A imaginação musical de Handel numa interpretação eloquente

25 fev 2017

A história do pastor Acis, da sua amada ninfa Galatea e do monstro de um só olho, Polifemo, relatada nas Metamorfoses de Ovídeo, fascinou vários compositores do período Barroco, dando origem a diversas obras, incluindo a zarzuela espanhola de José de Cañizares e António Líteres. Em 1708, Handel compôs uma serenata em italiano sobre este tema para Nápoles e depois de se ter instalado em Inglaterra, escreveu em 1718 para o Duque de Chandos Acis and Galatea, a sua primeira obra dramática em inglês. Esta pequena ópera, que a Gulbenkian em boa hora decidiu incluir na sua temporada, sob a direcção do carismático maestro argentino Leonardo García Alarcón, alcançou um sucesso que se prolongou no tempo através de múltiplas versões, edições e interpretações. Com libreto de John Gay, Alexander Pope e John Hughes, Acis and Galatea de Handel retoma a tradição inglesa da masque (divertimento de corte envolvendo, música, dança e representação), ao mesmo tempo que incorpora influências dos géneros da pastoral e da ópera italiana. Devido à proeminência do coro, serviu também de ensaio para as oratórias posteriores do compositor. Handel dotou esta obra de música maravilhosa, servida por interpretações musicais à altura na produção da Gulbenkian, a qual contou com acção cénica de Marie Mignot, um adequado desenho de luz e alguns elementos cenográficos, nomeadamente um telão evocador do cenário campestre, que enquadrou no final a paisagem natural do jardim da Gulbenkian. Se algumas das movimentações cénicas resultaram eficazes, algumas opções são mais discutíveis, como as máscaras algo naïf de Polifemo e do coro, quando este ataca Acis. Mesmo sem se tratar de uma reconstituição de época, teria mais impacto apostar numa solução mais exuberante que apelasse ao imaginário barroco ou então, mais sofisticada, na linha do divertimento de corte. No plano musical, Ana Quintans foi uma Galatea ideal, pela beleza do timbre, notável elegância de estilo, primorosa dicção e pronúncia do inglês e minuciosa atenção às nuances expressivas. Como Acis, o tenor Marco Alves dos Santos teve também uma prestação de alto nível. A sua voz tem vindo a ganhar corpo e potência, mas o cantor soube também mostrar subtileza e delicados pianíssimos na tocante cena da morte. O barítono André Henriques foi um Polifemo de grande consistência e assertividade, sem acentuar demasiado o lado caricatural ou “monstruoso” da personagem e os restantes cantores (João Terleira como Coridon e João Rodrigues como Damon) tiveram também bons desempenhos, com destaque para a ária da segunda parte deste último. A riqueza da escrita coral de Handel, com momentos sublimes no lamento “Mourn, all ye muses”, contou com um Coro Gulbenkian em grande forma numa excelente prestação artística. Uma selecção de instrumentistas da Orquestra Gulbenkian, com convidados como a violinista Birgit Kolar como concertinho principal e o cravista Miguel Jalôto no âmbito de uma sólida secção de baixo contínuo, mostraram uma forte sintonia com o estilo de Handel, sob a direcção veemente e apaixonada de Alarcón, maestro com ampla experiência na música dramática do século XVII e inícios do século XVIII. Pontuais dessincronizações entre a orquestra e os cantores, não perturbaram um resultado global atento ao carácter e ambiente de cada secção e ao seu impulso rítmico, a sugestivos efeitos de colorido e a intervenções solísticas eloquentes de instrumentos como o fagote, o oboé e o violino.

 

Cristina Fernandes

Público – 25 de fevereiro 2017

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