Hélio Oiticica

Exposição individual retrospetiva dedicada ao artista brasileiro Hélio Oiticica (1937-1980), um dos artistas mais significativos da arte brasileira da segunda metade do século XX, estando envolvido no movimento neoconcreto e posteriormente no movimento tropicalista.
Solo retrospective exhibition dedicated to Brazilian artist Hélio Oiticica (1937-1980). Involved first in the neoconcrete movement and later in the Tropicália movement, Oiticia was one of the most noteworthy figures in Brazilian art of the latter half of the twentieth century.

Exposição temporária, individual e itinerante apresentada em Lisboa, na Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), no seguimento de uma iniciativa do Projeto Hélio Oiticica, com o objetivo de dar a conhecer na Europa e nos Estados Unidos da América a obra de um artista fulcral na produção da arte contemporânea brasileira. O seu falecimento precoce, em 1980, contribuiu para o desconhecimento da sua obra.

O Projeto Hélio Oiticica foi pensado logo após a morte do artista, a 23 de março de 1980. Seria já em 1981 que os irmãos de Hélio, Cláudio e César, estabeleceriam as bases deste projeto, de modo a facilitar a preservação do espólio do artista e, simultaneamente, dar a conhecer ao público a importância da sua produção. Foi com naturalidade que a ideia de uma exposição retrospetiva passou a ser um dos objetivos deste projeto, ainda que o próprio Oiticica tivesse afirmado em vida não ter interesse em exposições retrospetivas.

Comissariada por Guy Brett, Catherine David, Chris Dercon, Luciano Figueiredo e Lygia Pape, a exposição seria apresentada em primeiro lugar no Witte de With, Center for Contemporary Art, em Roterdão, entre 22 de fevereiro e 26 de abril, seguindo posteriormente para Paris, para a Galerie Nationale du Jeu de Paume, patente entre 10 de junho e 23 de agosto de 1992. As paragens seguintes seriam na Península Ibérica: primeiro em Barcelona, na Fundació Antoni Tapiès, entre 1 de outubro e 13 de dezembro de 1992, e depois em Lisboa, já em 1993, no Edifício Sede da FCG (piso 0), entre 20 de janeiro e 20 de março. Inaugurada a 19 de janeiro, seguiu-se uma conferência sobre a vida e obra do artista apresentada por Catherine David, conservadora da Galerie Nationale du Jeu de Paume. A última itinerância seria já em Minneapolis, nos EUA, no Walker Art Center, entre 31 de outubro de 1993 e 20 de fevereiro de 1994.

O projeto expositivo espelhou as problemáticas que Hélio explorou ao longo da sua curta mas frutuosa carreira, nomeadamente a cor, o espaço e a dinâmica construtiva das suas obras, que se refletiu na forma como explorou os limites da pintura. Nas palavras de Oiticica: «Como está tudo tão claro agora: que a pintura teria de sair para o espaço, ser completa, não em superfície, em aparência, mas na sua integridade profunda.» (Hélio Oiticica, 1992, p. 42)

Consequentemente, o artista assumiu um papel preponderante no movimento neoconcreto, empenhado na defesa de um texto como a «Teoria do Não-Objeto», de Ferreira Gullar (1930-2016). Oiticica explorou a saturação do suporte pictórico, da pintura-quadro, que se transportou para o espaço, criando um não-objeto, um ambiente de envolvência que problematiza novas relações. Deixando antever uma nova dialética entre a obra e o espectador, este tende a abandonar a perspetiva daquele que «assiste», tomando um lugar mais ativo: «O “vestir”, sentido maior e total da mesma, contrapõe-se ao “assistir”, sentido secundário, fechando assim o ciclo “vestir-assistir”. O vestir já em si constitui uma totalidade vivencial da obra, pois ao desdobrá-la tendo como núcleo central o seu próprio corpo, o espectador como que já vivencia a transmutação espacial que aí se dá.» (Hélio Oiticica, 1993, p. 93)

