Jazz sob uma bola de espelhos

03 ago 2016

Aí está mais uma edição do Jazz em Agosto, com um cartaz que fará puristas e polícias do jazz rolarem os olhos.

Para o público mais conservador, é motivo de agravo que os grupos que costumam visitar o Jazz em Agosto desprezem os standards do American Songbook e prefiram compor ou improvisar a sua própria música. Mas um concerto cujo alinhamento tenha por base “Fly, Robin, Fly”, dos Silver Convention, “ISOP”, dos MFSB, “The Hustle”, de Van McCoy, “Love Rollercoaster”, dos chio Players, “Do It Anyway You Wanna”, dos People’s Choice, “Love Epidemic”, dos The Trammps, ou “Love TKO”, de Teddy Pendergrass, entra no domínio da blasfémia.

É este repertório, feito de greatest hits do Philadelphia sound (o precursor do disco-sound, que teve o seu auge entre 1973e 1980), que Marc Ribot & The Young Philladelphlans (quinta-feira) propõe, adicionando-lhe os conceitos de jazz harmolódico de Ornette Coleman e muita acidez. O grupo alinha as guitarras de Ribot e Chris Cochrane, o baixo de Jamaaladeen Tacuma (ex-parceiro de Coleman), a bateria de G. Calvin Weston e um trio de violino, viola e violoncelo. Ninguém levará a mal se se puser a menear a anca ao som de “Fly, Robin, Fly”.

 
Marc Ribot está de regresso na 6ª feira, acompanhando em guitarra a projecção de Shadows Choose Their Horrors, um filme de Jennifer Reeves inspirado nos clássicos de terror do cinema muda É também o cinema mudo agora o de pendor surrealista e dadaísta, de René Clair, Marcel Duchamp e Man Ray – que inspira o violinista francês Théo Ceccaldi e o seu quarteto Petite Moutarde (terça-feira), com Alexandra Grimal (sax), Ivan Gélugne (contrabaixo), Florian Satche (bateria). É um jazz anguloso, zombeteiro e imprevisível e o primeiro disco, homónimo, do grupo foi entusiasticamente acolhido em França no ano passada O concerto é acompanhado pela projecção de excertos de filmes dos realizadores acima mencionados.

O power trio Pulverize The Sound (sábado) faz mesmo o que o seu nome promete: Peter Evans (trompete), Tim Dahl (baixo) e Mike Pride (bateria) escaqueiram o discurso de forma a não sobrar um fragmento de melodia ou de pulsação rítmica a que o ouvinte se agarre. Evans tem sido visitante assíduo do JeA, sempre com projectos heterodoxos, mas este trio que combina improvisação com punk e noise é talvez o mais radical.

Os Tetterspadequ (segunda-feira) são um quarteto luso-italiano que se encontrou em Haia.
Daniele Martini (sax), Giovanni di Domenico (piano), Gonçalo Almeida (contrabaixo) e João Lobo (bateria) praticam um jazz umas vezes rarefeito e solene, outras vezes denso e frenético.

A pianista Eve Risser apresenta-se com a sua White Desert Orchestra (domingo), em que plácidas telas de tons pastel são rasgadas por frémitos nervosos e erupções de fúria. O conceito da White Desert Orchestra nasceu de uma viagem de Risser pelos monumentais canyons do Oeste americano e é provável que os anos que passou como pianista da Orchestre National de Jazz a tenham ajudado criar esta música de colorido variado e original.

O saxofonista Tim Berne, que já passou por Lisboa com os Caos Totale, os Bloodcount e os Buffalo Colision, propõe-nos o projecto Snakeoil (sexta-feira), com Oscar Noriega (clarinete), Matt Mitchell (piano, electrónica), Ryan Ferreira (guitarra) e Ches Smith (bateria), que lançou três discos muito recomendáveis na ECM, Snakeoil, Shadow Man e You’ve Been Watching Me, e esteve em 2013 no Seixal Jazz. Como é usual em Berne, cada peça pode estender-se por meia hora, mas a variedade de ambientes, a originalidade das explorações tímbricas e o equilíbrio entre composição e improvisação fazem com que não se dê pela passagem do tempo.

 

José Carlos Fernandes

Time Out – 03 Agosto 2016

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