Onze propostas para uma exposição sobre Ernesto de Sousa

Reportagem realizada por Helena de Freitas e Miguel Wandschneider no ano de 1997, que integrou a exposição organizada e patente no CAMJAP em 1998, dedicada a Ernesto de Sousa (1921-1988). Reunindo onze entrevistas a colegas, companheiros e amigos do artista, os curadores pretenderam que os entrevistados sugerissem uma versão ideal de uma exposição sobre Ernesto de Sousa.

Os entrevistados (por ordem de entrada) são: Pedro Proença, Alberto Carneiro, João Vieira, Fernando Calhau, Julião Sarmento, Pedro Cabrita Reis, José Barrias, Ana Hatherly, Leonel Moura, Ângelo de Sousa e Helena Almeida.

Destacam-se alguns aspetos de cada depoimento, na mesma ordem de entrada adotada no vídeo:

Pedro Proença (1962)

«Faríamos uma exposição cheia de interferências, ruído... com vida, e sobretudo uma exposição que fosse uma festa […], uma coisa multimédia, isto é, um encharcado de textos, imagens, fotografias, vídeos […], uma coisa com muitas salas […]. Haveria comes e bebes.»

Pedro Proença salientaria a componente mais participativa e ativa por parte do espectador, garantindo que isso seria o que mais agradaria a Ernesto Sousa.

Alberto Carneiro (1937-2017)

«Só pode ser feita através de uma metáfora, uma metáfora espacial…»

Alberto Carneiro pretendia que a exposição se inserisse num espaço esférico, sem lados, no qual as pessoas perdessem a ação da gravidade e flutuassem... e pudessem, assim, começar a leitura da exposição, em qualquer momento em qualquer lado, fazendo justiça à ideia de que a obra de Ernesto, por vezes, é considerada uma não-obra.

«O José Ernesto fez um percurso que vai do neorrealismo aos multimédia e, naturalmente, se ele vivesse hoje estaria envolvido na exploração virtual.»

Alberto Carneiro realçou ainda a relação cúmplice, apesar de crítica, que Ernesto de Sousa manteve com os artistas, que envolvia constantemente o sentido da superação e da inquietação criativas. Carneiro propunha uma exposição impossível, que sendo finita apelaria ao infinito; um local de festa, pois na ausência de gravidade, as pessoas seriam levadas a manifestar-se no sentido da descoberta.

João Vieira (1934-2009)

«Com certeza tentava fazer uma exposição à Ernesto de Sousa. Portanto, uma exposição em que a intervenção das pessoas que aderissem à exposição […] seria uma constante […]. Teria que se partir de um núcleo qualquer produzido por Ernesto de Sousa, que poderia ser, por exemplo, “Almada um nome de guerra” [1969-1983] (que é uma instalação complexa) e a partir daí convidar vários intervenientes […] para intervirem na exposição.»

Para João Vieira teria ainda de ser editado um livro, com documentação e reflexão. A exposição deveria levantar questões de ordem política e ética.

Fernando Calhau (1948-2002)

«[…] era um homem que utilizava a cultura de forma plástica, não pensava na cultura como forma de erudição, encontrava sempre uma via para explorar uma nova atitude perante o trabalho dele.»

«Eu acho que tanto poderia ser uma sala completamente às escuras e negra e vazia, como poderia ser uma sala acumulada de tudo. Desde experiências humanas, de textos, de críticas, de rabiscados por cima, desenhos sobrepostos com outros projetos, e com esquemas de intervenções e instalações […], até um espaço depurado e muito mais limpo, e trabalhos apresentados de uma forma museológica […], de análise fria e laboratorial do trabalho dele.»

Fernando Calhau pretendia, assim, sublinhar o caráter desmaterializado da arte que Ernesto de Sousa constantemente desejou, ainda que produzisse sempre alusões à obra de arte como objeto.

Julião Sarmento (1948-2021)

«Como é que eu faria uma exposição de Ernesto de Sousa? Não faria!»

Para Julião Sarmento, só seria possível considerar duas hipóteses: uma prestação de homenagem, muito pessoal; ou a multiplicação e reinterpretação infinitas de uma exposição.

«Eu acho que não faz sentido nenhum fazer uma exposição de Ernesto de Sousa porque será completamente contrário a tudo aquilo que ele pretendia. […] O Ernesto, mais do que cada dia, vivia o amanhã de cada dia, e fazer uma exposição é sempre repetir […], e isso era o que Ernesto de Sousa não pretendia.»

Pedro Cabrita Reis (1956)

«Uma exposição sobre ele teria de ser sempre um ato convulsivo, um pouco como ele viveu, como ele fez as coisas […]. Imagino que ele pudesse gostar de ver os seus trabalhos e as suas ações, as suas cartas, os seus documentos, as suas fotografias, os seus vídeos, todos enfim, todos os rabiscos […], todas as coisas que ele não chegou a poder fazer, todas aquelas que fez e às quais não ligava importância porque estava sempre em trânsito para uma outra coisa qualquer, porque estava sempre a sonhar […]. Tudo isso ele veria muito mais numa escola por exemplo, numa escola de belas-artes, e veria tudo, digamos […], tudo poderia ser manuseado pelas pessoas […].»