Obras como Metaesquemas, Relevos Neo-Concretos e Espaciais, Bólides ou Penetráveis, elucidativas da produção criativa do artista durante as décadas de 50, 60 e 70, atestam a diversidade de dispositivos conceptuais que caracterizaram Oiticica, tornando-o um dos artistas brasileiros mais relevantes da produção contemporânea, pela própria reformulação da modernidade brasileira. Como destacou Leonor Nazaré: «A variedade e vitalidade do conjunto de empreendimentos conceptuais implicados na obra de H.O. [Hélio Oiticica] são conformes, em dimensão, ao seu propósito de criar uma linguagem que perturbasse, pesasse e reformulasse o “Destino da Modernidade do Brasil”.» (Nazaré, Expresso, 27 fev. 1993, p. 12)

A exposição é acompanhada por um catálogo, comum a todas as itinerâncias e que se apresenta como uma extensão da mostra, na mesma medida em que, para Oiticica, a obra era acompanhada por uma reflexão teórica, tão importante quanto a obra em si. Como consequência, o catálogo conserva vários textos inéditos do artista, bem como uma vasta produção teórica que deixa antever as suas preocupações e as suas motivações enquanto artista, completados por textos de autores como Guy Brett, Catherine David ou Waly Salomão.

Uma das questões centrais na sua obra será sempre a problemática da identidade e de como esta se adequa à cultura brasileira, frequentemente ancorada no samba, na favela ou no Carnaval, qualidades muitas vezes ignoradas em detrimento de uma cultura colonizada por agentes estrangeiros dos grandes centros artísticos europeus e norte-americanos. Em Tropicália, Oiticica denuncia a necessidade de construção de uma identidade verdadeiramente brasileira, recuperando o movimento antropofágico da década de 20, personificado por Oswald de Andrade, que é combinado com o concretismo, que «inundou» a arte brasileira da segunda metade do século XX. O autor elimina barreiras criadas pela clivagem entre as belas-artes e a arte popular, questionando o statu quo do objeto artístico, na sua vertente comunicativa e enquanto bem de consumo.

O espírito da dança, do movimento, do samba carnavalesco é personificado em Parangolés, deixando antever as preocupações de Oiticica com a descolonização da cultura e a afirmação da diferença cultural, remetendo a arte para o domínio da vida e revelando-se na obra do artista de diferentes formas. Uma delas será através da utilização de materiais que remetem para esse imaginário, como a areia, o pedrisco, os papagaios, as plantas ou panos estampados baratos.

Esta exposição assume-se da maior importância, pela apresentação de um dos artistas mais representativos da arte brasileira contemporânea, cujas múltiplas facetas parecem inesgotáveis, quer seja através do seu contributo na arte ambiental, body art, land art, quer seja no campo performativo, da arte política e participativa, das questões de identidade e sexualidade, entre tantas outras.

Hélio Oiticica aliou um processo criativo a uma vasta produção teórica focada numa reação contra ímpetos formalistas e exercícios de extrema intelectualização, aproximando o público dos objetos artísticos, num processo suprassensorial, em que a participação se apresenta como a palavra-chave: «The participator is shifted off his habitual field to a strange one that wakes up his internal fields of feeling and gives him conscience of some areas of his Ego, where true values affirm themselves. If this does not happen, then participation has not taken place.» (Hélio Oiticica, 1993, p. 12)

Esta exposição foi a primeira retrospetiva apresentada sobre o artista brasileiro e a primeira mostra de Oiticica na FCG, assinalando igualmente a colaboração da instituição portuguesa com diferentes entidades estrangeiras, num ano com várias exposições dedicadas à arte brasileira, das quais se destaca igualmente «Matrizes e Gravuras Brasileiras da Colecção Guita e José E. Mindlin», ou ainda uma mostra dedicada ao artista Sérgio Camargo (1930-1990).

Patrícia Simões, 2019


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Eventos Paralelos

Conferência / Palestra

Apresentação de Hélio Oiticica

19 fev 1993
Fundação Calouste Gulbenkian / Edifício Sede – Auditório 3
Lisboa, Portugal

Publicações


Material Gráfico


Fotografias

José Sommer Ribeiro (à dir.)
Julião Sarmento (atrás, dir.)

Multimédia


Documentação


Periódicos


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Museu Calouste Gulbenkian), Lisboa / MCG 03422

Pasta com documentação referente à produção de várias exposições. Contém materiais de divulgação e recortes de imprensa. 1993 – 2008

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Comunicação), Lisboa / COM-S001/044-D02936

Coleção fotográfica, cor: inauguração (FCG, Lisboa) 1993

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 149979

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG, Lisboa) 1993


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