Antonio Dias. Trabalhos, 1965 – 1999

Exposição antológica e individual do artista brasileiro contemporâneo Antonio Dias (1944-2018), reunindo cerca de 40 trabalhos de pintura, escultura, desenho, vídeo e instalação, produzidos entre as décadas de 1960 e 1990. A curadoria da mostra foi assegurada por Jorge Molder e Paulo Herkenhoff.
Retrospective solo exhibition of Brazilian contemporary artist Antonio Dias (1944-2018) bringing together around 40 artworks – paintings, sculptures, drawings, videos and installations – produced during the 1960s and 1990s. Jorge Molder and Paulo Herkenhoff curated the exhibition.

Primeira exposição individual em Portugal do artista brasileiro Antonio Dias (1944-2018), organizada por iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), através do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (CAMJAP). A mostra deu a conhecer ao público português uma figura multifacetada e fundamental para as artes plásticas e visuais do Brasil na segunda metade do século XX, trazendo a Lisboa cerca de 40 obras, entre as quais se contam trabalhos de pintura, desenhos, objetos, filmes e instalações.

Inaugurada a 12 de outubro, a exposição seria apresentada no CAMJAP, num quadro de estreitamento de laços culturais entre Brasil e Portugal, juntando-se a outras exposições de arte brasileira apresentadas na FCG durante a década de 90, nomeadamente as dedicadas a Hélio Oiticica, em 1993, ou Manfredo de Souzanetto e Sérgio Camargo, em 1994, e antecipando aquele que seria o momento-chave nas relações culturais entre os dois países, com a apresentação em 2000 da grande mostra dedicada ao quinto centenário do primeiro contacto entre os portugueses e o território brasileiro, denominada «Entre o Espanto e o Esquecimento. Arqueologia das Sociedades Brasileiras antes do Contacto», a ter lugar igualmente na FCG.

A curadoria coube a Jorge Molder, à época diretor do CAMJAP, e Paulo Herkenhoff, crítico e curador brasileiro que, em 1999, foi apontado como curador no MoMA, cargo que desempenhou até 2002. A curadoria conjunta entre Molder e Herkenhoff resultou de uma sugestão do próprio artista, que desde o primeiro momento se mostrou envolvido no processo de produção da exposição, e do interesse do próprio crítico brasileiro, que assina o texto do catálogo.

O processo de escolha das obras resultou de um esforço conjunto entre Molder e Dias, que viriam a incluir obras que não estavam originalmente pensadas para serem expostas, nomeadamente trabalhos produzidos durante o período em que esteve em Nova Iorque enquanto bolseiro da John Simon Guggenheim Foundation. Antonio Dias considerava ser um conjunto de obras pouco mostrado e amplamente mal representado, como refere numa carta endereçada a Jorge Molder a 6 de julho de 1998. A título de exemplo, falamos de obras como The Body: A Grammar e The Art of Transference, ambas de 1972 (Arquivos Gulbenkian, CAM 00435).

Recusando atribuir uma dimensão retrospetiva à exposição, por considerar que a sua produção artística não estava terminada, Antonio Dias afirmaria em declarações ao jornal O Globo: «Prefiro denominar esta minha exposição de antologia, e não de retrospectiva, que daria idéia de uma obra já terminada, o que não é o caso.» (Osório, O Globo, 1999) O autor do artigo acrescenta ainda que esta «antologia» inclui «alguns tralhados dos anos 60, a fase visceral, chegando até aos dias de hoje» (Ibid.).

O projeto expositivo ficou a cargo da arquiteta Cristina Sena da Fonseca, ainda que o artista tenha sido uma peça fundamental na elaboração do percurso da exposição. O envolvimento do artista estendeu-se à produção do catálogo. Numa carta destinada a Jorge Molder, Antonio Dias alude a uma viagem a Estugarda, onde se vai reunir com o designer gráfico responsável pela produção da publicação auxiliar da exposição. Nessa missiva, dá conta de esforços na aplicação dos recursos do catálogo, falando da possibilidade de uma potencial interligação entre a exposição em Lisboa e uma outra a ter lugar no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 2000 (que seria apresentada em 2001), em que a publicação poderia ser a mesma, ainda que conceptualmente as exposições fossem bastante diferentes (Carta de Antonio Dias para Jorge Molder, 13 set. 1999, Arquivos Gulbenkian, CAM 00435). O artista refere esta possibilidade numa troca de correspondência com Jorge Molder a 24 de janeiro de 1999, garantido o aval escrito do Museu de Arte Moderna. Todavia, não há confirmação sobre a realização desta interligação (Carta de Antonio Dias para Jorge Molder, 24 jan. 1999, Arquivos Gulbenkian, CAM 00435).

