Varvara, a pianista que só usa nome próprio, estreia-se na Gulbenkian

17 nov 2016

Parece que a Fundação Gulbenkian teve “dedo” certeiro: “era um sonho que eu tinha já há uns bons anos, tocar em público o Concerto em ré menor [de Mozart], e agora tornou-se realidade. Foi uma escolha que me deixou muito feliz e Portugal vai ficar ligado a isso!”

Quem assim fala é Varvara, russa (de Moscovo), 33 anos, que hoje (21.00) se estreia em Portugal, tocando o Concerto para piano n.º 20, KV466, de Mozart. Estreia oficial, pois “já estive em Portugal [Lisboa] em 2010, quando participei no Concurso Vianna da Motta. Fiquei apaixonada pelo país desde então, por isso é com um enorme gosto que agora regresso.” Dessa vez, ficou-se pelas meias-finais, mas dois anos (e vários outros concursos) depois, conquistou o Géza Anda, em Zurique, um dos mais prestigiados do circuito internacional de concursos: “Essa vitória foi de uma importância determinante no meu percurso subsequente. Posso dizer mesmo que a minha vida mudou depois disso”. Muito aí se abriu, mas algo também se fechou: “para mim, significou também o ponto final em oito anos de concursos um pouco por todo o mundo, dos quais posso dizer que foram uma ótima escola para mim, em termos de controle dos nervos, da confiança em mim mesma e da experiência”.

Outros benefícios da vitória no Géza Anda [além do 1.º Prémio, recebeu o Prémio Mozat e Prémio do Público] foram “três anos de agenciamento e uma agenda bem preenchida de concertos”. E aqui nasceu a pianista que só usa nome próprio: “Pouco tempo depois, a minha agente abordou-me e disse: “Desculpe, mas com esse apelido é muito difícil eu conseguir promovê-la onde quer que seja”. E então decidiu-se que eu passaria a ser apenas Varvara”. Admite que “não foi uma decisão que me agradasse”, mas entretanto habituou-se à ideia e agora já arruma a questão com um descontraído “deixa lá!” Quanto a “recuperar” o apelido, considera que “por enquanto, acho que não seria possível. Talvez só bastante mais tarde…” Já agora, o apelido dela é: Nepomnyashchaya.

Sobre o seu começo na música, conta esta filha de um matemático e de uma professora: “Foi uma decisão dos meus pais. Eu era uma criança normalíssima, inclusivé por não gostar de estudar piano”. Mas o clic acabou por chegar: “aí pelos 13-14 anos, foi quando eu comecei a pensar que a música podia ser a minha vida”. Do pai, pianista amador, conta que “foi sempre o meu mais severo crítico”. Na família, há outra artista: “a minha irmã mais nova é cravista e está fixada em Amesterdão”. Quanto a Varvara, vive não muito longe: Hamburgo – “fui para lá em 2011, para estudar com Evgeny Koroliov na Escola Superior de Música, e acabei por ficar.” A escolha de Koroliov [tocou em junho de 2014 umas memoráveis Goldberg na Gulbenkian] foi um palpite: “conheci-o em 2006, quando, ainda estudante do Conservatório de Moscovo, participei no Concurso Bach de Leipzig, em que fiquei em 2.º lugar. Tivemos um bom contacto, quer a nível musical, quer humano. E anos depois, quando foi questão de ir para fora, lembrei-me dele e senti que seria o mestre mais indicado para mim. E foi, de facto!” Hoje, já é uma “artista inteiramente independente”.

E independente o suficiente, esta jovem russa, para não se intimidar e ir à Ucrânia: “Fui convidada para ser jurada no Concurso Shostakovitch de Dnepropetrovsk e não houve problema algum. Sabe, muitas vezes as pessoas são bem mais espertas que os seus governos… E aliás, a minha melhor amiga aqui em Hamburgo é ucraniana!” Sobre possíveis críticas no seu país por esse gesto, responde: “se vivesse lá, talvez tivesse ouvido, mas como vivo no estrangeiro, tornei-me de certo modo mais imune”.

Atípico nesta artista, jovem e russa que é, é a pouca representatividade de obras de grande efeito e virtuosismo: “Não se coaduna com a minha forma de estar na música e não me consigo expressar através dela. De qualquer modo, acho que os promotores já me começam a conhecer e ao meu repertório, pois só por uma vez recusei uma obra que me propuseram!” Instada por nós, acaba por revelar: “Foi o Concerto de Clara Schumann… Ouvi-o e ouvi-o, e percebi que não gostava. Foi um daqueles casos em que nem a ligação de género funcionou!”, comenta, entre risos.

Para quem ainda não pôde ouvir Varvara, já vai sendo possível ouvi-la em gravações: “A Rádio Austríaca editou um recital livemeu com obras de Beethoven e Schumann; o Festival de Piano do Ruhr editou outro live com duas obras de Schumann. Mais recentemente, a minha agência criou uma etiqueta própria e gravei um CD com obras de Mozart e outro com quatro Suites de Händel”. A escolha (quase) bizarra de Händel é assim explicada: “Adoro o Barroco e a música dos barrocos alemães, quiçá também pela minha irmã ser cravista. E quando discutimos repertório, como já há tantos discos de Bach para tecla, decidi gravar Händel”.

Mas não se pense, após tantos autores germânicos, que Varvara toca pouco os russos: de 25 a 27 de dezembro, toca o famoso e arqui-romântico Concerto n.º 2 de Rakhmaninov em três cidades alemãs. E assim se vai fazendo a carreira de uma artista que se sente “feliz e afortunada apenas por poder estar em palco e tocar diferentes programas, e apresentar-me com diferentes orquestras e maestros”.

 

Bernardo Mariano

DN – 17 Novembro 2016

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