Giovincello

05 nov 2016

O acontecimento da semana era o regresso de Il Pomo d’Oro, desta vez com o giovincello violoncelista francês Edgar Moreau. A palavra é bem escolhida, pois não só significa ‘rapazinho’ como evoca violoncelo. (Moreau tem 22 anos.) O concerto recriava uma boa parte do disco do mesmo nome, “Giovincello”, dedicado a concertos de violoncelo do século XVIII e galardoado este ano com um dos prémios ECHO Classik. Já que não podemos ter uma ópera barroca — por exemplo, o superlativo “Catone in Utica”, de Leonardo Vinci, já gravado pelo Pomo d’Oro — temos de nos regalar com o belo ambiente camarístico de seis instrumentistas (cravo, dois violinos, viola, violoncelo e contrabaixo) mais solista. Apreciei logo o arranjo espacial dos músicos, com o mais humano dos Peças de conversação instrumentos, o violoncelo, colocado frontalmente ao centro, abraçado, à esquerda, pelos violinos, e à direita, pela viola e contrabaixo (em jeito de parêntesis); Maxim Emelyanychev (28 anos) dirigia do cravo central, mas recuado, com indicações discretas de cabeça (ajudadas pelas longas melenas). O solista, quando entrava, era apenas mais um músico — mas que músico! — muito atento aos colegas e em diálogo constante com os violinistas, especialmente a excelente Zefira Valova (em adiantado estado de gravidez). O ambiente era íntimo e festivo. Como por milagre, o Grande Auditório parecia ter encolhido; estávamos agora reduzidos às dimensões de um salão, com o público a escutar embevecido estas ‘peças de conversação’. O programa (magistral) reunia compositores conhecidos e apreciados (Hasse, Telemann, Vivaldi e Boccherini) com outros das franjas da história (Platti, Durante). Predominavam as tonalidades de Sol menor e Ré Maior. A música barroca é, em geral, uma explosão de emoções. Aqui a exceção foi o estilizado, quase abstrato “Divertimento em Si bemol Maior TWV 50:23” (com um muito curioso e afirmativo Scherzo 4), do octogenário Telemann. Quanto a Moreau (que toca num Tecchler de 1711) foi simplesmente arrebatador nos concertos de Platti, Vivaldi e Boccherini. Aos virtuosismo e empenhamento naturais há que acrescentar as incríveis sonoridades que arrancava do seu violoncelo (que atingiram os píncaros no “Concerto em Ré Maior G 479”, de Boccherini, com as suas extraordinárias incursões no registo agudo). A curiosidade do “Concerto para violoncelo em Ré Maior, D-WD 650”, de Giovanni Platti, perde-se em face do imaginativo “Concerto em Lá menor, RV 419”, de Vivaldi, especialmente do mesmérico e empolgante 2º andamento (Andante) com o cravo e o violoncelo a fazerem o baixocontínuo. Apreciei ainda a unidade subtil do concerto para orquestra (nº 2 em Sol menor) de Francesco Durante, em contraste com a animação e energia da “Sinfonia em Sol menor, op. 5 nº 6” de Hasse. O público entusiasta — que não chegou para encher o Grande Auditório — reconheceu a classe do solista e a invulgar qualidade do ensemble que, em extra, nos brindaram com a Sarabande da “2ª Suite para violoncelo” de J. S. Bach, e a repetição do 3º andamento do concerto de Vivaldi.

 

Jorge Calado

Expresso – 5 de novembro 2016

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