Antonio Dias assumiu um forte protagonismo no desenvolvimento artístico da segunda metade do século XX, em clima de renovação da arte moderna brasileira, revelando preocupações extensíveis ao contexto da arte internacional. Questionou o conceito de estilo, em linha com a produção de conhecimento teórico, preocupado com as dinâmicas da linguagem e procurando questionar conceitos e ideias preconcebidas.

O artista procurou abordar problemáticas, ao invés de se centrar na apresentação de uma coesão e unidade estilísticas, que por sua vez não deixam de existir. Como Jorge Molder refere no catálogo: «Está presente como um estilo, não como um estilo no sentido que usualmente tomamos desta ideia (questão que a nossa contemporaneidade pretende a todo o custo evitar), mas como uma marca que permanentemente denuncia a presença do crítico e a força do seu agir.» (Antonio Dias. Trabalhos, 1965-1999, p. 7)

A sua obra caracteriza-se por um interesse na abordagem linguística de desconstrução do sujeito artístico, que assume não apenas como criador de linguagens, mas também como produtor de conteúdo político. A sua produção artística procura refletir sobre os contextos político e social de um Brasil envolto numa ditadura militar, entre 1964 e 1985, aos quais Dias responde com uma arte politizada, muitas vezes violenta, e despojada, como em The Invented Country.

Antonio Dias contribuiu ativamente para o desenvolvimento da arte pop política da América Latina, procurando distanciar-se do pop europeu e norte-americano, e assumindo uma posição crítica face aos contextos políticos ditatoriais e ao quadro do capitalismo ocidental, marginalizando economias como a brasileira, que por sua vez se viam imersas, internamente, num quadro de fortes disparidades ao nível da distribuição da riqueza e da pequena mobilidade social.

Esta crítica figura na aridez das suas obras, ligando-se às suas origens, já que Dias era originário do Nordeste brasileiro, onde testemunhou o êxodo para as cidades de muitos que foram expulsos pela aridez da terra. Apelidado de «pop sertanejo» por Mário Pedrosa, a severidade da sua obra demonstra a aridez que a terra e o espaço social brasileiro partilham (Antonio Dias. Trabalhos, 1965-1999, p. 29).

À severidade junta-se a violência, como característica estruturante da sua obra, na qual procura denunciar e expor as vivências de uma sociedade patriarcal, ditatorial, ancorada na violência política e sexual. O corpo fragmentado é apresentado como consequência dessa violência quotidiana levada a cabo pelas estruturas de poder. Como refere Paulo Herkenhoff: «Sua transparência permite enfocar a violência que obscurece o corpo. O corpo fragmentado se apresenta como escultura social e expõe as violentações e meandros da microfísica do poder.» (Ibid., p. 36)

O artista assumiu uma visão inconformada da vida, focada no estabelecimento de uma relação entre arte e vida, atenta aos problemas do seu país, recusando igualmente o processo de institucionalização artística. O objeto artístico assume novos estatutos, o signo mostra-se plurivalente, e podemos até evocar Robert Smithson e os seus sites e non-sites.

A exposição em Lisboa pretendeu dar a conhecer o percurso de um artista que personificou a modernidade brasileira do século XX, que Herkenhoff considerou como um elo de ligação dos três momentos fundamentais da arte brasileira: o modernismo (Oswaldo Goeldi, de quem Antonio Dias foi aluno, ter-lhe-á legado um certo rigor gráfico), o neonconcretismo e os artistas da década de 70.

A inauguração da exposição contou com a presença do ministro da Cultura português, Manuel Maria Carrilho.

Patrícia Simões, 2019


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Eventos Paralelos

Visita(s) guiada(s)

[Antonio Dias. Trabalhos, 1965 – 1999]

11 dez 1999
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna – Hall
Lisboa, Portugal
11 dez 1999
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna – Galeria Piso 1
Lisboa, Portugal

Publicações


Material Gráfico


Fotografias


Documentação


Periódicos


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00435

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém correspondência, seguros, lista de obras, documentos referentes ao transporte, despesas e orçamentos, «loan forms», textos de catálogo e apontamentos internos. 1998 – 2000

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00434

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém convite, despesas, planta da exposição, lista de obras, seguros, orçamentos, «loan forms» e correspondência. 1998 – 2000

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 110126

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG-CAMJAP, Lisboa) 1999


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