O Stradivarius português

17 jun 2017

Fica a incógnita se muito do aplauso recebido pelo russo Pavel Gomziakov (Tchaikovsky, 1975), o fiel depositário durante duas horas do violoncelo Stradivarius, também se dirigiu ao afamado tesouro e ao seu fabricante, Antonio Stradivari, o mais célebre artesão de instrumentos musicais. O violoncelo histórico tocado na ocasião não tem proprietário, no sentido de não ser reconhecido, a qualquer instrumentista da atualidade, o direito de posse de uma tal preciosidade. No século XIX, ele teve todavia proprietários nas figuras do violoncelista belga Pierre Chevillard e do rei de Portugal, D. Luís. Dois músicos russos, o violoncelista Gomziakov acompanhado por Andrei Korobeinikov (Dolgoprudny, 1986), preencheram o seu programa com composições russas, de forma a celebrar o ‘Stradivarius português’, um instrumento oriundo de Cremona, datado de 1725 e conservado na coleção do Museu Nacional da Música. Periodicamente, o violoncelo tem de ser tocado pois que um dos problemas deste tipo de instrumentos reside na perda das suas qualidades quando não são tocados. Na década de 90 do século passado, o maestro e cravista britânico Hogwood, quando era questionado sobre a situação dos cravos da coleção da rainha de Inglaterra, declarava que eles estavam em estado deplorável e que a sua degradação resultava do facto de não serem periodicamente retirados do seu limbo. Em 2014, Gomziakov utilizou o valioso instrumento na gravação dos concertos de Haydn com a Orquestra Gulbenkian. Há três semanas, e por ocasião do Dia Internacional dos Museus, a violoncelista Maria José Falcão também ressuscitou este instrumento histórico do silêncio. Gomziakov lançou-se num repertório que não dá grandes passos no caminho da máxima popularidade, a “Canzone para violoncelo e piano em Fá menor” de Taneyev, a “Sonata em Lá menor” (op. 81) de Nikolai Miaskovsky e a “Sonata em Sol menor” (op. 19) de Rachmaninov, deixando o auditório extasiado com uma sonoridade rica em inflexões subtis e com a sua técnica prodigiosa. E contudo, ele nunca sacrificou o espírito das peças aos prodígios da execução técnica. Com grande nobreza, também brilhou a luz interior do pianista Korobeinikov.

 

Ana Rocha

Expresso – 17 de junho 2017

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