sobre as práticas sociais, que nivela e reinventa.

Enfim, reunindo objetos, desenhos, instalação, vídeo e fotografias de acontecimentos, «Mise à nu par l’action» resulta de um projeto de investigação de natureza artística e pessoal que a artista vinha desenvolvendo com maior afinco desde o virar do milénio.

Centrada no movimento, e materializada sobretudo através da produção de objetos e de eventos – as experiências que se tornam documentadas em filme e em fotografia, e se apoiam na pintura, no desenho e na instalação –, a investigação culminou em «Mise à nu par l’action», para expor pela primeira vez em conjunto a série Objectos de Errância (olhos) (2005-2008); as pinturas monocromáticas S/Título – Après l'usage des objects d'errance (2008); o filme realizado por Giovanni Cioni, Olhos (2006-2009), criado a partir de objetos da artista e da dramatização das ações associadas à sua série Uso do olho; a série de desenhos Mise à nu par le dessine ainda Soleil #2 – Chaque moi un soleil (2008), uma obra especialmente desenvolvida para a exposição.

A exposição foi instalada no palacete Gulbenkian, a mítica residência de Calouste Sarkis Gulbenkian no número 51 da Avenue d'Iéna, em Paris, onde o centro cultural da Fundação permaneceu até 2011. Em termos museográficos, «Mise à nu par l’action» denota um uso do espaço, no sentido em que a instalação obedece a uma certa dispersão das obras que ocupam o átrio, as escadas e parte das salas do andar de cima. Ainda que antecedida por outras importantes mostras, algumas delas também a solo, «Mise à nu par l’action» marca um momento importante na carreira de Marta Wengorovius, uma vez que reúne e apresenta pela primeira vez, e na totalidade, o projeto Objectos de Errância, desenvolvido desde 2005 até àquele momento. Além disso, a boa receção da exposição faz que o projeto Objectos de Errância beneficie de desenvolvimentos até 2011, ano em que a artista se estreia com uma exposição individual no Museu Nacional de Arte Contemporânea, que é de alguma forma um retomar daquela que teria sido apresentada em «Mise à nu par l'action».

O catálogo, ao qual é dado um nome diferente La Totalité Particulièrement / A Totalidade no Particular, é trilingue (francês/português/inglês) e inclui uma entrevista de Paulo Pires do Vale à artista, assim como vários ensaios interpretativos da sua obra, assinados pelos críticos Angelo Capasso, Doris von Drathen e Suhail Malik.

Importa finalmente notar que «Mise à nu par l’action» mereceu uma divulgação nos meios de comunicação social, sobretudo num momento anterior, não havendo registos de uma crítica feita à exposição. Entre os diversos exemplos, contam-se o site da RTP e a internacional E-Flux, especializada em arte contemporânea, que através da sua plataforma online conclui: «It is precisely the way that movement is turned into drawing and then back to movement that we find the key to Wandering Objectsobserving becomes an object, is transformed into contemplation and then disappears in action. […] [This] is an original proposition in Wengorovius's art, [that] has to be silent because here, without reason, there can be no purpose to serve, no certainty of a greater future, only a prevarication over what must otherwise be taken to be objective.» («e-flux. Marta Wengorovious», 2009)

Madalena Dornellas Galvão, 2019


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

S/ Título

Marta Wengorovius (1963-)

S/ Título, 1989 / Inv. 90DP1395

S/ Título

Marta Wengorovius (1963-)

S/ Título, 1989 / Inv. 90DP1396


Publicações


Documentação


Periódicos


Páginas Web


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Belas-Artes), Lisboa / SBA 22297

Pasta com documentação referente ao processo de pedido da bolsa para a produção do filme «Olhos». 2008 – 2008

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Belas-Artes), Lisboa / SBA 07143

Pasta com documentação referente ao trabalho da artista Marta Wengorovious e críticas às suas exposições, realizadas nas décadas de 1980 e 1990. 1994 – 1995

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00431

Pasta com documentação referente a ao processo de atribuição do Prémio União Latina. 1989 – 1995


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