Marc Ribot: “Queria ser astronauta mas deram-me uma guitarra”

03 ago 2016

O Jazz em Agosto começa com um concerto de Marc Ribot, que nunca se deu bem com regras ou estilos. Ainda assim, começou como todos os outros: “Achava o Keith Richards cool. Ainda acho”, diz-nos.

Marc Ribot já fez de tudo. Já trabalhou numa serração e já descarregou camiões de bananas. Ainda hoje diz que queria era ser astronauta mas “há aquela questão dos testes e do limite de idade”. Ficou-se pela guitarra, começando pelo rock’n’roll, chegando mais tarde a coisas mais experimentais — “jazz, avant-garde, normalmente associam-me a esse tipo de estilos”. Os rótulos não o preocupam, o que realmente o aborrece é a rotina, os clichés. Procurou a diferença e encontrou-a a solo, com os vários grupos que já formou e em digressão com músicos como Tom Waits ou Elvis Costello. Guitarrista único, é o homem dos sons inesperados, dos solos sem regras, da composição que não quer fazer “apenas mais um tema”. Tudo menos isso.

É um das estrelas da edição deste ano do Jazz em Agosto, que começa esta quinta-feira, dia 4, na Gulbenkian, em Lisboa. Mas também é o tipo que não é bem do jazz: “Não sei bem se é a palavra certa. Mas também não sei qual é”. O que todos temos a certeza é que tem sido um daqueles visionários criativos que deixa mudanças por onde passa, mesmo que não sejam óbvias nem imediatas. Se há um guitarrista que o ouve ou vê ao vivo, nunca mais esse sortudo vai ser o mesmo músico. A este tipo de artista costuma dar-se o título de “patrão”. E como qualquer bom “patrão”, este pode fazer o que quiser, vai daí marcou dois concertos para o mesmo festival. Foi por aí que começámos a conversa:

 

Dois concertos no mesmo festival. Não é habitual.
Pois não. Vai ser um a solo, com guitarra acústica, e um outro com os Young Philadelphians, uma banda que formei há pouco tempo. E neste vai participar também o Lisbon String Trio. Quanto mais confusão melhor, gosto disso.

 

Portanto, não tem grande preferência entre tocar com uma banda ou atuar a solo, desde que toque, é isso?
Não tenho grande preferência porque posso escolher. E porque tenho essa sorte, decidi fazer duas noites nos dois formatos. Assim resolvo o problema de uma forma muito inteligente. E ainda junto músicos portugueses.

 

Segue o trabalho de outros artistas? Por exemplo, acompanha o jazz que se faz em Portugal?
Gostava de acompanhar mais. Sou interessado, pelo menos isso. Mas sei que há muito mais para conhecer e que tenho falhado.

 

Mas porquê? Se tem esse interesse…
É um problema que tenho em relação à música de outros artistas em geral. Tenho demasiado trabalho e perco demasiado tempo com a minha música. Quando tenho tempo procuro fazer outra coisa. Ou então não fazer nada. Devíamos todos tentar cultivar mais o valor de não fazer nada. E devíamos também tentar sair um bocado do nosso próprio mundo. Costumo ficar-me pelas minhas coisas, pelas coisas dos meus amigos, o que acontece nesse circuito fechado. Nada mais. E depois quando conheço outras pessoas ou vejo outros trabalhos, sinto-me à parte, deslocado, parece que venho de outro mundo e isso é muito triste.

 

Considera-se um músico de jazz, um guitarrista de jazz?
Bom, responder a isso é mais complicado do que parece. A definição daquilo que é um músico de jazz muda consoante estejamos na Europa ou nos EUA. E há 20 anos era diferente em ambos os locais. É uma coisa que tende a mudar com o tempo. Na Europa, a ideia de um festival de jazz envolve música não-tradicional, sobretudo instrumental. Já nos EUA, o mesmo conceito é mais fechado, abrange música definida como jazz até meados dos anos 70. Quando toquei com os Lounge Lizards, por exemplo, nos EUA dávamos concertos em clubes de rock e punk. Na Europa tínhamos sempre lugar nos festivais de jazz. Resumindo: tento não definir nada do que faço e os outros que o façam. Mas também posso tentar responder a isto de outra maneira.

 

Vamos a isso.
Gosto muito de músicos que foram várias vezes associados com o jazz, mas há outros com a mesma categoria de quem não gosto nada… agora que penso nisto, acho que continuo a não explicar-me muito bem.