Para Pedro Cabrita Reis, qualquer peça poderia ser levada para casa pelo espectador, o que, faria sobressair o lado livre e humano do homenageado: «[…] coisas que não tivessem importância, coisas que pudessem usar e deitar fora, coisas que não ficassem entre nós e elas a criar um espaço de reverência.»

José Barrias (1944-2020)

«Muitas vezes falar com ele era deixá-lo falar», diz José Barrias. «Era uma figura sempre em movimento, que se interessou por muitíssimas coisas […], com um fortíssimo interesse pela estética e pela arte […], um personagem extremamente inquieto; portanto, fazer uma exposição sobre o Ernesto […] seria como expor o movimento. E o movimento é difícil de expor, a inquietude, o desassossego, as posições em contínua transformação são difíceis de captar […]. Por um lado, há um forte elemento de tradição, mas também uma transgressão da memória e interesse pelos vanguardistas.»

«Poderia ser uma exposição cheia de imagens, escritos, de tudo […] a vida, os interesses dele […].» José Barrias recomendava uma exposição onde a distinção entre Arte e Vida fosse impraticável.

Ana Hatherly (1929-2015)

«Eu propunha que se fizesse uma exposição-objeto. […] Consistiria, essencialmente, […] num vídeo, ou numa parede grande […] com os respetivos monitores, e em cada monitor haveria constantemente aspetos da atividade de Ernesto de Sousa. No cinema, nas intervenções, tudo...»

A artista propunha uma exposição organizada segundo uma narrativa rítmica dos vários expositores/monitores (uns a cores, outros a preto-e-branco; uns mudos, outros sonoros...), de forma a criar «a pulsão criadora». Considerou ainda outras intervenções, como a dança, a música, as palestras e conferências, tudo acontecendo ao mesmo tempo, tendo em conta toda a atividade artística de Ernesto de Sousa.

Leonel Moura (1948)

«Buñuel [1900-1983] dizia que não se importava de morrer, mas que gostaria, depois de morto, de vir à terra de vez em quando, ir a um quiosque comprar todos os jornais que estivessem à venda, levá-los para a tumba e ler, para ter a noção do estado do mundo. Quem me contou isto foi o Ernesto de Sousa e foi na medida em que ele partilhava também este sentimento.»

Com tal introdução, Leonel Moura supõe que, se Ernesto de Sousa, nas mesmas condições que Buñuel, comprasse os jornais de então, haveria certamente algumas notícias que lhe agradariam, tanto a nível político como cultural, e uma das notícias que lhe dariam satisfação seria ver que na FCG estaria a decorrer uma exposição que lhe era dedicada.

Ângelo de Sousa (1938-2011)

Ângelo de Sousa presume que o objetivo de uma qualquer exposição reside na tentativa de dar a conhecer algum acontecimento ou alguma pessoa. «No caso de Ernesto de Sousa, não se trata propriamente de ir buscar muitos trabalhos a coleções, a museus […], porque não se pode falar dele como um artista nesse sentido (que fez coisas, que pintou quadros, fez esculturas, etc.).»

«Como é que se vai dar uma resenha minimamente objetiva, crónica que seja, ou então uma resenha interpretada disso? Acho difícil!» O entrevistado sugeriu reunir algumas fotografias e vídeos de Ernesto de Sousa: «Ainda assim, a parte mais interessante, que é essa parte que não é mostrável, não existe objetivamente, palpavelmente em tela, em acrílico ou em bronze […]. Quer dizer, em certa medida penso que essa exposição pode funcionar um pouco como uma reunião de amigos, não é? […] E não acho mal nenhum. Se calhar é a única hipótese possível.»

Helena Almeida (1934-2018)

«Eu acho que ia até ao zero […], ao limiar da rutura, ao silêncio mais extremo que seja possível humanamente. Porque o Zé Ernesto era uma espécie de guerrilheiro que vivia da rutura, embora de uma forma muitas vezes sem grande continuidade, mas era um guerrilheiro no sentido de que quem não está connosco está contra nós.»

Helena Almeida sugeria uma exposição em que se inserissem despojos de guerrilha, ou que fosse uma espécie de branco, exploração do zero, da não-linguagem, da não-escrita. Ela mesma foi sensibilizada pela atitude profundamente tocante de Ernesto de Sousa quando ele falava no zero, a partir do nada, ou indo até ao nada. Esses mesmos conceitos corresponderiam ao que mais lhe interessaria destacar ou aprofundar numa exposição, tendo em conta que Ernesto de Sousa os trabalhava e compreendia.

«A estes onze artistas, selecionados por razões de convívio e proximidade estética, foi-lhes colocada uma questão específica sobre como fariam uma exposição sobre Ernesto de Sousa e o heterogéneo conjunto de respostas dadas abriu de forma inesperada um infinito campo de possibilidades expositivas, criando uma espécie de realidade virtual que, se quisermos, corre paralelamente ao espaço das galerias [da exposição].» (Helena de Freitas, Ernesto de Sousa. Revolution My Body, 1998, p. 10)

Realização
Klaas Akkerman
Produção
Peter A. Ade
Edição
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1998
Duração
47 min
Participante(s)
Alberto Carneiro, Ana Hatherly, Fernando Calhau, Helena Almeida, José Barrias, João Vieira, Julião Sarmento, Leonel Moura, Miguel Wandschneider (jornalista), Pedro Cabrita Reis, Ângelo de Sousa
Proveniência
Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 263684
Direitos
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