O dramatismo secreto

28 fev 2017

Fundação Gulbenkian programou para o aniversário de Hãndel (23 de fevereiro) e dia seguinte (récita a que assistimos) uma produção semiencenada da masque (ou serenata, ou pastoral) Acis and Ga!atea, na versão de 1718. Direção musical de Leonardo Garcia Alarcón, um especialista do Barroca e “ação cénica” de Marie Mignot. Na conceção desta, a metade posterior do palco era um balcão/esplanada, comunicando por escadas laterais com a parte anterior, onde estava a orquestra, permitindo assim uma movimentação dos cantores a toda a volta. De resto, houve apenas a • capa e a máscara (esta, depois multiplicada no coro) de Polifemo (barítono André Henriques) e o vestido adequadamente verde de Galateia (soprano Ana Quintans). Tudo o mais era desenho de luz (Luís Fradique/M. Mignot), claramente a mais-valia visual do espetáculo. Na cena da transformação, enquanto Galateia canta Heart, the seat of soft delight ., o fundo de palco deixou descobrir os jardins da Funda- ção, ali surgindo a silhueta (sombra=morte) de Ácis. Um efeito bonito, mas não se poderia ter sugerido, com um efeito de luz, a fonte, cascata, curso de água que Ácis de facto se fez? Vocalmente, Ana Quintans habitou a excelência que lhe vai sendo habitual (como é que uma cantora destas não teve ainda um papel principal em São Carlos?), mas impregnando as suas árias de um pertinente “travo” de suave melancolia que só no recitativo Cease, o cease e no breve dueto com Ácis que se lhe segue deixou que desse lugar a uma alegria luminosa. Em contraste, a personalidade vocal do Ácis tal como moldada pelo tenor Marco Alves dos Santos não logrou convencer-nos, já que não “cola” com a personagem nem com aquilo que canta. Depois, Marco não evitou dar a impressão de ser um “peixe fora de água” em termos de voca- 1 idade / estilo. Exceção, sem dúvida, o breve recitativo Help, Galatea!que antecede a sua morte. André Henriques encheu vocal e histrionicamente o palco com a sua composição do ciclope Pofifemo e foi ele o motor do élan dramático que a obra ganha no IIAto. O tenor João Miguel Rodrigues assinou com elegância, sobriedade e correcção as duas árias de Damon, passando bem a imagem da sensatez da personagem; já o também tenor João Terleira (Coridon) fez a sua ária em demasia pelo seguro (et pourtant. . – pareceu sempre muito tenso) e, além disso, denotou grande rigidez corporal, como se estivesse num recital. Excelente contribuição do Coro Gulbenkian, sobretudo ao nível da definição de ambientes anímicos e marcando deveras o passo dramatúrgico. Já a Orquestra Gulbenkian verteu bem o som barroco, envolvidamente dirigida por Garcia Alarcón, a direção deste mais marcante no II Acto.

 

Bernardo Mariano

Diário de Notícias – 28 de fevereiro 2017

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