 

Nem por isso. Mas não é grave. Ainda sobre as diferenças entre a Europa e os EUA, quando chega a hora de dar o concerto, aí já não haverá diferenças, certo?
Aí não, a diferença está no que acontece à volta do concerto. Na Europa os concertos são mais bem pagos.

 

Porquê?
Porque há mais concertos subsidiados pelas cidades onde acontecem ou por outras entidades. Isso no circuito pop rock não é muito habitual mas nisto da música avant-jazz-clássica-contemporânea é um costume europeu, sim.

 

E diferenças entre os públicos, existem?
Bom, a grande questão é que tanto os EUA como a Europa são sítios grandes, a diferença principal é que os EUA são um país só. Na Europa, também por causa da questão dos subsídios, há mais cidades habituadas a ver este tipo de música ao vivo. Porque passam pelos palcos e pelas rádios. Na América há poucos sítios onde isto seja verdade. E muitas vezes é verdade em sítios menos óbvios.

 

Sítios como…
Essa é fácil: Richmond, Virginia. Tem uma longa história feita por promotores locais que há muito procuram contratar artistas interessantes para atuar. Ou seja, há muito público com apreciação crítica sobre este tipo de coisas. Gostam da música e vão aos concertos. O meu primeiro concerto em Lisboa foi em 1982. E tenho passado pela cidade desde então. Durante todo esse tempo, nunca toquei no Alaska, devo ter tocado uma vez no Iowa, uma no Nebraska… na maior parte do meu próprio país nunca toquei.

 

E o que fazer para mudar isso?
Alguma coisa tem de ser feita. O Lisbon String Trio é um grupo de cordas que não é necessariamente aquele que se ouve nos filmes de Hollywood ou na música que acompanha anúncios de televisão. Há muito mais além daquilo que nos chega da forma mais fácil e imediata mas é difícil mostrar isso às pessoas e não devia ser.

 

O que o fez querer ser guitarrista?
Eu era apenas mais um, só isso. Achava que o Keith Richards era cool e continuo a achar a mesma coisa. Queria estar no palco e queria que toda a gente gostasse de mim. Era isto e era tudo muito simples. Mas não aprendi a tocar guitarra pelo rock’n’roll, acabei por fazê-lo através de uma formação clássica, quase por acidente. Tive aulas com Frantz Casseus Young, que também é conhecido como o pai da guitarra clássica haitiana. Ele era amigo da minha família por isso as coisas aconteceram. E isto foi muito antes de aprender a tocar com uma palheta sequer. Mas na altura, coisas como rock ou R&B tocavam nas mesmas estações de rádio. Acabávamos por ser influenciados por mais coisas mesmo que assim não quiséssemos, era meio involuntário.

 

E na verdade é pelo rock que começa enquanto músico profissional.
Sim. Ainda antes disso, no liceu tive bandas de rock. Depois quando me mudei para Boston e para o Maine, tive mais bandas de rock. Em Nova Iorque toquei com quem quisesse tocar comigo, e isso incluiu muito rock’n’roll. Claro, depois apareceram as digressões com gente como o Tom Waits. Não sei bem como classificá-lo, mas… Houve também o Elvis Costello, que é definitivamente um rocker. Ou até a minha banda, Ceramic Dog, o que fazemos é rock.

 

Mas isso não lhe bastava…
Não foi bem essa a questão. Acho que me cansei dos clichés das bandas de rock. E também me apercebi das contradições das bandas de rock. Por isso cheguei à conclusão que o melhor remédio seria fugir e fazer outra coisa que não me cansasse.

 

Que clichés são esses? Mantêm-se?
O costume: as bandas começam para mudar o mundo e acabam por ser iguais a todas as outras. E isso torna-se monótono.

 

Sendo assim, podia fazer outra coisa qualquer, talvez fosse uma opção.
Já fui estafeta, não de mota mas com uma bicicleta; já descarreguei camiões cheios de bananas; também já pintei casas, já fui funcionário de uma serração. Isto para te dizer que já fiz muitas coisas e olha, aqui estou, agarrado à guitarra, não há volta a dar. Ainda que me tenham passado pela ideia algumas hipóteses nos últimos tempos. Gostava de estudar história, mas de uma forma séria. Gostava de ter sido astronauta, ir à Lua, mas entretanto alguém me deu uma guitarra…

 

Tiago Pereira

Observador.pt – 03 Agosto 2016

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